Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Liberdade, responsabilidade e 10 perguntas sem resposta

Que a liberdade de imprensa é um direito constitucional e inviolável, não se discute. Que a liberdade de imprensa é um dos pilares da democracia, idem. Causam estranheza declarações na tribuna do Senado e o modo pelo qual a Folha de S. Paulo, em editorial, e outros veículos trataram a intimação de repórteres da Veja por parte da Polícia Federal.

Sempre que aventa qualquer atitude que possa suscitar o cerceamento da informação, os meios de comunicação em massa, como não poderia deixar de ser, repudiam tais atos. No afã do repúdio, não se deixaram levar pela intimação em si? Outros aspectos precisam ser levados em conta pela imprensa ao noticiar tais fatos. Levanto as seguintes dúvidas sobre o caso:

1) A PF não tem o direito de intimar um jornalista a prestar esclarecimentos sobre determinados fatos? Acredito que o tenha, assim como o próprio jornalista tem assegurado pela Constituição e pela Lei de Imprensa o direito de nada dizer e preservar sua fonte;

2) Alguns dos veículos que noticiaram o caso tiveram a preocupação de ver em que condição os jornalistas foram ouvidos pela PF, se é que isso constava no documento? Ou questionaram se a transcrição dos referidos depoimentos foi entregue? Em caso negativo, por que não procuraram o delegado que conduziu as inquirições cobrando as tais transcrições e o porquê de elas não terem sido dadas aos depoentes?

3) Se os jornalistas estavam sendo vítimas de abuso, constrangimento ou ameaças, ‘em um claro ataque à liberdade de expressão’, por que simplesmente não ligaram para as redações relatando a violação de direitos? Dada a arbitrariedade, acredito que jornais, revistas e TVs deslocariam suas equipes para a sede da PF. Quer pauta melhor do que esta? Logo após a reeleição presidencial, a PF tenta ‘intimidar’ jornalistas da Veja? Acredito que isso não passaria em branco. Ou é mais fácil fazer o discurso do que investigar?

4) Não tenho informações do que realmente se passou durante o depoimento, mas, no lugar dos repórteres da revista e acompanhado de advogado, não aceitaria passivamente a violação de meus direitos constitucionais. Não deixaria para apresentar a minha versão depois que saí da PF. O caso teria muito mais repercussão se, durante o ‘interrogatório’, outros jornalistas chegassem para ver o que estava acontecendo naquele momento. Eles poderiam flagrar os ‘abusos’. Simples. Como deve ser a cobertura de uma notícia para qualquer jornalista;

5) O editorial da Folha toma como verídica, e faz a partir dela uma série de reflexões, apenas a versão relatada pelos repórteres da revista. E o outro lado? Cadê as provas? Sei que, ao fazer esse questionamento, muitos me dirão para perguntar às vítimas dos regimes totalitários, mas essa não é a nossa realidade;

6) A imprensa se movimenta para condenar, e este é o papel que deve mesmo desempenhar em qualquer episódio do gênero, mas vários veículos, de uns tempos para cá, deixaram de ‘embarcar’ em muitas das ‘denúncias’ da revista contra o governo. Quando é denúncia concreta, sempre dão algum destaque ao furo tomado. De uns tempos para cá, isso mudou. Qual jornalista nunca questionou internamente procedimentos da revista?

7) E aqui acrescento um outro dado: há acadêmicos da USP e da Unicamp que se recusam a dar declarações à revista. Relato isso por experiência própria. Por que adotaram tal procedimento?

8) Não dá para acreditar que em nosso país atualmente haja espaço para o cerceamento da liberdade de expressão. No mundo moderno, essas ações encontram ressonância apenas em regimes totalitários. O que não é o nosso caso;

9) O editorial da Folha exagerou ao afirmar: ‘O que essa manifestação de hostilidade ameaça é muito mais do que a imprensa: é o direito da sociedade de ter livre acesso à informação e à opinião’.

10) Qual a responsabilidade de um veículo ao publicar uma denúncia com base no relato de um condenado pela Justiça, que negocia a delação premiada, por exemplo? Para ‘cumprir’, e digo entre aspas, a tarefa de ouvir os dois lados, coloca-se a frase do acusado negando tais denúncias. Uma frase em meio a espaço completamente desproporcional a várias páginas ou minutos de acusação. O ônus da prova não cabe a quem acusa? Muitas vezes se ouve o outro lado pro forma.

Em artigo na página 3 do primeiro caderno da Folha, Rose Marie Muraro diz que ‘a mídia abre e fecha os caminhos da informação de acordo com o que lhe interessa’. É mentira? Vou tocar num ponto delicado: qual é a influência que o departamento comercial exerce sobre as redações? Ouso dizer que a liberdade de expressão é inversamente proporcional ao interesse comercial.

Na verdade, muitos jornalistas brasileiros vivem, de certa forma, uma situação surreal. Os mesmos que fiscalizam a sociedade e o exercício do poder são aqueles que têm os seus direitos profissionais violados. Vou citar alguns exemplos: muitos dos principais veículos têm grande parte de sua produção editorial feita por free lance; há greve de jornalistas nos grandes meios de comunicação? Quem cruza os braços, fica quanto tempo empregado? Qual a força do sindicato da categoria? E as horas extras? Ou seja, somos bons para defender a democracia, mas não os nossos direitos, que simplesmente ignoramos.

Faz parte do jogo, mas é um jogo infeliz para quem tem a tarefa de contribuir com a democracia e o fortalecimento das instituições. Alguém se lembra do estrago à vida dos donos da Escola Base?

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Jornalista, São Paulo (www.jmsmoreira.blogspot.com)