Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Agência Carta Maior

ELEIÇÕES 2010
Venício Lima

Horário eleitoral e direito de antena

No horário eleitoral o que é gratuito é o acesso de candidatos, partidos e coligações aos meios de comunicação. A veiculação do horário eleitoral, porém, não é gratuita. Em 2010, as empresas de comunicação devem ganhar mais de 851 milhões em compensação fiscal.

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Começa no dia 17 de agosto e se estende até 30 de setembro o horário eleitoral no rádio e na televisão. Durante 45 dias, candidatos aos cargos de presidente, governador, senador, deputado federal e estadual estarão em todos os canais de televisão aberta, além dos canais a cabo utilizados pelo Senado Federal, a Câmara dos Deputados, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais e também nas emissoras de rádio. No total serão cerca de 63 horas em cada veículo.

O horário eleitoral, garantido pelo § 3º do artigo 17 da Constituição – ‘os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e a televisão, na forma da lei’ – é o que mais se aproxima, entre nós, de um direito fundamental nas democracias: o ‘direito de antena’.

O ‘direito de antena’ é praticado em países como Alemanha, França, Espanha, Portugal e Holanda e foi positivado pela primeira vez na Constituição portuguesa de 1976 que reza:

Artigo 40.º

Direitos de antena, de resposta e de réplica política

1. Os partidos políticos e as organizações sindicais, profissionais e representativas das atividades econômicas, bem como outras organizações sociais de âmbito nacional, têm direito, de acordo com a sua relevância e representatividade e segundo critérios objetivos a definir por lei, a tempos de antena no serviço público de rádio e de televisão.

2. Os partidos políticos representados na Assembléia da República, e que não façam parte do Governo, têm direito, nos termos da lei, a tempos de antena no serviço público de rádio e televisão, a ratear de acordo com a sua representatividade, bem como o direito de resposta ou de réplica política às declarações políticas do Governo, de duração e relevo iguais aos dos tempos de antena e das declarações do Governo, de iguais direitos gozando, no âmbito da respectiva região, os partidos representados nas Assembléias Legislativas das regiões autônomas.

3. Nos períodos eleitorais os concorrentes têm direito a tempos de antena, regulares e equitativos, nas estações emissoras de rádio e de televisão de âmbito nacional e regional, nos termos da lei.

(cf. http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx)

Na verdade, trata-se de uma forma de democratizar o acesso aos meios de comunicação de massa. Nas sociedades contemporâneas, a liberdade de expressão é apenas um direito subjetivo se não se garante a pessoas e grupos representativos da sociedade civil acesso ao debate público que (ainda) é, em grande parte, agendado e controlado pelos grandes grupos de mídia.

O acesso é gratuito, a veiculação é paga

O que muitas vezes não fica claro para a maioria da população, todavia, é que no horário eleitoral o que é gratuito é o acesso de candidatos, partidos e coligações aos meios de comunicação. A veiculação do horário eleitoral, não é gratuita. A legislação eleitoral prevê a compensação fiscal para as emissoras de rádio e televisão, regulamentada pelo Decreto nº. 5331/2005.

É uma forma de compensar as empresas de mídia, oferecendo-lhes o benefício da renúncia fiscal, pelas eventuais perdas na veiculação de publicidade de anunciantes. A Receita Federal, na verdade, ‘compra’ o horário das emissoras, permitindo que deduzam do imposto de renda 80% do que receberiam caso o período destinado ao horário político fosse comercializado.

A Receita Federal, de acordo com números divulgados em outubro de 2009, estimou que, em 2010, os custos para os cofres públicos dessa compensação fiscal chegarão a 851,1 milhões de reais. A estimativa, todavia, já está ultrapassada porque o cálculo inicial não incluiu o ressarcimento para as empresas que trabalham dentro do Super Simples e passaram a ter direito ao benefício fiscal após a minirreforma eleitoral de 2009.

