A crônica esportiva nunca se cansa de chutar e perder? Depois da derrota acachapante dos arrojados para os conservadores (3 x 0), todos, em coro, já elegeram Ricardinho o melhor do Brasil numa partida em que ele atuou 11 minutos e com um ganense a menos em campo! Um jogo em que até Cafu e Emerson arrebentaram (só falhou mesmo o Roberto Carlos, mas isso é um mero detalhe no plano tático do Parreira). Juninho Pernambucano foi um zero à esquerda, dizem eles. Kaká, que batalhou como condenado e deu aquele passe lindo ao Ronaldo, jogou bolinha de gude.
Chega! Os torcedores do Largo das Neves, em Santa Teresa, no Rio, fizeram juramento de sangue: não vão mais assistir às mesas-redondas da TV paga na véspera dos jogos! Elas deixam o cidadão insone, nervos à flor da pele, pressão arterial nas alturas. No fim das contas, o Brasil ganha fácil. Ou seja, as mesas-redondas nada entendem de futebol! Pelo menos não explicam nossas vitórias, o que se passa em campo. O Largo das Neves concluiu na terça-feira (27/6) que a nossa crônica, definitivamente, parou no futebol de 1982 e só quer ‘jogo bonito’ por um motivo: manter o prestígio com os coleguinhas estrangeiros. Só pode ser. O super-habilidoso Ricardinho foi superbem, mas foram 11 minutos, gente, contra 10 adversários arrasados, já com dois na sacola! Somente Márcio Guedes, na ESPNb, e Eric Faria, no Sportv, botaram as coisas no lugar na noite de terça. Por sinal, há muita coisa fora do lugar nesse jornalismo:
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‘A gente aproveita para parabenizar o departamento médico da CBF pelo excelente trabalho que tem feito junto à seleção’. Como pode um profissional de um canal pago dizer isso?**
Antes do jogo, enquanto os comentaristas do Sportv sugeriam insistentemente o Juninho Pernambucano no lugar do Emerson e Ronaldinho Gaúcho adiantado, matéria da ESPN Brasil mostrava análise de Tostão: ‘Os que sugerem isso agora são os mesmos que criticaram as péssimas exibições do Brasil com essa formação na primeira fase das eliminatórias’.**
Enquanto um ‘arrojado’ pedia banco para Ronaldinho Gaúcho (Parreira precisaria estar de porre, drogado e amarrado, bem doidão mesmo, para botar tal jogador na reserva), Milly Lacombe destacou algo importante no Troca de Passes: ‘Ronaldinho Gaúcho é o menos vaidoso numa seleção de vaidosos. Sacrificado taticamente, todos esperam dele uma bicicleta, uma lambreta’. Ninguém vê que todos lhe passam a bola, rifando-a, mesmo estando sempre cercado?**
Milly Lacombe, a propósito, foi a dona da noite de terça, ao comentar matéria lamentável da Placar – que ela não citou, mas deveria – cujo título era ‘O jogador mais odiado do Brasil’, sobre Ricardinho, que deixou o craque muito visado pelas torcidas. Matéria mais lamentável impossível!**
A Globo continua atrapalhando a seleção – não com críticas ao esquema tático ou a desempenhos, mas com seu jornalismo big brother. O clímax da obsessão pela privacidade alheia foi espionar as falas de Parreira à beira do campo, um direito das comissões técnicas que parece perdido para sempre. Pediu desculpas patéticas em público.**
Política nada tem a ver com esportes, mas misturam isso o tempo todo. Jean-Marie Le Pen, o fascista francês, disse que não reconhece a França na seleção pelo grande número de negros! E Luis Aragonés, o técnico espanhol, mandou um seu jogador marcar bem aquele negro de m., o Thierry Henry! Viva a França de Thuram, Vieira, Abidal e Henry!**
Os torcedores do Largo das Neves estão, agora, arrependidíssimos de terem torcido pela França. Erro estratégico instigado pela crônica esportiva, sempre deslumbrada com uns foguinhos de artifício. Agora, enfrentaremos a França cheia de força, que já nos tirou de duas Copas. Bem que o narrador Eusébio Rezende, do Sportv, em seu palpite sobre o resultado, previu: ‘A Fúria vai se transformar em mais um pequeno ataque de nervos, e a França vai vencer’. Agüentemos pois 90 – ou 120 – minutos de sufoco. A crônica especializada nunca nos ajuda a pensar, só a enfartar. Enquanto isso, a seleção vai vencendo.**
Felizmente, Roberto Assaf, no Sportv, disse que, apesar da posse de bola maior, Gana teve nada além de duas chances de gol. Que seleção, em sã consciência, partiria pra cima de um time de desesperados tendo feito um gol aos 5 minutos – em oitavas? Só maluco. Ou ‘arrojado’. O técnico da Arábia Saudita, o brasileiro Marcos Paquetá, disse que Gana obrigou o Brasil a jogar. Ufa, o povo do Largo das Neves achava que só ele tinha visto o jogo! E o Parreira foi perfeito ao perguntar por que somente o Brasil tem obrigação de jogar bonito…Muitos perderam
Aliás, o grande problema parece mesmo o fato de que os comentaristas não vêem os jogos. Juca Kfouri pediu à produção e conseguiu mostrar que os jogadores brasileiros também festejam intensamente os gols, coisa que os demais participantes do Linha de Passe, da ESPNb, contestavam! Até isto! Está ficando impossível! Esta mesa, aliás, foi especial: acabou opondo ‘românticos’ a ‘pragmáticos’. Um jogo desigual, porque de representante dos ditos ‘pragmáticos’ só havia Paulo Vinícius Coelho (PVC). A ‘disputa’ começou assim: um dos ‘românticos’ contou que os dois Andrés (Kfouri e Plihal) da ESPNb lhe perguntaram: ‘E então, gostou finalmente do Ronaldo?’.
