Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sobre laranjas, dentadas e o futuro

A jornalista mineira Roseli Pantaleão, criadora do enredo no qual o ‘laranja’ Aguinaldo Adelino, que na verdade se chama Luís Armando Silvestre Ramos, lançaria o chamado dossiê Vedoin no colo do presidente da República às vésperas da votação final, é a personagem-símbolo da atuação da imprensa na reta de chegada da disputa eleitoral de 2006. Roseli, dirigente do PSDB no município de Pouso Alegre (MG), montou a história, atuou como assessora de imprensa do farsante e, sem qualquer esforço, levou o produto de sua fantasia ao topo das páginas e aos destaques dos telejornais.


Das manchetes de quinta-feira (26/10) às notinhas encabuladas em pé de página que revelavam a farsa, o fugaz momento de notoriedade do personagem é também o retrato da irresponsabilidade com que se construíram os grandes títulos dos diários, as capas de revistas e as chamadas dos telejornais nos últimos meses. Apenas alguns jornais populares – mais especialmente os do Rio – se dignaram compor a notícia do desmentido em espaço relativamente proporcional ao da ‘revelação’ publicada no dia anterior. A chamada grande imprensa deu letras grandes para a denúncia e escondeu a verdade no dia seguinte.


Outra jornalista, a carioca Ana Cristina Luzardo de Castro, fica para a história como a autora do ato que simbolizou o nível de histeria a que a imprensa conduziu os debates eleitorais. Ela arrancou a dentadas parte de um dedo da publicitária Danielle Tristão, motivada pelo fato de sua vítima exibir publicamente uma camiseta de apoio ao candidato que ela foi levada a odiar. Seu destempero só foi para a mídia porque um vídeo amador com as cenas chocantes da agressão circulou na internet. Mesmo assim, é de se imaginar o barulho que teria havido se os papéis fossem invertidos e se a petista tivesse mastigado a falange da tucana.


Nada como um ato de canibalismo para coroar o processo antropofágico que levou nossa frágil democracia às bordas da irracionalidade. Mesmo que alguns observadores tenham passado os últimos meses afirmando que não passa de teoria conspiratória a tese de que a imprensa manipulou desavergonhadamente o noticiário político, sobram evidências de que essa manipulação passou dos limites. Ao impor seu viés para além dos editoriais e das páginas de opinião, a imprensa inegavelmente empurrou o país para o risco da ingovernabilidade. Para em seguida cobrar mudanças salvacionistas.


Circo de horrores


A imprensa perdeu o jogo. Prostrados diante da evidência de que o presidente se reelegeria, e chegaria à fase final da disputa na crista de uma popularidade inédita e quase incompreensível – a julgar pelas manifestações de estupefação que desfilaram por editoriais e artigos nas últimas quatro semanas – os jornais que supostamente definem o pensamento político do país ainda tentaram agendar um ‘terceiro turno’. Ele seria deflagrado já nesta semana e deveria se estender por todo o segundo mandato de Lula da Silva, sob a forma de uma oposição maciça, sem tréguas, que, no mesmo processo vicioso que assistimos até aqui, vazaria do Congresso para o ambiente midiático e dali novamente para os porta-vozes prediletos da imprensa.


Lula venceu porque, claramente, há uma maior percepção de bem-estar por parte da maioria da população. Não apenas entre os mais pobres que, segundo as estatísticas, foram incluídos em algum grau de cidadania por conta da convergência de políticas públicas específicas com um cenário macroeconômico favorável, mas também na classe média. O buzinaço que invadiu a região da Avenida Paulista, em São Paulo, no começo da noite de domingo (29/10), não era produzido por velhas Brasílias ou Chevettes da periferia. Era a classe média comemorando.


Assim como o noticiário econômico brigou durante 18 meses com o noticiário político, também algumas pesquisas de intenção de voto falharam no corte por fator de renda e de educação que induzia a imaginar os menos preparados como a ignara massa que conduziria o presidente à reeleição. Os indicadores conflitaram com as análises e a realidade se digladiou com a notícia, porque a imprensa decidiu, lá atrás, fabricar um Brasil ao seu feitio.


Prevaleceu a realidade. Os fatos vencem as versões. Declarada a vitória do candidato que a imprensa tentou destruir de todas as formas, saem a campo os estrategistas, e recolhem-se os tarefeiros que transformam a disputa eleitoral em circo de horrores. Começa a ser preparado o campo para a batalha de 2010, num cenário em mudança. Se, como prevêem os especialistas, o eixo da disputa se transferir para Minas Gerais, teremos quatro anos de pura política. E talvez de um jornalismo mais equilibrado.


 


Sobre o vídeo de Pouso Alegre, MG


Rosy Pantaleão (*)


Luciano Martins Costa diz neste Observatório da Imprensa (‘Sobre laranjas, dentadas e o futuro‘) que eu teria montado a história de Pouso Alegre, atuado ‘como assessora de imprensa do farsante e, sem qualquer esforço, levou o produto de sua fantasia ao topo das páginas e aos destaques dos telejornais’.


Tomei conhecimento na manhã de sexta-feira, dia 27, por sites da internet, que a Polícia Federal teria concluído que eu teria levado um rapaz para gravar um vídeo – ou que o valha – em que denunciava saques e transporte de dinheiro para a compra do dossiê contra políticos. Não é verdade.


Assisti ao vídeo pela primeira vez na quarta-feira, dia 25 de outubro, ao lado de jornalistas do Jornal do Estado, de Pouso Alegre. Imediatamente, ao verificar o teor do vídeo, entrei em contato com a Polícia Federal, que enviou dois agentes a meu escritório para pegar uma cópia, sendo que, inclusive, abri um FTP exclusivo para a Polícia Federal.


Devo salientar que no momento em que fui ouvida pelo delegado Daniel Daher, fiz questão absoluta de ressaltar que era da executiva municipal do PSDB e que não gostaria de levar tal fato para o lado político, uma vez que agi como cidadã.


A matéria só foi publicada no meu site às 3h48 da madrugada de sexta-feira (26/10), quando o delegado declarou em entrevista que o autor da denúncia teria confirmado tudo o que disse no vídeo. A dedução de que eu estaria envolvida em tal ato só pode estar vinculada ao fato de eu ter dito que era do PSDB. Nunca vi pessoalmente Aguinaldo Henrique Delino ou Luiz Armando Silvestre Ramos, a não ser na tarde de quinta-feira, 26, na delegacia.


Lamento profundamente que o ocorrido tenha sido levado para outro caminho. Reitero que o vídeo foi gravado no Jornal do Estado, pelo jornalista Fernando Lima, sob a supervisão de seu diretor, Sebastião Foch Kersul, sem minha presença e conhecimento. Como o próprio Aguinaldo cita no vídeo, ele foi procurar o Jornal do Estado após conversar com dois advogados. Minha participação resumiu-se a comunicar às autoridades o fato, assim que tomei conhecimento do mesmo.


Este é o fato de tantas versões.


(*) Jornalista

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Jornalista