Em sua edição de domingo (25/6), o New York Times traz reportagem do correspondente Larry Rohter sobre o futebol brasileiro. O título ‘In Brazil, unpaved path to soccer excelence’ já indica o teor crítico a ser seguido. Aqui, um caminho não pavimentado leva à excelência no futebol. Um americano escrevendo sobre o tema, mesmo que more no Rio há anos, como é o caso de Rohter, pode soar como samba de gringo. Mas Rohter saiu-se bem na jogada.
‘Como é que o Brasil consegue? Ano após ano, Copa após Copa, estrelas de futebol parecem sair daqui como automóveis de uma linha de montagem’, espanta-se ele no início da reportagem. Para responder, Rohter ouviu gente do ramo como Tostão, Juca Kfouri e Roberto Dinamite. Fez num breve espaço o inventário da paixão nacional com objetividade. ‘Para a média dos fãs em todo o mundo, o futebol brasileiro parece uma poderosa e bem lubrificada máquina’, anotou.
A analogia com o automóvel pára aí. Essa ‘produção’ em série nada tem a ver com qualquer aparato, mas com a paixão pelo jogo bonito’, conclui o correspondente. A desorganização e a corrupção vigentes no nosso futebol são compensadas pelo reflexo do jogo na nossa identidade e no nosso cotidiano, observa. Ele narra a gênese de tudo. ‘Aos 3, um menino já aprendeu a driblar. Aos 7, já é capaz de jogar uma versão informal de partida com seus companheiros em qualquer espaço aberto que seja capaz de encontrar. E pode até dormir com uma bola, se tiver a sorte de poder comprar uma.’
Rohter lembra – e precisava? – que somos um país de 185 milhões com muitos pobres. E o futebol é o ‘ingresso mais rápido para a prosperidade e o prestígio’. A seleção que está na Alemanha é um bom exemplo. ‘Dos 23 jogadores, apenas três vieram do que consideramos aqui como classe média. Mas a maioria vem de famílias humildes’, contabilizou. Casos bem-sucedidos como o de Ronaldinho Gaúcho são um exemplo óbvio de atrativo para os jovens aspirantes ao estrelato.
Não é apenas a fome pelo sucesso que determina a nossa excelência, segundo Rohter. ‘Alguns dos mais abalizados analistas notam que a habilidade é uma resposta à confusão e à imprevisibilidade da vida diária por aqui, as quais fazem com que os brasileiros sejam adeptos do que chamam jeitinho.’ Tese devidamente endossada por Tostão, ouvido pelo repórter. Controversa, porém, é a informação de Rohter para justificar a adesão do brasileiro a uma vertente do futebol – o futsal: a transformação do espaço urbano, o que faz com que os adeptos do futebol busquem locais como ginásios. E lembra que jogadores como Ronaldo e Ronaldinho vieram desse esporte. ‘O futsal ensina aos jogadores a capacidade de criar num pequeno espaço’, segundo o depoimento de Juca Kfouri ao repórter.
O repórter resume assim a epopéia de um jogador bem-sucedido no passado: ‘Ele era contratado por um time ainda adolescente, passado adiante a uma equipe maior, se fosse uma promessa seria vendido a um dos 20 grandes clubes e, se tivesse sorte, poderia terminar a carreira jogando na Europa’. Simples assim. Nesse roteiro, o jogador não passava de uma ‘peça de merchandising’. Se bancasse o rebelde, perdia a vez: outros de uma grande fila lhe tomavam o lugar. O sistema foi mudado com a Lei Pelé que, segundo Rohter, enfraqueceu os clubes, mas acabou fortalecendo os agentes, ou impresarios (grafado assim mesmo no texto original). O menino que é descoberto por um desses agentes fica sob seu controle, o que mereceu crítica de Tostão. Ponto polêmico, que Rohter não explora. Mas ele anota que os clubes europeus têm mandado seus próprios representantes para ficarem de olho nos subúrbios e favelas, para descobrir novos talentos.
O repórter trata inclusive da jogada dos times europeus para atrair adolescentes ao Velho Continente: levam as famílias e lhes dão emprego, como forma de segurar o jovem atleta por lá. Mas Rohter não desdobra o assunto, pois se sabe que nem todos os casos são bem-sucedidos.
As escolinhas de futebol são, para Rohter, outra fonte de jogadores. Elas funcionam de forma independente, e não recebem qualquer recurso oficial. Ele revela que a CBF recebe 165 milhões de dólares da Nike, mas é criticada pois pouco contribui para o desenvolvimento de programas para os jovens. Uma dessas escolinhas pertence ao ex-centro-avante Roberto Dinamite, e já revelou um jogador para a seleção brasileira de juniores, outro para o PSV Eindhoven, da Holanda, e mais dois estão ingressando em equipes do Rio de Janeiro.
O breve perfil de Larry Rohter sobre o nosso futebol certamente não vai tornar o leitor do New York Times um expert no assunto. Mas terá uma idéia de que há muito mais em jogo do que os dribles de Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo, Kaká e companhia.
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Jornalista, editor do Balaio de Notícias