ISABELLA NARDONI
Roberto Podval, o Advogado do Diabo
‘O cargo de Advogado do Diabo foi criado em 1587, no papado de Sisto V, um cardeal franciscano chamado Félix Peretti. O mundo vivia as desarrumações da Contrarreforma, o célebre movimento da Igreja que se opôs a Lutero e aos protestantes.
Reacionário e conservador, ainda assim recebeu o título de ‘pai da Roma moderna’, por ter embelezado a cidade – aquele obelisco na praça de São Pedro é obra dele –, punido os corruptos da Santa Sé, melhorado as instalações da Biblioteca do Vaticano etc. O mundo é um pouco mais complexo do que muitos querem nos fazer crer. Certos avanços vêm de onde menos esperamos. E certos atrasos também.
O cargo de Advogado do Diabo foi abolido em 1983, pelo papa João Paulo II, que acabou também com o limbo porque não podia suportar a idéia de que sua irmãzinha, Teresa, falecida sem receber o batismo, não estivesse no Céu. Assim, quando Al Pacino estrelou o filme O Advogado do Diabo, em 1997, já não havia mais na Igreja o cargo.
Pois foi no Advogado do Diabo que pensei ao ver pelos jornais a atuação de Roberto Podval. Pareceu-me que no julgamento do casal Alexandre Nardoni e Anna Jatobá, ele foi um Advogado do Diabo às avessas. Todos queriam condenar o pai e a madrasta da menina assassinada. E ele queria apenas que provassem que tinham sido eles os assassinos, como o Advogado do Diabo sempre quis que provassem que os candidatos a santos tinham feito milagres.
Roberto Podval é senhor de uma conversa clara. Sem trair-lhe a confidência, sei que ele um dia quis ser ator. E talvez esta vocação subsidiária esclareça seu desempenho em casos assim trágicos, pois era de tragédia que se tratava. E o palco é o tribunal.
Roberto Podval esteve na posição mais difícil! O promotor Francisco Cembranelli tinha tudo a seu favor: a perícia da polícia, as provas e principalmente a vontade de condenar de toda a opinião pública. Não se deve confundir a força da opinião pública com a opinião da força pública. Roberto Podval, independentemente do resultado do julgamento, teve desempenho admirável diante das duas.
Como aprecia cumprir fielmente os manuais, insurgiu-se contra o promotor Francisco Cembranelli porque este, descumprindo-os, fez várias perguntas ao réu Alexandre, sem citar a página do processo em que o assunto era tratado. O juiz Maurício Fossen, outro cuja conduta parece ter sido serena, a julgar pelos relatos da mídia, repreendeu duramente o promotor.
Roberto Podval teve que dizer ao promotor, que disse que se o advogado tivesse lido o processo, saberia as páginas que ele não citava: ‘Não fale assim comigo. Não vou ser maltratado. Não estou nesse processo desde o início. Não faça teatro (grifo meu), primeiro cite as folhas’.
Teatro! O júri foi isso. Esperamos que a Justiça tenha sido feita porque é de Justiça que se trata, isto é, da aplicação do Jus, Direito, em latim. Pois o torto, ainda que autorizado, não é Direito! E quem condena sem provas às vezes passa por tormentos semelhantes àqueles dos condenados.
* o escritor Deonísio da Silva, Doutor em Letras pela USP, é professor e Pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, no Rio. Seu romance mais recente é Goethe e Barrabás.’
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