José Trajano respondeu a seguir que a ‘turma jovem’ da emissora ‘adora o Ronaldo’ – que quando não faz gol é um dos piores em campo, e que aquele gol era obrigação de qualquer atacante da seleção brasileira. Caramba! Houve seis tentativas quase idênticas – bem, nem todas de atacantes, vá lá, mas só Ronaldo pedalou, driblou e marcou, como também Zé Roberto, que deu um chapéu no goleiro. Adriano, Juan, Roberto Carlos e Cafu ficaram com cara de tacho. Aliás, sobre Cafu, que chutou ridiculamente em cima do goleiro, em vez de passar a Ronaldinho Gaúcho, os comentaristas do Sportv disseram que ele… merecia! Se estivesse 0 x 0, diriam o quê?
Este é o problema da crônica: releva falhas cruciais, aceita outras, magnifica acertos óbvios, reduz outros, tudo dependendo de circunstâncias e, principalmente, de preferências pessoais. Jamais pesa o momento do jogo, o peso do jogo, o peso do resultado. Resultado é coisa desprezível, mesmo nas oitavas, não é mesmo?
Ah, tenham a santa paciência! Não sou da ‘turma jovem’ e também adoro Ronaldo. Aos 60 anos, não vivo dos gols do Pelé, do Garrincha, do Zico e do Sócrates – vi muitos deles no Maracanã, a partir dos 7 anos, graças a meu pai, e olha que uns tantos fizeram sofrer demais esta tricolor. Mas estão arquivados todos no fotolog da memória, para rever gostosamente aqui e ali. O gol de Ronaldo foi de craque, sim senhor. Muitos nesta Copa, e não só brasileiros, perderam este tipo de gol. Quem viu os jogos sabe muito bem.
Viu-se, por exemplo, que a brasileira está, sim, uma seleção burocrática, jogando exatamente o que precisa, nem um chute a mais. Percebeu logo de início que Gana não era de nada e ficou na dela. Mas está na cara que este é o jeitão do técnico. O Brasil jogava alegremente contra o Japão, fez 4 a 1 e Parreira botou quatro volantes dando passe para trás. Quando o time não está fazendo isso ele vai para a lateral lembrar o dever de casa. É assim que ele quer, e os jogadores fazem direitinho. A prova disso é que ele considera que Ronaldinho pode melhorar ‘um degrauzinho a mais’. Ora, o Ronaldinho do Barcelona é genial. Na seleção, ele é o que Parreira quer, e está se saindo muito bem.
A garotada na mesa
Pois PVC deu uma humilde porém vigorosa lição de realidade ao chefe que, infelizmente, não foi assimilada. Pelo contrário. Todos partiram para cima do jovem comentarista. Como se ele e toda a torcida não gostassem de ‘jogo bonito’. Um dos ‘românticos’ chegou a dizer que se criou uma geração de ‘jornalistas Era Dunga’ – traumatizada com a derrota de 82, satisfazem-se com resultados. O debate se estendeu, na quarta-feira, ao Sportv, e até o Jornal da Globo entrou na dança. O telespectador acha que estes colegas ‘românticos’ precisam ser informados do seguinte: os jovens têm dado mais informação e balizamento para análise do que os senhores saudosistas com suas pequenas lamúrias.
O telespectador quer de seus comentaristas favoritos análises – mesmo que apaixonadas, por que não? – de jogos que eles tenham visto com atenção na Copa do Mundo de 2006, não de jogos ‘desejados’, ‘sonhados’ ou ‘ansiados’ com base na Copa de 70 ou de 82. O telespectador quer prognóstico realista do que esperar do próximo adversário, não elegias permanentes ao passado. Ou seja, o telespectador quer comentaristas! Do jeito que a crônica toca, há que temer a todos os adversários e a cada um, e mal se explica por que estamos vencendo – isto é, o telespectador entende, mas graças ao próprio esforço. A crônica se arrisca a que o assinante comece a se perguntar se há vantagem em assinar a TV paga para se livrar do Galvão e cair nessa mesmice sem qualidade.
O Largo das Neves está se achando – inclusive no direito de reivindicar o lugar de comentarista. Bem, já estamos aceitando uma saída intermediária no caso da ESPN Brasil: que numa noite dessas a ‘garotada’ – PVC, os dois Andrés e Soninha – tome o lugar dos sabichões lamurientos no Linha de Passe. Como eles sacam muito do futebol de hoje, a turma aqui de Santa Teresa pelo menos vai saber o que esperar realisticamente do jogo de sábado.