Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Agora é Gana. E a crônica treme!

Estádio de Dortmund, 22 de junho, menos de uma hora para Japão x Brasil. Em sua cabine, a dupla do Sportv que vai narrar e comentar o jogo enche a lingüiça de sempre. O telespectador-torcedor, que está careca de saber que a escalação, obrigatoriamente, é entregue à Fifa pelos técnicos uma hora e meia antes da partida e logo em seguida divulgada, arranca os cabelos, se desespera. Cadê a escalação que não saiu até agora? Então, Luiz Carlos Jr. olha distraído o monitor de serviço da Fifa e diz: ‘Aqui tem uma escalação, mas…’ A frase fica pelo meio. O narrador, estupefato, finalmente passa a ler a lista de Carlos Alberto Parreira, e cinco nomes gritam: Cicinho, Juninho Pernambucano, Gilberto Silva, Gilberto, Robinho. ‘É, aqui tá dizendo isso, mas…’, emenda hesitante Telmo Zanini.


Pouco depois, no bar da praça em que um grupo de moradores de Santa Teresa, no Rio, se reúne para ver os jogos pela TV Globo, ninguém sabe ainda dessa escalação. Informados pela torcedora-escriba recém-chegada da TV a cabo, todos vibram com se fosse gol brasileiro. Mas não seria obrigação dos profissionais aguardar com ansiedade a lista da Fifa, ainda mais antes desse jogo, o que mais especulação gerou? Mau momento para o jornalismo de TV.


Fatos à disposição


E assim começou a cobertura da terceira partida da primeira fase da Copa: com uma furada de bola. Que lembrou, mantidas as óbvias proporções, o maior escândalo da cobertura de Copas do Mundo, o da escalação de Edmundo em lugar de Ronaldo (então Ronaldinho) na final de 98: somente a TV Manchete se preocupou em ler a lista da Fifa [ver remissão abaixo].


Decepção nesta cobertura, com algumas raras exceções, tem sido o tom geral. A ESPN Brasil, por exemplo, prosseguiu com seus furinhos. Já que não pode exibir as imagens do chamado ‘Território Fifa’, pela exclusividade Globo/Sportv, garimpa matérias diferentes, sempre interessantes. Mostrou uma empolgante entrevista de Zico espinafrando a Fifa. O técnico do Japão criticou desde os critérios de sorteio dos grupos a uma até então desconhecida exigência de assinatura, pelos treinadores, de um atestado de bom comportamento. Que ele, claro, se recusou a assinar. E Parreira, assinou? Ninguém soube, porque a matéria não informou.


A impressão é que os profissionais enviados à Alemanha acham que o telespectador gosta tanto de ficar vendo aqueles bate-papos especulativos intermináveis que não faz questão de informação. Papo o telespectador também bate – no botequim, no trabalho, na sala de espera do médico. Na TV tem que haver informação. E até nas especulações é preciso que haja menos achismo e mais dados. Antes do jogo, nenhum analista – salvo engano – aventou que Parreira estaria esperando a definição do adversário das oitavas de final, nos jogos das 11h, para escalar o time. Especulação por especulação, era algo a se considerar já que, dependendo do adversário seguinte, ele poderia experimentar alternativas mais ou menos ofensivas diante do Japão, ainda mais que todos os técnicos das seleções classificadas estavam usando o banco. Não, analista de futebol não se preocupa em ver os fatos à disposição. E os repórteres também não se preocupam em fazer perguntas.


Aposta nas intrigas


Não se pode elogiar os melhores bate-papos. O Troca de passes, do Sportv, virou um programa soporífero com a presença de Osvaldo de Oliveira, técnico do Fluminense, e uma longa série de convidados paradões. Nem Milly Lacombe e Roberto Assaf, que não seguem o Manual da Globo de Boa Convivência com a CBF (MGBCCBF), são capazes de salvar. O que salva é a bem-humorada crônica final. Dá de 100 nas de Pedro Bial, da Globo, que como cronista é um excelente biógrafo de Roberto Marinho. Ou seria apresentador do Big Brother? Bial agora deu para dramatizar entrevistas, que ele quer que soem ardilosas, mas que na verdade seguem direitinho o MGBCCBF.


