Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ernesto Rodrigues

‘O assunto – um mergulho no comportamento e nas idéias de juízes, advogados, promotores, desembargadores e da sociedade em geral em relação ao tratamento que a Justiça brasileira dá aos pequenos furtos praticados por mulheres em supermercados – era instigante e impactante.

A produção, baseado em histórias de mulheres pobres que passaram meses e anos presas em São Paulo, esquecidas pelos tribunais, algumas sendo até torturadas, por furto de propriedades alheias como queijos, frascos de shampoo e fraldas descartáveis, tinha, além de uma inegável vocação jornalística, muita atualidade, pertinência e carga dramática. E a captação de áudio e vídeo, assim como a direção de fotografia, era profissional e de qualidade técnica inquestionável.

Todo esse conteúdo de ‘Bagatela’, filme de Clara Ramos exibido no DOC TV SP III do último dia 12 de março, estava, no entanto, como tantos outros documentários exibidos pela TV Cultura, escondido e praticamente inacessível ao público médio de TV aberta por conta de uma roupagem e de uma narrativa inteiramente inadequada para o veículo.

Como praticamente todos os documentários feitos atualmente para cinema e que acabam encaixados na grade da TV pública brasileira, ‘Bagatela’ não tinha narração ou qualquer outro recurso de linguagem além da recorrente superposição de depoimentos que, desconcertantes nos primeiros dez minutos, tornaram-se cansativos do meio para final simplesmente porque não davam conta da ‘responsabilidade’ de expor a questão, contextualizar o debate em torno dela e provocar emoção ou reflexão no telespectador.

A impressão é a de que todos os documentaristas brasileiros tentam conseguir com o seu conteúdo, o que Eduardo Coutinho conseguiu com seu antológico ‘Um edifício chamado Master’. E o problema é um só: se, por razões que não cabem nesta coluna, já é difícil repetir o genial Coutinho no escurinho do cinema, o que dizer da exibição de um formato como esse na TV aberta?

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Já que… (10/3/10)

Não é o caso de querer discutir, em apenas uma coluna de ombudsman, questões complexas e polêmicas como a estratégia de programação da TV Cultura, os gargalos financeiros do custo da produção de conteúdo para TV ou as fronteiras éticas e políticas da veiculação de publicidade em emissoras públicas. Estes são temas fatalmente relacionados e fundamentais, sim, em uma emissora pública como a TV Cultura. E ainda que não façam parte das preocupações imediatas do telespectador médio da emissora, acabam sendo decisivos no seu grau de satisfação ou contrariedade com o que assiste.

Feita a ressalva, o que se coloca aqui é uma proposta modesta que, além de presumivelmente adequada às possibilidades imediatas da emissora, não parece difícil de ser adotada e, o que é mais importante, certamente agradaria uma considerável parcela do público adolescente cativo da emissora. A proposta em forma de pergunta aos programadores da TV Cultura, feita em nome desses jovens telespectadores, é a seguinte: já que a emissora tem sido compulsoriamente obrigada a reprisar ( ou reapresentar) uma série de programas, por que não reprisar (ou reapresentar) também uma seleção de edições do saudoso Pé na Rua?

Não seria difícil escolher, nos arquivos do programa, uma boa coleção de quadros, enquetes, reportagens e entrevistas do Pé na Rua que continuam tão atuais, pertinentes e envolventes como os episódios da série ‘Tudo que é sólido pode derreter’ que têm sido reapresentados, para alguns de forma até exaustiva.

A sustentabilidade do conteúdo dessa seleção do Pé na Rua, aliás, seria até maior que a que os telespectadores viram nas últimas semanas, no mesmo horário em que ele era exibido, com a reapresentação aparentemente sem cortes do Programa Novo – uma proposta assumidamente mais interativa (e menos informativa), mais coloquial (e menos discursiva) e mais experimental ( e menos didática) cujo conteúdo, por essas mesmas razões, é menos permanente e, por isso mesmo, menos ‘reprisável’.

Exceto pela onda de emails coléricos que cercou e alimentou a guerra ideológica de blogueiros de esquerda e direita em torno do Roda Viva com Gilmar Mendes, no início de 2009, o Pé na Rua foi o tema recordista nos emails enviados a este ombudsman antes, durante e depois da decisão da emissora de tirar o programa do ar. E 90% desses emails foram de aprovação, elogio ao seu conteúdo e tristeza com seu fim. Por tudo isso, e já que reprisar definitivamente não é um pecado na TV Cultura, fica aqui a sugestão.

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Susto desnecessário (8/3/10)

O Jornal da Cultura de segunda-feira, 8 de março, teve textos ágeis e edições eficientes, várias matérias de campo bem produzidas, personagens marcantes – como a mulher cercada de parentes com dengue por todos os lados – especialistas competentes na hora de falar sobre suas respectivas áreas e, a não ser por uma sentida ausência dos fatos esportivos relevantes do dia, uma abrangência temática que qualquer telejornal nacional do horário nobre brasileiro de TV aberta deveria ter naquele dia.

Foi também especialmente ágil e bem apurado o bloco de economia, com suas reportagens de campo cumprindo muito bem o papel de sustentar o interesse do telespectador por temas difíceis como a pesquisa sobre o estágio atual de competitividade da indústria brasileira, a cobertura factual da vitória brasileira contra os subsídios ao trigo americano na Organização Internacional do Comércio e as tendências do mercado brasileiro de laptops e PCs no momento em que as vendas do setor, no país, devem crescer 17%.

Por tudo isso, o JC não merecia sofrer a rasteira técnica – provavelmente uma deixa errada – que interrompeu bruscamente uma fala e impediu que o telespectador entendesse o que um dos entrevistados dizia sobre os desafios da indústria brasileira.

No área de saúde, o desejo – legítimo e intuitivo, diga-se – de conseguir uma abertura de impacto levou a equipe do JC a derrapar no sensacionalismo quando juntou, na escalada de manchetes, a explosão de casos de dengue em alguns estados ao início da vacinação contra a gripe A. Ao abrir o jornal com uma frase assustadora – ‘Um vírus assusta!’ – o JC deu a impressão de que, em vez de vacinação, o que tinha começado no país era mais um surto da gripe.

Desnecessário. Principalmente considerando a qualidade da edição do dia.’