Há algum tempo tenho me preocupado com a questão da superficialidade que caracteriza a mídia brasileira e da opção pela pura e simples fabricação de notícias a partir de suposições e possibilidades não-confirmadas que conferem ares de espetáculo às coberturas jornalísticas. Incomoda-me, sobremaneira, a falta de profundidade dos noticiários políticos, sociais e culturais no Brasil.
Com cada vez mais raras exceções, o que se publica e se noticia não se aproveita para nortear análises, balizar opiniões, encorpar argumentos, robustecer convicções e enriquecer o conhecimento geral das coisas, fatos e atos realmente significativos que ocorrem no mundo além do nosso quintal e da vizinhança.
Uma crônica do diretor de redação do jornal Diário de Cuiabá, Gustavo Oliveira, publicada na edição de domingo/segunda-feira (11/6), sob o título ‘Amenidade encartada’, me fez perceber que, mais do que uma tendência, a superficialidade da cobertura jornalística é, para muitos veículos, uma espécie de ‘reação cervical’, desprovida de bom-senso, como toda reação impulsiva, causada pelo estresse da concorrência autofocada. A crônica me fez lembrar um trabalho de análise fundamental de Pierre Bourdieu sobre a influência do jornalismo.
‘As coisas são assim’
Em síntese, o pensador francês expõe em sua análise os mecanismos de pressão e contrapressão que fazem os jornalistas reproduzirem, via meios de comunicação, o modelo de realidade que interessa aos grupos para os quais trabalham, ao mesmo tempo em que pensam estar dando ao público o que este, de fato, deseja receber em variedade, profundidade e originalidade de informações. Na crônica dominical, Gustavo Oliveira fala da impossibilidade de os veículos de comunicação, os jornais em especial, divulgarem mais notícias boas do que notícias ruins.
Com graça, leveza e um talento literário inegável, o colega jornalista discorre sobre as razões que o fazem publicar ‘o joio’ e não ‘o trigo’ das notícias em seu jornal. Confessa assim, sem surpresa ou qualquer pejo, que o DC pratica um jornalismo superficial, que vai sempre a favor da corrente do segmento porque, em seu entendimento, é isso que o público exigiria dos jornais.
Ainda que expresse duvida em relação ao que realmente o público deseja dos jornais, em nome da ‘realidade do mercado’, Oliveira deixa ver nas entrelinhas de sua crônica que seu máximo esforço em amenizar os riscos de perder leitores para a concorrência, é encartar amenidades – como suas crônicas mesmo – em algum ‘cantinho discreto’ do jornal. Uma pena, enfim, que seja tão ‘realista’ o superintendente do DC, revelando-se a prova cabal da correção da tese de Bourdieu de que, para o grosso dos jornalistas, ‘as coisas são mesmo assim’ e por isso, devem continuar como são.
Conceitos deturpados
Minha visão pessoal, corroborada por estudos e pela experiência de 23 anos no exercício cotidiano do jornalismo sob as mais precárias condições de trabalho e os mais agrestes cenários sociais, políticos e econômicos, reforçados por dados concretos de pesquisa com leitores de jornais feitas por várias fontes, me levam a ir contra essa corrente que acha que boas notícias são como pesos inúteis que fazem os jornais encalharem nas bancas.
Sou dos que ainda acreditam que um jornal, um bom jornal, faz sucesso também dando boas notícias como manchetes de capa. E, principalmente, com a coragem, o atrevimento de ir contra a tal ‘realidade do mercado’ que hoje aprisiona a todos numa em sua incrível sala de espelhos em que todos se vêem com a mesma cara, a mesma forma e até a mesmíssima linha editorial, a ‘alma’ de cada veículo de comunicação.
Ao longo dos anos de profissão que já vivenciei, aprendi que boas notícias são mais importantes para o público do que as más, aquelas que, costumeiramente, enchem as páginas dos nossos periódicos diários ou não. Claro, boas notícias em geral não são tão apelativas à curiosidade do leitor como, por exemplo, uma falcatrua qualquer, ainda que perpetrada por um grupo de funcionários de terceiro escalão de algum órgão público, mas, são as que fazem o leitor reputar seriedade, credibilidade e respeitabilidade aos jornais que as publicam.
Infelizmente, o que acontece no jornalismo atual é que os editores continuam escolhendo as notícias a serem publicadas a partir de conceitos deturpados como o que apregoa que notícia que atrai o leitor é o que lhe provoca engulhos, que faz a adrenalina disparar pelo choque ou pela raiva, pela decepção ou pelo absurdo do fato/ato estampado em manchete.
Razão de existir
A notícia que oferece dados para debates, que oferece aditivos para o conhecimento, que amplia a cultura, que registra acontecimentos positivos, atos edificantes e dignificantes ou ainda ações que promovem a melhoria do bem-estar social podem não ‘vender’ mais jornais aos leitores ocasionais, como o fazem as notícias ruins. Mas são as boas notícias que grande parte dos leitores mais procuram e que mais gostariam de ver estampadas nos jornais, mostradas pela televisão, espalhadas pelas ondas do rádio, difundidas mundo afora pela internet. Isso é fato.
Um bom jornal mostra não apenas o lado negativo da vida cotidiana de uma comunidade, de uma cidade, de um estado, de um país e do mundo. Um bom jornal, creio, é aquele que sabe equilibrar a missão dar notícias do que vai pelo mundo com o dever de difundir cultura e conhecimento, de oferecer a hot news tanto quanto a news deep vision.
Ou seja, um bom jornal de verdade, ou programa jornalístico na TV e no rádio ou em site de notícias na internet tem espaço para o bom e o ruim do cotidiano, para o horóscopo e a fofoca do high society, tanto para a notícia da hora quanto para a pensata e o debate. Uma receita que, sei, não é simples de preparar e administrar. Mas, não tenho dúvida, é a que daria, se colocada em prática, um pouco mais de consistência e razão de existir aos nossos jornais.
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Jornalista, poeta e escritor, Cuiabá