Tortura é um tema sensível. E, como todo tema sensível, gera cuidados e controversias. O New York Times deu, esta semana, um exemplo de como é complicado cobrir o assunto. A análise foi feita por Dan Kennedy em um artigo no jornal britânico Guardian [4/5/11]. Segundo Kennedy, o jornalão americano pisa em ovos: para começar, o termo ‘tortura’ costuma ser evitado. Os cuidados são tantos que o Times acabou por apresentar divergências na cobertura em seu site e no jornal impresso.
Em uma matéria que abordou o debate sobre práticas de tortura depois da morte do terrorista Osama bin Laden, o jornal sequer reconheceu que o governo do ex-presidente George Bush torturou suspeitos de terrorismo. Na edição impressa, a manchete relatava que ‘Métodos duros de interrogatório são debatidos de novo’.
Já no site do jornal, a postura foi mais franca: ‘O ataque a bin Laden reascende o debate sobre o valor da tortura’, com o subtítulo ‘A incursão que levou à morte de bin Laden trouxe à tona novamente a questão do uso da tortura para se chegar a dados da inteligência’. As frases da matéria escrita por Scott Shane e Charlie Savage levam a entender que alguns suspeitos foram torturados – e reconhecer isso é um marco para o Times. Há dois anos, o então ombudsman Clark Hoyt escreveu em sua coluna que editores do jornal haviam decidido não descrever práticas brutais de interrogatório, como simulação de afogamento, como tortura, a não ser em citações. Na realidade, o diário chegou a ser criticado pelo próprio fato de usar a palavra ‘brutal’ para tais métodos.
Na matéria sobre bin Laden, isso fica explícito. ‘Práticas de interrogatório brutais teriam produzido dados cruciais que levaram à morte de Bin Laden?’, questionam os repórteres. A palavra tortura aparece no artigo, não para descrever o que realmente aconteceu, e sim no contexto de um debate nacional sobre o tema. Não há evidências de que simulação de afogamento e outras práticas de tortura tiveram algo a ver com a obtenção de informações que possam ter levado ao paradeiro de bin Laden.