Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Inveja dos astronautas no espaço

Ouviram de um povo heróico o brado retumbante: gooool. As pessoas ficam indignadas quando alguém afirma não se interessar em acompanhar os jogos da Copa nem torcer pelo Brasil. Para a maioria trata-se de comportamento anormal. Com certo receio de apanhar, confesso ser uma delas. Ao contrário, me emociono quando atletas pobres de países pobres como Brasil e Cuba conseguem ganhar medalhas sem patrocínio da Brahma, da Globo, da Coca-Cola, da Tim. Nesta época, invejo os astronautas encapsulados no espaço.


Que vença o melhor time. Esta deveria ser a justiça desportiva. A Copa Mundial porém não é uma Olimpíada. É uma grande jogada comercial e planetária. A Fifa é um órgão capitalista mais do que esportista e a Copa do Mundo de Futebol é a sua maior manifestação. Não é à toa que todos os países capitalistas querem sediar o evento. A movimentação econômica dos que conseguem se multiplica, ficam sendo alvo de toda a atenção mundial. Os investimentos maciços em infra-estrutura são pagos em dobro em um mês. Os clubes e a máfia de cartolas se regozijam. Ao contrário, em muitos países, como o Brasil, ocorre diminuição drástica na atividade geral. Estanca tudo nos dias próximos aos jogos do time brasileiro. O mês do campeonato tem diminuição acentuada na arrecadação em todos setores da atividade econômica e freio na funcional. O Congresso, o Judiciário e demais atividades cessam. Todos os brasileiros ficam de olhos pregados na TV. Pior ainda ocorre se a seleção brasileira ganha a Copa. Durante anos somos obrigados a digerir os festejos e a promoção econômica, o puxa-saquismo em cima dos ‘heróis’.


Uma quarta-feira


Haja paciência para agüentar os sábios comentaristas, especialistas, locutores, analistas, 24 horas por dia, com ares de doutores catedráticos, falando e bombardeando a mesma coisa, as mesmas resenhas, as mesmas lembranças, as mesmas badalações em torno do técnico, dos jogadores do presente e do passado, tecendo milhares de estatísticas de fazer inveja a qualquer relatório do IBGE: quantos apitos o juiz deu no segundo tempo a mais que no primeiro, a porcentagem de bolas que saíram pela lateral esquerda em relação à direita.


Todos, sábios, gostam de dar palpites estapafúrdios, falando pelos cotovelos, enchendo lingüiça para ocupar o espaço exagerado dedicado à cobertura da Copa. Reportagens inteiras de mais de meia hora sobre as frieiras do Ronaldinho ou sobre a banha do Ronaldo. Todas as campanhas publicitárias em toda a mídia giram em torno do futebol, todas as bugigangas são maquiadas de verde amarelo.


Ápice da alienação. O povo passa a adotar uma forma falsa de nacionalismo em que o orgulho pátrio fica depositado nos pés de jogadores ricos, bem pagos, fenômenos grotescos, mal-alfabetizados, ídolos, heróis únicos do país. É o país do Carnaval, do futebol e da Copa e, aqui no Nordeste, do forró. Não pode ser considerado um país sério. A especulação e o apelo comercial que se faz em torno destes eventos é extravagante. O povo, simplório, aculturado pela Globo, que vota mal, que elege políticos ladrões para representá-lo, é induzido a festejar nas ruas esta falsa glória, gastando todo o seu dinheiro nas farras decorrentes. Esquecem todas as desgraças pessoais e aquelas que assolam o país. Todos ficam intoxicados com esta overdose da qual, como no Carnaval, sempre se terá uma quarta-feira.

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Engenheiro e jornalista, Aracaju