Já o Tá na Área ganhou dinamismo com a chegada do repórter Aydano André Mota, do Globo, que também, sem papas na língua, ignora o MGBCCBF e analisa tudo como torcedor-gozador. As patacoadas, no entanto, continuam freqüentes. Luiz Carlos Jr. disse na tarde de sexta (23/6), por exemplo, que ‘Parreira conhece bem a seleção de Gana, até treinou a seleção de Gana’. Parreira treinou a seleção de Gana no século passado (1967-68), minha gente, que seleção de Gana ele conhece bem? Antes do jogo com o Japão, Marcelo Barreto fez autocrítica: ‘Nós inventamos que essa seleção faria o maior espetáculo do mundo, inclusive com recordes’, disse. Depois do jogo, porém, nem o mais eufórico comentarista-torcedor lembrou que, das seleções que usaram os reservas na terceira partida, a brasileira foi a única que jogou melhor com o banco do que com o time titular.


Outra coisa impressionante é como todos repetem que a torcida alemã agora está 100% com seu time. Alguém, em sã consciência, conseguiria imaginar a torcida alemã contra a seleção alemã na Alemanha? Ou a italiana ou a brasileira, ainda que o time esteja mal? Só mesmo a imprensa, que aposta nas intrigas que ela mesma cria para apimentar a cobertura e finge que não é comum esse pessimismo inicial.


O xis da questão


Na análise da torcida brasileira, igualmente, temos as interpretações mais esdrúxulas, até de que nossos turistas não entendem de futebol. Ora, nosso turista provavelmente assina TV paga e compra pacote pay per view de campeonato, pois deve ter medo dos estádios brasileiros. Na Grande Resenha Facit Nelson Rodrigues diria que a experiência de 1950 entrou em nosso DNA e nos tornou uma torcida trágica. Não vemos jogo da Copa como uma festa: olhar o jogo atentamente e com muito medo é a nossa marca, e relaxamos apenas no gol. Aqui, só torcida organizada batuca, mas algumas torcem contra a seleção, preferem o Japão ou a Argentina. Um comentarista do Sportv disse que na redação havia oito colegas com camisas da Argentina. O brasileiro é assim: futebol não é festa, é drama.


Boa bola para Mauricio Noriega, do Seleção Sportv, que levantou os números de participação nas jogadas de Roberto Carlos (duas partidas) e Gilberto (uma partida), números que provaram a superioridade absoluta do lateral esquerdo reserva sobre o titular que só corre atrás das câmeras. Renato Maurício Prado (Globo/Sportv), normalmente colunista de muitos furos furados, foi o primeiro a lembrar que Parreira detonou a ânsia de recordes de Cafu, um lateral direito que vê a Copa pelas estatísticas e a bola pelas costas. Faltou análise, entretanto, das substituições do técnico no meio do segundo tempo, quando quatro volantes passaram a jogar para trás. E ninguém fez pergunta a respeito ao treinador. Isso é jornalismo? E o estado de espírito de cada jogador? Não se analisa. Um menino peladeiro no tal bar de Santa Teresa deu a resposta que está faltando na TV. Quando Ronaldinho Gaúcho fez um lançamento meio desastrado durante o jogo, alguém disse que o 10 não vem conseguindo ‘sentir a bola’. O peladeiro resumiu: ‘Tá nervoso. O pé vira uma pedra.’


Agora vem a maior disputa do século: Cafu, Emerson, Zé Roberto e Roberto Carlos devem voltar? Os comentaristas estão todos morrendo de medo de Gana, ‘um time forte, que ataca muito, faz muitas faltas, jogo muito difícil’. Justamente por isso deve voltar o time principal, afirmam os conservadores; justamente por isso devem permanecer os reservas, devolvem os arrojados. Alguém lembrou que é preciso prestar atenção ao que diz o Parreira. Na entrevista dois dias antes do jogo, ao ser perguntado se Juninho entraria ele disse: tem muita gente para entrar, Juninho, Cicinho, Gilberto Silva, Gilberto… Pois é, Parreira deu a escalação e ninguém percebeu. O xis da questão é que poucos conhecem Parreira. Ele já avisou aos titulares que todos estarão de volta na terça-feira. Ai, que medo brutal de Gana!


PS: A Argentina precisou do tempo extra para vencer o México nas oitavas. Os comentários no Sportv e na ESPN Brasil são (quase) todos elogiosos aos vencedores. Se fosse o Brasil…