Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

‘Desejo a esses ‘bons meninos’ uma bala na testa de cada um.’ (Robson Praia Grande)

‘A primeira coisa que deveria ser feita é laqueadura e vasectomia nesses pais para que não tragam mais lixo para o nosso convívio.’ (John John)

‘Deveriam botar o rapaz e seus namorados com delinquentes comuns (…) quem sabe seriam estuprªdos e veriam como é boa a vida na cadeia’ (Jayme Elias Bentolila).

Os comentários acima estão no site da Folha e se referem ao vídeo que mostra jovens agredindo transeuntes na avenida Paulista. No jornal, jamais seriam publicados, mas são comuns na internet.

A rede, com o seu manto protetor do anonimato, libera o lado mais perverso e raivoso, como se viu recentemente na onda antinordestina que surgiu depois da vitória de Dilma Rousseff. ‘Os comentários na Folha.com me fazem sentir vergonha de pertencer à espécie humana’, escreveu uma leitora.

É um problema complicado, que a mídia enfrenta em todo o mundo: como incentivar a interatividade, uma das graças da internet, e, ao mesmo tempo, conseguir um nível mínimo de discussão, que seja condizente com a marca do jornal, da TV ou da rádio que mantém o site.

Desde março, é possível comentar qualquer notícia da Folha.com. Antes, só alguns assuntos podiam receber considerações dos leitores e todas tinham de ser aprovadas antes de ir ao ar (pré-moderação).

Agora, exige-se cadastro, inclusive com CPF, e uma ferramenta barra palavras proibidas ou ‘suspeitas’. Mas ninguém lê todos os posts.

Abriram-se as comportas e choveu reclamação. É fácil burlar o sistema com geradores de CPF ou usando o de outra pessoa. Para veicular palavrões, troca-se uma ou outra letra, como fez o internauta acima (‘estuprªdos’).

Os filtros são insuficientes e incapazes de interpretar: quem escreve ‘disputa’ pode ser temporariamente rejeitado, porque o sistema entende ‘puta’. Aos indignados com o espírito primário dos internautas, somou-se um contingente de ‘censurados’ inconformados. ‘É um AI-5 digital’, reclamou um internauta, que teve 3.386 mensagens publicadas e só duas rejeitadas.

Na lista de palavras ‘suspeitas’, que levam o comentário para o moderador, estão ‘Folha’, ‘tucano’, ‘Lula’, o que pode passar a impressão de que há um viés ideológico ou de que o jornal não permite críticas a ele. ‘É um subterfúgio para excluir, logo da parte de um órgão de imprensa que se abespinha contra qualquer coisa que lhe pareça restringir a liberdade de expressão’, escreveu outro ‘rejeitado’.

A Folha está discutindo mudanças nos comentários. Nos EUA, há processos em que juízes ordenaram que os sites revelassem a verdadeira identidade do internauta que postou algo ofensivo. Alguns sites simplesmente cortaram essa área.

Um pequeno jornal de Massachusetts decidiu, em julho, cobrar de quem quiser interagir. O preço é simbólico -US$ 0,99, apenas na hora do cadastro-, mas exige-se que a pessoa tenha um cartão de crédito válido, o que acaba com falsas identidades e o anonimato.

Só que é antipático cobrar e haverá uma queda na participação. No ‘The Sun Chronicle’, de 1.000 registrados, restaram apenas 100.

A Folha.com. tem a enormidade de 76.500 leitores inscritos e uma média mensal de 150 mil comentários -no período eleitoral, saltou para 400 mil.

Ninguém quer perder audiência. Mas, enquanto não surgem soluções tecnológicas mais eficientes, o caminho é restringir o acesso. Selecionar para civilizar. Se, no ‘Painel do Leitor’, não se publicam cartas anônimas, boatos ou mensagens racistas, por que na internet devemos ser complacentes?’