Friday, 29 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Suzana Singer

“A seção ‘Erramos’, que, há exatamente 20 anos, é publicada na nobre página 3, está diferente: desde março, os casos considerados graves aparecem atribuídos ao jornalista que fez a reportagem.

Até agora, foram publicados cinco ‘erramos assinados’. Três deles eram confusões com números, ponto fraco de muitos jornalistas, um era sobre quem vai comandar a Vale (tentativa infrutífera de dar um furo) e outro se referia a casos policiais em universidades.

Nada como complicar o que ia bem. Nesta semana, saiu um ‘erramos do erramos’: ‘Diferentemente do publicado nesta seção, o erro apontado na reportagem ‘Alckmin corta aulas da rede pública em escola de idioma’ foi da Redação, e não do repórter Fábio Takahashi’.

A decisão de ‘privatizar’ o erro desfigura o nome da seção. ‘Erramos’, na primeira pessoa do plural, implica a Folha, como um todo, assumir a culpa pela incorreção, o que faz sentido porque a produção jornalística é quase sempre coletiva.

Em televisão, rádio, revistas e jornais, uma notícia passa por várias mãos -exceção para coberturas ao vivo ou os ‘em cima da hora’ urgentes. Na Folha, começa no pauteiro, que escolhe o que cobrir, vai para o repórter, depois o redator, às vezes, o editor, um diagramador e, em alguns casos, para o secretário de Redação ou para o editor-executivo.

Isso não significa que todo erro de apuração possa ser percebido por quem simplesmente lê -na maioria das vezes, não. É verdade também que, nessa cadeia produtiva, o repórter é o único que costuma assinar os textos, mas a ideia de tentar torná-lo mais responsável mediante a censura pública é muito ruim.

Ao dizer que foi fulano quem errou, além de não acrescentar nada ao leitor, a Folha parece estar lavando as mãos da responsabilidade pelo erro: foi ‘ele’, não ‘nós’.

Outro problema do ‘erramos assinado’ é decidir o que é grave. Em 18 de março, um repórter da sucursal do Rio foi citado na seção depois de trocar milhões por bilhões de barris de petróleo, enquanto duas outras correções saíram sem crédito: uma sobre o placar de Palmeiras e Uberaba, informação básica na cobertura de um jogo, e outra que admitia ter ocorrido uma confusão entre pai e filho do PSB (Abelardo e Vinicius Camarinha).

Do ponto de vista do leitor, é muito pior um horário errado de filme, que o faz perder a viagem ao cinema, do que a quantia exata que o PC do B recebeu da Coca-Cola nas eleições de 2006 (‘erramos assinado’ em 22 de março).

Não conheço jornalista que não se engane. O erro é um subproduto do relato, corrido e fragmentado, de fatos tão diferentes -o que não significa conformar-se: é fundamental perseguir a exatidão, mesmo sabendo-a inatingível.

Agrupar as correções e dar-lhes visibilidade, como faz a Folha, para julgamento diário do leitor, é um exercício de transparência que não deveria ser modificado.

Falando em erros, saiu um bem grave, na quarta-feira passada na Folha.com, quando a Livraria da Folha inventou uma enquete quase inacreditável:

‘O livro ‘Triângulo Rosa’ traz o relato de um sobrevivente gay de um campo de concentração nazista. Ele diz que até héteros acabavam transando com outros homens. Se você fosse um prisioneiro em um campo nazista, você faria sexo com uma pessoa do mesmo sexo?

(a) Sim

(b) Não

(c) Talvez, mas sem beijo na boca’.

Na internet, em nome da velocidade, qualquer jornalista publica informações sem passar por filtros, nem por uma segunda leitura. É um verdadeiro campo minado, pesadelo para um editor.

Assim que viu aquilo, a chefia tirou a enquete do ar e colocou uma nota, desculpando-se com os que se sentiram ofendidos e informando que o responsável havia sido demitido. Sem dizer quem era. Não faria mesmo diferença.”