Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Veja

GLAUCO
Marina Yamaoka e Thiago Mattos

A morte do cartunista

‘Glauco Villas Boas era um dos mais admirados cartunistas do país. Suas tirinhas, publicadas diariamente pela Folha de S.Paulo desde 1984, eram uma pitada de humor para milhares de leitores. Personagens como Geraldão, o solteirão que vive com a mãe, e Dona Marta, a secretária ninfomaníaca, extrapolaram os limites do jornal e entraram para o imaginário popular. Na semana passada, o talento de Glauco, de 56 anos, foi silenciado de forma bruta. Ele e seu filho Raoni, de 25, foram assassinados em sua própria casa. A tragédia é ainda mais chocante porque Glauco conhecia o assassino, identificado como Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, de 24 anos. Pior: o próprio cartunista criou as condições para que ele se aproximasse de sua família e pode ter contribuído – ainda que de forma totalmente involuntária – para levá-lo ao estado de perturbação mental que culminou com o crime.

Glauco, além de cartunista, era um entusiasta do Santo Daime, a seita que mescla elementos do cristianismo e da umbanda e promete o autoconhecimento por meio do consumo de ayahuasca – uma infusão feita a partir do cipó mariri. A bebida é liberada por lei para uso religioso – o que não muda o fato de ser um poderoso (e perigoso) alucinógeno. No início dos anos 90, sob os efeitos do chá, Glauco se convenceu de que havia recebido uma missão: abrir sua própria igreja do Daime, formar uma comunidade religiosa e usar o chá alucinógeno para ajudar viciados a largar o consumo de drogas pesadas, como cocaína e crack. Entre os jovens problemáticos que o cartunista queria recuperar – e a quem apresentou o chá do Daime – estava Carlos Eduardo, filho de uma família de classe média de São Paulo. O rapaz apresenta problemas psicológicos e faz uso de drogas há algum tempo. Chegou a ser detido pela polícia portando maconha.

Carlos Eduardo começou a frequentar a comunidade religiosa criada por Glauco em Osasco, batizada de Céu de Maria – e a consumir o chá de ayahuasca. Passou a relatar a amigos que ao beber a infusão tinha ‘revelações’ e se sentia ‘iluminado’. Estava perdendo o controle sobre a própria mente. Os distúrbios psíquicos chegaram ao ápice na noite da útima quinta-feira. Ele seguiu até a casa de Glauco, que fica no mesmo terreno da igreja, no município de Osasco. Estava armado. Entrou na propriedade e deparou com Juliana, enteada do cartunista. Tomou a moça como refém. Foi até onde estavam Glauco, sua mulher, Bia, e sua outra enteada, Alva. Transtornado, com os olhos esbugalhados e salivando exageradamente, anunciou que levaria os três a sua própria casa, para que explicassem a sua mãe que ele, Carlos Eduardo, era Jesus Cristo.

Glauco tentou conversar. Pediu que o rapaz deixasse as mulheres e se ofereceu para ir com ele, sozinho. Carlos Eduardo se enervou, passou a gritar e desferiu uma coronhada na cabeça do cartunista, que começou a sangrar. Nesse instante, Raoni, filho de Glauco, chegou da faculdade. Carlos Eduardo começou a atirar. Quatro tiros atingiram o cartunista, e outros quatro seu filho. O assassino correu até seu carro, um Gol cinza, e desapareceu. Segundo a polícia, havia pelo menos mais uma pessoa no veículo, mas ela não foi identificada. Pai e filho, baleados, não resistiram. ‘O Daime procura salvar as pessoas. O que esse rapaz teve foi um surto psicótico. Um terremoto se abateu sobre nossa família’, disse na sexta-feira Orlando de Almeida, primo de Glauco, enquanto uma multidão de homens e mulheres, todos trajados de branco, chegava à igreja Céu de Maria para cantar os hinos fúnebres do velório, que foi realizado no mesmo local dos assassinatos.’

