Os jornais impressos estão encolhendo, mas isso não significa o fim do jornalismo, assegura Jack Shafer, editor da revista eletrônica Slate (do grupo que publica o Washington Post), no artigo ‘The incredible shrinking newspaper’, no qual analisa o processo de encolhimento dos jornais americanos. Em 1º de junho, o Washington Post anunciou que 170 profissionais, 70 da redação e 100 fora dela, aceitaram proposta de antecipação da aposentadoria. ‘Empregados de 54 anos ou mais, com 10 anos de serviço, candidataram-se a dois anos de salário e benefícios em troca da demissão antes da aposentadoria integral’, informou o Post. Alguns permanecerão como contratados ou free-lancers.
O redimensionamento, segundo Shafer, atingiu nos últimos meses outras publicações igualmente prestigiosas, como New York Times, Boston Globe, Los Angeles Times, Chicago Tribune, Newsday, Philadelphia Inquirer.Não somente as redações, porém, vão se reduzindo. O produto físico fica menor. A partir de 2007, o Wall Street Journal perderá cerca de 7,45 centímetros na largura. O perfil ‘lipoaspirado’, brinca Shafer, já está sendo seguido pelo USA Today e o Los Angeles Times. De olho no espelho, o vetusto New York Times já mira o mesmo tipo de emagrecimento.
Os jornais cortam também nas editorias. Os espaços tradicionalmente reservados a informações das bolsas de valores, corridas de cavalo e cartuns vão sendo dispensados. O New York Times, por exemplo, abandonou seu guia de TV dominical, integrando-o a seções regionais, transformando tudo num só. Até mesmo os lucrativos cadernos de classificados estão sendo modificados. O processo de miniaturização acelerada dos diários americanos leva Shafer a fazer humor com a situação: ‘Se os jornais continuarem diminuindo, só poderão ser lidos com lupa’.
Segundo critérios de Wall Street, empresas jornalísticas são punidas pelo mercado quando não atingem margem de lucro de 20%. Mas Shafer acredita que os problemas dos jornais impressos tiveram início há mais de 80 anos, com o surgimento do rádio. Depois dele, o jornal perdeu o status de único meio de massa para divulgação de notícias, entretenimento e publicidade. ‘O rádio imediatamente cortou a audiência, dando início à longa e lenta erosão de leitores’, escreve Shafer. O declínio se completou com a emergência das novas tecnologias da mídia, como o rádio do carro, a televisão, o rádio portátil, a FM, a TV a cabo, a internet, o celular, o rádio e a TV por satélite, o podcast etc.
Publicação necessária
O terreno perdido jamais será recuperado, afirma. De nada adianta apostar em estratégias como impressão colorida, suplementos infantis, ampliação da cobertura esportiva (incluindo esportes universitários), jornalismo de serviço, brindes anunciados na primeira página e por aí vai. A mídia impressa não retomará sua posição dominante, crê Shafer. ‘O hábito de ler jornal precisa ser aprendido’, observa. E esse hábito quase todo americano tinha quando o jornal monopolizava a informação. Com tantas alternativas, o leitor jovem de hoje ‘pulou a lição’ e tomou o rumo de outras mídias. ‘Jornais atraem poucos olhos hoje, e atrairão menos ainda amanhã’, prevê Shafer.
Apesar das más notícias, há esperança. Escrevendo sobre o declínio da audiência dos programas de rádio e TV, Daniel Gross, da Slate, mostrou que os anunciantes ainda cobiçam essa audiência reduzida. Para eles, essas mídias morrerão lentamente, e por um longo tempo, e de maneira lucrativa. A mesma realidade, conforme Shafer, aplica-se aos jornais impressos. ‘Portanto, poupem suas lágrimas’, ironiza. Esse privilégio não será de todos. Grandes veículos como New York Times, com 1,1 milhão de circulação, e USA Today, com 2,2 milhões, terão vantagens naturais, nota Shafer. E pequenos jornais locais podem sobreviver à custa de maior penetração em suas comunidades. Mas outros, como Philadelphia Inquirer, podem entrar em colapso. E também jornais cujos leitores constituem grupos de interesse, como o americano Wall Street Journal e o britânico Financial Times, que vão entrando em declínio.
No caso do Washington Post, existe uma legião de leitores que deve ainda mantê-lo como uma publicação necessária. São empregados do governo, advogados, lobistas, jornalistas, grupos de entidades não-governamentais, think tanks e universidades. No entanto, as chances são diminutas para jornais como Los Angeles Times, cuja tiragem é de 850 mil exemplares. Neste caso, argumenta Shafer, os leitores californianos seriam mais bem servidos por diversos pequenos diários da região, sites de notícias múltiplos e outras mídias eletrônicas.
Mudar ou morrer
O cenário é precário, mas Shafer chama a atenção para o fato de que não se deve confundir o declínio dos jornais impressos com o declínio do jornalismo. ‘Muito do que estamos testemunhando é a demora de publishers de jornais e egos de editores em se adaptar a uma era multimídia’, critica. O Los Angeles Times, por exemplo, ainda insiste na ampliação da circulação para além de suas cores geográficas. E muitos jornalistas lamentam o fechamento das sucursais de jornais estrangeiros em Washington. Mas Shafer questiona: ‘Qual a importância delas numa era em que qualquer leitor pode ler na tela do computador a cobertura gratuita feita pelos principais diários americanos e estrangeiros?’
Shafer sublinha que, enquanto vão morrendo, os melhores jornais planejam renascimentos como empresas de comunicação de múltiplas plataformas. Essas empresas estão construindo seus websites, investindo em tablóides diários, estabelecendo parcerias com o rádio e a TV e oferecendo serviços de notícias no celular. As empresas de comunicação têm aprendido que as pessoas desistiram do hábito de ler jornal impresso, mas seu apetite por informação é insaciável. Um bom exemplo oferecido por Shafer: em abril, a circulação de 1,1 milhão da versão impressa do New York Times serviu a 25 milhões de leitores únicos, graças ao acesso à versão eletrônica do diário nova-iorquino na web. Outro exemplo: 80% dos leitores do Washington Post estão fora de Washington, por conta de sua versão na internet, mantendo o Post um jornal nacional.
Aliás, o Post é um exemplo de que as novas mídias podem trazer expansão, a despeito do declínio das versões impressas dos jornais. Sua versão eletrônica emprega um grupo de 65 pessoas. Sem contar a versão gratuita do tablóide Express, do grupo, que ocupa mais 12. ‘Estes empregos não existiam há 10 anos, e eles praticamente igualam os cortes feitos recentemente’, argumenta Shafer. Para ele, o cenário em mutação coloca a nova mídia na posição do agente funerário que, diante do cadáver, diz: ‘Desculpe, amigo, mas sua morte é a minha vida’. A piada, dramática, não deixa alternativas aos velhos e bons impressos: é mudar ou morrer.
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Jornalista, editor do Balaio de Notícias