De qualquer maneira, para se ter uma idéia de grandeza, os recursos envolvidos na compensação fiscal às empresas de mídia, em 2010, são maiores do que a isenção prevista para o ‘Programa Universidade Para Todos (ProUni)’, que é de R$ 625,3 milhões; são suficientes para pagar um mês de salário mínimo a 1,5 milhão de pessoas; ou custear, no mesmo período, 12,5 milhões de benefícios do Bolsa Família, no valor mínimo de R$ 68; ou, ainda, repassando o custo ao cidadão, cada brasileiro paga R$ 4,44 para receber informações sobre os candidatos e os partidos políticos. (cf. http://contasabertas.uol.com.br/WebSite/Noticias/DetalheNoticias.aspx?Id=2868).

Direito fundamental

No Prefácio do nosso livro ‘Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa’ (Publisher, 2010), o jurista Fábio Konder Comparato, entre outras, fez a seguinte proposta:

‘Além dos partidos políticos, devem poder exercer o chamado direito de antena, já instituído nas Constituições da Espanha e de Portugal, as entidades privadas ou oficiais, reconhecidas de utilidade pública. Ou seja, elas devem poder fazer passar suas mensagens, de modo livre e gratuito, no rádio e na televisão, reservando-se, para tanto, um tempo mínimo nos respectivos veículos.’

O início do horário eleitoral no rádio e na televisão possibilita ao conjunto da população brasileira receber informação política sobre todos os candidatos que disputam mandatos nas eleições de 2010, o que é fundamental no processo democrático. Deveria ser também uma oportunidade para que a cidadania se dê conta do quanto ainda estamos comparativamente atrasados em relação à democratização da comunicação ou da universalização da liberdade de expressão no nosso país.

Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010.

 

Marco Aurélio Weissheimer

O passado e o presente da imprensa brasileira

A revista Época fez o que se espera da Globo, um dos pilares de sustentação da ditadura militar: resgatou a agenda da Guerra Fria e destacou na capa o ‘passado de Dilma’. O ovo da serpente permanece presente na sociedade brasileira. O que deveria ser tema de orgulho para uma sociedade democrática é apresentado por uma das principais revistas do país com ares de suspeita. Os editores de Época honram assim o passado autoritário e anti-democrático de sua empresa e nos mostram que ele está vivo e atuante. No RS, jornal Zero Hora aplaude suspensão de indenizações às vítimas da ditadura e fala do risco de instituir uma ‘bolsa anistia’.

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As empresas de comunicação têm o hábito de se apresentarem como porta-vozes do interesse público. Em que medida uma empresa privada, cujo objetivo central é o lucro, pode ser porta-voz do interesse público? Essas empresas participam ativamente da vida política, econômica e cultural do país, assumindo posições, fazendo escolhas, pretendendo dizer à população como ela deve ver o mundo. No caso do Brasil, a história recente de muitas dessas empresas é marcada pelo apoio a violações constitucionais, à deposição de governantes eleitos pelo voto e pela cumplicidade com crimes cometidos pela ditadura militar (cumplicidade ativa muitas vezes, como no caso do uso de veículos da ão Paulo durante a Operação Bandeirantes). Até hoje nenhuma dessas empresas julgou necessário justificar seu posicionamento durante a ditadura. Muitas delas sequer usam hoje a expressão ‘ditadura militar’ ao se referir aquele triste período da história brasileira, preferindo falar em ‘regime de exceção’. Agem como se suas escolhas (de apoiar a ditadura) e os benefícios obtidos com elas fossem também expressões do ‘interesse público’.

Apoiar o golpe militar que derrubou o governo Jango foi uma expressão do interesse público? Ser cúmplice de uma ditadura que pisoteou a Constituição brasileira, torturou e matou é credencial para se apresentar como defensor da liberdade? O silêncio dessas empresas diante dessas perguntas já é uma resposta. O que é importante destacar é que a semente do autoritarismo, da perversidade e da violência prossegue ativa, conforme se viu neste final de semana (e se vê praticamente todos os dias).