 

INTERNET
Bruno Meier

Um tirano de piada

‘Em 2004, o filme A Queda! – Os Últimos Dias de Hitler provocou sensação: fazia quase cinco décadas que uma produção alemã não se detinha sobre a figura do ditador nazista. Centrado sobre os doze dias que antecederam o suicídio de Hitler, em abril de 1945, o filme tem passagens memoráveis – como aquela em que o führer se dá conta da derrota iminente e explode em fúria contra seus quatro generais. A cena é, até hoje, uma campeã de audiência no YouTube – mas em versões diferentes da original. Centenas de versões, aliás: como qualquer usuário pode pôr no site o que bem entender, brincalhões se aproveitam da ira assombrosa de Hitler e de sua prosódia caricata (mérito do estupendo ator suíço Bruno Ganz), fazem suas próprias legendas e satirizam assim todo e qualquer tópico que esteja em voga. Nessas paródias, o tirano já se enfureceu com a final do Campeonato Brasileiro, com os mistérios do seriado Lost e com nomes conhecidos da política, do esporte e da música. No sucesso do momento, o objeto de seu ódio é o iPad. Ansioso por um produto revolucionário, Hitler se exalta quando recebe de seus assessores a notícia de que o recém-lançado tablet da Apple não funciona como telefone, não permite fotografar e não visualiza sites com o sistema Flash. O alemão Oliver Hirschbiegel, diretor de A Queda!, se diverte cada vez que recebe a indicação para assistir a mais um vídeo – ao todo, ele contabiliza 150 versões. ‘Às vezes, as legendas são tão engraçadas que rio alto da cena que eu mesmo dirigi. Não há elogio maior que esse para um cineasta’, diz Hirschbiegel, que elege a fúria de Hitler com a morte de Michael Jackson às vésperas da turnê do cantor como sua paródia favorita. (‘Eu paguei 1 000 euros pelo ingresso!’, espumeja o ditador.)

Nem todas as sátiras de A Queda!, contudo, são levadas na brincadeira. Uma paródia sobre o trânsito em Tel-Aviv, por exemplo, mostra Hitler esbravejando que os inspetores da cidade israelense não têm ‘um pingo de humanidade’ e são ‘piores que a SS’. Choveram reclamações, e o secretário-geral da organização que representa os sobreviventes do holocausto requisitou formalmente ao YouTube que o vídeo fosse retirado do site – pedido aceito. ‘Os próprios usuários assinalam com bandeiras os vídeos impróprios. Nós os revemos, e, sempre que um deles viola as diretrizes do site, é imediatamente removido’, diz Ricardo Blanco, gerente de comunicação do YouTube para a América Latina. No que depender de A Queda!, trabalho é que não vai faltar.

TÁBULA RASA

A cena do destempero de Adolf Hitler em A Queda! se presta a qualquer tipo de paródia, como provam as centenas delas existentes no YouTube. A seguir, quatro das mais divertidas:

iPAD

Na sátira, Hitler se enfurece ao ser informado por seus generais de que o iPad, o tão aguardado tablet da Apple, de Steve Jobs, se revelou uma frustração e nem sequer funciona como telefone

MICHAEL JACKSON

Hitler fica possesso ao descobrir que o cantor americano morreu, e ele não poderá finalmente ver o moonwalk ao vivo

LULA

O ditador assume o papel de presidente do Brasil e fica fora de si ao saber que descobriram seus gastos pessoais com o cartão corporativo para a compra de bebidas

BARACK OBAMA

É um campeão dessas paródias. Numa delas, Hitler se irrita com sua premiação com o Nobel da Paz. Noutra, Hitler é o próprio Obama – que se choca ao saber que muitos o consideram mentiroso

JOSÉ SARNEY

Hitler transforma-se no senador José Sarney e descobre as manifestações do povo contra as acusações de atos secretos e nepotismo em plena crise que assolou seu mandato no ano passado.

CHIP

Hitler pede o chip para Pedro.

FUTEBOL

No papel de técnico de futebol, Hitler descobre que Cristiano Ronaldo, ‘o melhor jogador do planeta’, será transferido para o Real Madrid.

GAMES

Hitler é informado que a sua conta no Xbox Live, serviço de jogos on-line, é encerrada – 3.930.232 de visualizações (desde junho 2007)

MERCADO IMOBILIÁRIO

Hitler é um investidor na época do estouro da bolha imobiliária, nos EUA

ROUBO

Hitler descobre que seu carro foi roubado’

 

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