Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Governo comete um erro histórico’

Em virtude das notícias veiculadas pela imprensa, que afirmam estar o governo federal pronto para anunciar o padrão tecnológico a ser adotado pelo Brasil, a Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital vem a público expor à sociedade brasileira as seguintes questões:


1. Se concretizado, o anúncio da decisão a favor da adoção do padrão de modulação japonês (ISDB), no apagar das luzes do primeiro mandato do presidente Lula e em plena Copa do Mundo, significa a morte do SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital), cuja proposta inicial baseava-se em princípios como a democratização das comunicações, a promoção da diversidade cultural, a inclusão social, o desenvolvimento da ciência e indústria nacionais (conforme o Decreto Presidencial 4.901) e implicou no investimento de R$ 50 milhões na formação de 22 consórcios de universidades brasileiras, envolvendo 1.500 pesquisadores. Ao optar pelo ISDB, o governo despreza o acúmulo social que sustentou sua eleição e submete-se de maneira subserviente aos interesses dos principais radiodifusores do país, especialmente aos das Organizações Globo. Se levar adiante o anúncio pelo ISDB, o governo brasileiro, infelizmente – e à semelhança dos anteriores –, seguirá tratando a comunicação exclusivamente como uma moeda de troca política.


2. Apesar dos insistentes apelos para que a decisão fosse tomada a partir do diálogo com os diversos segmentos da sociedade, o governo mantém uma postura pouco democrática, privilegiando a interlocução com os representantes das emissoras comerciais de televisão e negando-se a abrir espaço semelhante às organizações sociais. À tal postura soma-se a completa falta de transparência na condução do processo decisório que ainda hoje deixa a sociedade brasileira à mercê de boatos de corredor. Chegamos ao cúmulo de nem mesmo ter acesso aos relatórios produzidos no interior do SBTVD, que ainda não foram tornados públicos. Reafirmamos a certeza de que só um processo amplo, transparente e participativo, com consultas e audiências públicas, é capaz de garantir que a TV digital seja um instrumento de desenvolvimento democrático e inclusão social.


3. O Executivo ainda não apresentou qualquer justificativa plausível que aponte o ISDB, de fato, como a melhor opção para o Brasil. Este silêncio do governo, que abandonou as frustradas tentativas de emplacá-lo por supostas vantagens técnicas ou industriais, induz a uma única conclusão: a de que essas justificativas não são defensáveis publicamente, por atenderem exclusivamente a interesses privados. O país segue sem saber se existem parâmetros – sob o prisma do interesse público – baseando as decisões governamentais.


4. Não é possível que as pesquisas desenvolvidas no SBTVD, realizadas por 79 instituições de pesquisa, envolvendo mais de mil pesquisadores, seja tratado com tal descaso. A adoção do ISDB-T descarta logo de início as três alternativas de modulação aqui desenvolvidas. A anunciada intenção de que ‘as pesquisas brasileiras serão incorporadas em um segundo momento’ oculta o fato de que existe incompatibilidade técnica no protocolo de comunicação da camada de transporte, inviabilizando, de fato, qualquer incorporação das inovações brasileiras em algum ponto do futuro.


5. Ao anunciar a decisão, o governo perde a oportunidade de promover a necessária atualização do marco regulatório do campo das comunicações, para modernizar a legislação cuja base data de 1962 e garantir o cumprimento dos princípios constitucionais não regulamentados, como a vedação ao monopólio e a instituição de um sistema público de comunicações. Mesmo que centrada na tecnologia, uma decisão governamental que não seja acompanhada de mudanças mínimas no marco regulatório vai contrariar a legislação vigente e certamente será questionada na Justiça. Os fatos consumados gerados a partir do anúncio da decisão não podem ser tolerados pela sociedade brasileira.


6. A sociedade brasileira perde também a oportunidade de se tornar um grande produtor mundial de conteúdo audiovisual multimídia, a mercadoria por excelência da Era da Informação. Para que pudéssemos abrir milhares de oportunidades de trabalho nessa área, seria necessário democratizar o espectro, adotar tecnologias dominadas por nossos técnicos, baseadas em software livre, adotar padrões e mecanismos que possibilitem a criação e a reprodução desses conteúdos. Nada disso está sendo considerado.


Diante ao exposto, as organizações que assinam esta carta reafirmam a certeza de que a TV digital é uma oportunidade única para promover a diversidade cultural, fortalecer a democracia, desenvolver a ciência e tecnologia nacionais e incluir socialmente a imensa maioria da população, ainda desprovida de direitos humanos fundamentais.


Temos a convicção de que, ao anunciar uma decisão por uma tecnologia estrangeira, o governo estará cometendo um erro histórico, que não poderá ser revertido nas próximas décadas.


[Brasília, 28 de julho de 2006 — Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital]


 


Integram a frente as seguintes organizações


Abong – Associação Brasileira de ONGs


Abraço – Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária


ABCCOM – Associação Brasileira de Canais Comunitários


ABCTEL – Associação Brasileira dos Consumidores de Telecomunicações


ABTU – Associação Brasileira de Televisão Universitária


Amarc – Associação Mundial de Rádios Comunitárias


AMP – Articulação Musical de Pernambuco


Aneate – Associação Nacional de Técnicos em Artes e Espetáculos


Associação Software Livre.org


Campanha ‘Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania’


CBC – Congresso Brasileiro de Cinema


CCLF – Centro de Cultura Luiz Freire


Central de Movimentos Populares do Rio Grande do Sul


Comunicativistas


CFP – Conselho Federal de Psicologia


Confea – Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia


CRIS Brasil – Articulação Nacional pelo Direito à Comunicação


CUT – Central Única dos Trabalhadores


Enecos – Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social


Farc – Federação das Associações de Radiodifusão Comunitária do Rio de Janeiro


Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas


Fittert – Federação Interestadual dos Trabalhadores em Radiodifusão e Televisão


Fittel – Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações


FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação


FNPJ – Fórum Nacional dos Professores de Jornalismo


Fopecom – Fórum Pernambucano de Comunicação


Inesc – Instituto de Estudos Sócio-Econômicos


Intervozes – Coletivo Brasil e Comunicação Social


Instituto de Mídia Étnica


MNDH – Movimento Nacional de Direitos Humanos


Sindicato dos Jornalistas do DF


Sindicato dos Jornalistas de PE


Sindicato dos Jornalistas do RS


Sindicato dos Radialistas do DF


Sinos


SintPq – Sindicato dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia de São Paulo


STIC – Sindicato Interestadual dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e Audiovisual


TV Comunitária de Brasília


Ventilador Cultural