A frase-título deste artigo foi pronunciada pelo jornalista Marcelo Canela, da Rede Globo de Televisão, em palestra recente para os alunos da Universidade de Brasília. Com esta metáfora, Marcelo Canela queria chamar a atenção do auditório para a necessidade de os jornalistas entenderem a sua função na sociedade: acender a luz, iluminar, revelar fatos ou situações que estão muitas vezes obscurecidos. Segundo ele, a realidade está sempre envolta por um verniz que o jornalista precisa raspar.
Marcelo Canela é uma figura impar no jornalismo brasileiro. Ele já assegurou a sua marca como um jornalista de preocupações sociais acima da busca do furo inconseqüente, da denúncia a qualquer preço ou do açodado jornalismo investigativo, tão em moda na imprensa contemporânea. E que muitas vezes projetam mais o próprio ego do jornalista que iluminam nossa realidade social. Menos que o furo e a glória da denúncia fácil, ele privilegia o olhar social, a pesquisa prévia da injusta realidade nacional, o jornalismo contextualizado sem abandonar a objetividade.
Suas reportagens para a TV Globo em 2001 sobre o problema da fome no Brasil começaram com a leitura de Geografia da fome, de Josué de Castro. Constatando que a fome continuava como um grave problema social no país (mesmo depois das ações de Betinho), ele propôs aos seus editores, em 1998, fazer as reportagens. Inicialmente elas foram negadas sob a alegação que o tema era velho, muitas vezes já coberto pela mídia.
Lição simples
Ele voltou à carga e propôs as reportagens nos dois anos seguintes, até que em 2001 a direção editorial da emissora concordou, as matérias foram produzidas com a qualidade necessária e veiculadas em junho daquele ano no Jornal Nacional. Resultado, as reportagens foram as mais premiadas até hoje pelo telejornalismo da TV Globo.
Trabalhando há anos em uma emissora que costuma ser identificada como das mais conservadoras da mídia brasileira, Marcelo Canela conquistou reconhecimento. E afirma que o espaço do jornalista nas redações é resultado do seu trabalho, do seu talento, de sua perseverança. Tem razão. Essa atitude é uma lição para muito jornalista que costuma se acomodar e submeter-se às rotinas burocráticas das coberturas fáceis e repetitivas ou dependentes apenas das fontes oficiais.
Marcelo ensina: jornalista não é vaca de presépio, é livre para pensar, deve criar, propor, sugerir, insistir. O jornalista deve ser um sujeito indagador, curioso, inquieto. Haverá sempre tensões entre os jornalistas e a direção da emissora ou do jornal, diz ele, mas o jornalista deve ter a grandeza da insubmissão. Acima de tudo, observa, deve se perguntar: para que servem nossas reportagens?
A desigualdade social de nosso país inquieta Marcelo Canela e parece ser o seu principal valor-notícia. Suas reportagens investigam e ascendem luzes sobre graves problemas sociais brasileiros: o contraste entre a riqueza e a pobreza no norte do país, a fome, a prostituição infantil e outros temas. A lição desse repórter é simples: jornalista não pune, não julga, não condena, ainda quando descobre injustiças sociais ou delitos de qualquer espécie. Sua função é acender a luz.
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Jornalista, professor da Universidade de Brasília e editor do Mídia&Política, site de crítica da mídia filiado à Renoi