Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O que a mídia não viu em 20 dias na Alemanha

Carlos Alberto Parreira é treinador de um esquema tático só. Até aí, normal. O que causa estranheza, no entanto, é o fato de a mídia não ter noticiado esse fato. Nos 20 dias que teve disponíveis para preparar a Seleção Brasileira, Parreira não treinou qualquer outra formação tática senão a que anunciou quando saiu do Brasil com destino a Weggis, na Suíça. O quadrado teria Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo e Adriano.


Não houve questionamento sobre as semelhanças do futebol de Ronaldo e Adriano. São atletas de força, que exploram as jogadas individuais para chegar ao gol adversário. Sem a bola nos pés, têm pouca mobilidade. Por outras palavras, são dois ‘tanques de guerra’. Essa dupla daria certo? Ninguém perguntou. Ninguém ousou questionar Parreira. Quem tentou enxergar a Seleção com outros olhos, entretanto, viu que a dupla tornaria o time brasileiro muito pesado, sem mobilidade, o que facilitaria a marcação das defesas européias, principalmente. Algo parecido como uma carreta lotada subindo a serra. Veio o primeiro jogo. Veio o segundo. E a dupla não funcionou.


De papo para o ar


O que se viu mesmo no período de preparação foram notícias e informações, diretas de Weggis, sobre os gols de Ronaldo, os ‘avanços’ de Cafu, os deslocamentos da Seleção do hotel para o campo de treinamento. Enfim, o oba-oba sabido de todos. Os jogadores da Seleção não deram um passo sequer sem cobertura jornalística. O principal fato, repito, foi deixado de lado: a necessidade de o time treinar outras formações e esquemas táticos.


Agora, após a segunda partida na Copa, parte dos jornalistas que estão na Alemanha começa a querer botar para fora esse problema. Tarde, por sinal. Quando um comentarista ou narrador pede a entrada de Juninho Pernambucano e Robinho – este último quase uma unanimidade – o telespectador está sendo, de certa forma, enganado por quem cobra. Tem-se a falsa impressão de que a mídia bateu nesta tecla durante os 20 dias de treinos. Mentira. Não houve cobrança nesse sentido.


Aquele que pede mudanças no time brasileiro deveria, primeiro, informar ao torcedor de que Parreira ficou de papo para o ar os 20 dias na Alemanha até a estréia na Copa. Não preparou a equipe coisa nenhuma. O que se viu nesse período foram treinos táticos ultrapassados, como o famoso dois-toques. Quando não eram dois-toques, viam-se coletivos exaustivos num campo com dimensões reduzidas à metade.


Aplauso insensato


As centenas de comentaristas brasileiros que cobrem a Seleção não viram nada disso. Só o Sportv, por exemplo, mandou um avião cheio deles. Ao mesmo tempo, viu-se repórter entrevistando repórter, páginas e mais páginas sobre as bolhas no pé de Ronaldo, bate-bola com mães de craques, excesso de euforia, espaço e mais espaço para tietagem. Mas nada, nada mesmo sobre a necessidade de a equipe buscar outras variações táticas. Por acaso Cicinho foi testado? E Gilberto Silva no lugar de Emerson?


Agora, em plena Copa, ouvem-se insistentes pedidos para que Juninho entre no meio-campo e Robinho no ataque. O leitor deste texto vai enjoar, mas repito: Parreira não experimentou qualquer outra opção tática. Robinho, por exemplo, só entrou ao lado de Adriano nos treinos devido às conhecidas ausências de Ronaldo. E o craque Juninho que não chegou nem a vestir o colete de titular?


Insensato mesmo é saber que a maioria dos representantes da mídia esportiva, em vez de questionar, aplaudiu de pé a atitude de Parreira de anunciar os 11 titulares sem que fosse feito sequer um treino, minutos depois da convocação. A Seleção de Parreira tinha apenas 11 jogadores, e não 23. E assim o Brasil viajou para a Alemanha em busca do hexa.


Azar do bom jornalismo


Pergunto: a decisão do técnico de garantir, por exemplo, a titularidade a Ronaldo não contribuiu para que o atacante se sentisse insubstituível e entrasse num regime de engorda sem volta? Questões como estas não foram respondidas por um fato bem simples: não houve perguntas. A mídia assinou embaixo da decisão do treinador. Diria até que babou sobre ela.


Os mesmos jornalistas que hoje exigem mudanças no time brasileiro (com raríssimas exceções, como Casagrande, da TV Globo) permaneceram quase três semanas assistindo a treinos apenas para ‘sentir’ o comportamento de Ronaldo e, no máximo, aplaudir o tal quadrado mágico. Não passaram, infelizmente, de claque do treinador e dos ’11 titulares’.


Da mesma forma que Parreira se esqueceu de que tinha 23 jogadores à disposição, a mídia brasileira pisou na bola por não discutir a necessidade de o Brasil experimentar outras opções táticas. Ao que parece foram 20 dias inúteis, para ambos os lados: mídia e comissão técnica. Azar do bom jornalismo; sorte do previsível Parreira.

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Jornalista em Brasília