A revista Época fez o que se espera da Globo, maior empresa midiática do país e um dos pilares de sustentação da ditadura militar: resgatou a agenda da Guerra Fria e destacou na capa o ‘passado de Dilma’. O ovo da serpente permanece presente na sociedade brasileira. O que deveria ser tema de orgulho para uma sociedade democrática é apresentado por uma das principais revistas do país como motivo de suspeita. Os editores de Época honram assim o passado autoritário e anti-democrático de sua empresa e nos mostram que ele está vivo e atuante.

Indenizações às vítimas da ditadura

De maneira similar, aqui no Rio Grande do Sul, o jornal Zero Hora publicou um editorial apoiando a decisão do TCU de questionar às indenizações que estão sendo pagas às vítimas de perseguição e maus tratos durante a ditadura, ou ‘regime de exceção’, como prefere a publicação. Trata-se, segundo a RBS, de defender um ‘princípio da razoabilidade’. ‘Ninguém tem direito a indenizações perdulárias ou a aposentadorias e pensões que extrapolam critérios de prudência, ponderação e equilíbrio’, diz o texto. Prudência, ponderação, equilíbrio e razoabilidade: foram esses os valores que levaram o jornal e sua empresa a cerrarem fileiras ao lado dos militares que rasgaram a Constituição brasileira? Quanto dinheiro os proprietários da RBS ganharam com esse apoio? Não seria razoável e ponderado defender que indenizassem a sociedade brasileira pelo desserviço que prestaram à democracia?

É cansativo, mas necessário relembrar. Sempre. Como a maioria da grande mídia brasileira, a empresa gaúcha apoiou o golpe que derrubou João Goulart. O jornal Zero Hora ocupou o lugar da Última Hora, fechado pelos militares por apoiar Jango. Esse foi o batismo de nascimento de ZH: a violência contra o Estado Democrático de Direito. Três dias depois da publicação do Ato Institucional n° 5 (13 de dezembro de 1968), ZH publicou matéria sobre o assunto afirmando que ‘o governo federal vem recebendo a solidariedade e o apoio dos diversos setores da vida nacional’. No dia 1° de setembro de 1969, o jornal publica um editorial intitulado ‘A preservação dos ideais’, exaltando a ‘autoridade e a irreversibilidade da Revolução’. A última frase editorial fala por si:

‘Os interesses nacionais devem ser preservados a qualquer preço e acima de tudo’.

Interesses nacionais?

A expansão da empresa se consolidou em 1970, com a criação da RBS. A partir das boas relações estabelecidas com os governos da ditadura militar e da ação articulada com a Rede Globo, a RBS foi conseguindo novas concessões e diversificando seus negócios.

Como a revista Época, Zero Hora é fiel ao seu passado e exercita um de seus esportes favoritos: pisotear a memória do país e ofender a inteligência alheia. O editorial tenta ser ardiloso e defende, no início, as indenizações como decisão correta e justa. Mas logo os senões começam a desfilar: os exageros nas indenizações de Ziraldo, Lula, Jaguar e Carlos Lamarca, ‘outro caso aberrante segundo o procurador’. A pressão exercida por setores militares junto ao governo e ao Judiciário é convenientemente omitida pelo editorial que fala do ‘risco’ de as indenizações se transformarem em algo como ‘uma bolsa-anistia’.

O presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão Pires Junior, divulgou uma esclarecedora nota a respeito da decisão do TCU e das pressões que vem sendo exercidas contra o processo das indenizações. A capa da revista Época e o editorial de Zero Hora mostram que as empresas responsáveis por essas publicações permanecem impregnadas do autoritarismo que alimentou seu nascimento e expansão. É triste ver jornalistas emprestando sua pena para inimigos da democracia e da liberdade. Pois é exatamente disso que se trata. Esse é o conteúdo que habita a caixa preta de boa parte da imprensa brasileira.

 

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