Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O Estado de S. Paulo

GOVERNO
Vera Rosa

Curinga, Bernardo pode assumir Comunicações

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, pode assumir a pasta de Comunicações, que será turbinada no governo de Dilma Rousseff. A presidente eleita quer um ‘gerentão’ no ministério, hoje nas mãos do PMDB, e já planeja pôr Bernardo nessa cadeira, que trata das concessões de rádio e TV, abriga o Plano Nacional de Banda Larga e vai cuidar da nova lei de comunicação eletrônica.

O destino de Bernardo, porém, ainda depende de uma negociação com o PMDB, que hoje comanda Comunicações. O partido do vice-presidente eleito, Michel Temer (SP), aceita abrir mão dessa vaga, mas impõe uma condição: quer retomar o Ministério dos Transportes.

O problema é que Transportes está sob domínio do PR do senador Alfredo Nascimento (AM). Amigo de Dilma e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Nascimento era ministro antes de sair para concorrer ao governo do Amazonas. O PR reivindica a manutenção do assento.

Foi por essa intrincada operação partidária que Dilma pediu para Bernardo ficar de sobreaviso. Na quarta-feira, chegou a dizer que ele poderá assumir Previdência Social – pasta para a qual também quer um gerente -, caso não consiga conciliar os interesses do PMDB e do PR.

Na prática, Bernardo virou o curinga da Esplanada, papel antes protagonizado pelo deputado Antonio Palocci (PT-SP). Ex-ministro da Fazenda, Palocci foi cotado para uma penca de ministérios – incluindo Comunicações -, mas acabou escolhido para a Casa Civil. Antes, Bernardo também havia sido citado para assumir Casa Civil ou Saúde.

Palocci sugeriu Bernardo para o comando das Comunicações. A ideia é que o ministério tenha até mesmo assento nas reuniões semanais da coordenação de governo. Dilma planeja fortalecer a pasta, que tem várias crises para resolver: a principal delas é a dos Correios. Desde setembro, quando estourou o escândalo envolvendo dirigentes da companhia e a então ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, Bernardo atua como uma espécie de interventor na estatal, a pedido de Lula. No mês passado, ele entregou um relatório ao presidente recomendando a redução do loteamento político nos Correios.

 

LIBERDADE DE IMPRENSA
Gabriel Manzano

Liberdade está sempre em risco, diz FHC

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse ontem, abrindo o segundo e último dia do Seminário Cultura/Liberdade de Imprensa, na TV Cultura, que ‘a liberdade de imprensa está sempre em risco, em toda parte’. No debate sobre o tema, avisou, ‘há uma confusão, pois misturam a necessidade de se regular os meios tecnológicos com a regulação do conteúdo’.

A saída, para ele, seria criar agências reguladoras, ‘mas elas não são condizentes com o nosso direito. A autonomia delas não combina com caudilhismo, com a ingerência do Estado’.

A manhã desse segundo dia do encontro teve ainda um debate entre jornalistas de O Globo, da Folha de S. Paulo e do Estado sobre o mesmo tema e uma mesa-redonda que abordou a liberdade de imprensa nas emissoras públicas. À tarde, coube ao ministro Carlos Ayres Britto, do STF, responder à questão: ‘A legislação brasileira garante a liberdade de imprensa?’ (leia textos abaixo).

Na palestra inicial, o ex-presidente começou com um problema político: ‘Eles (o governo) podem até ter boa intenção, mas a sensação que passam é de que querem controlar o conteúdo.’ O assunto ‘requer muito debate’, sem soluções apressadas. FHC acha complicado que o tema ‘tenha como ponto de partida um ministério político, a Secom, e não o Ministério das Comunicações’. Disse ter ouvido afirmações do ministro Franklin Martins que o assustaram: ‘Que eles vão ter de fazer!’

‘Participação’. FHC ponderou, sobre isso, que nas democracias não importa apenas que uma lei seja aprovada, mas a forma como é debatida e aprovada. ‘A democracia é também participativa. Mas o monopólio que mais preocupa, hoje, é o estatal’.

Não foi só o ex-presidente que contestou, ao longo do dia, as afirmações feitas no dia anterior por Franklin Martins. Merval Pereira e Renata Lo Prete, entre os jornalistas, e o deputado Miro Teixeira, em uma mesa-redonda à tarde, também discordaram de suas avaliações. ‘O que é, enfim, que se quer controlar? Quem já viu esse projeto? O que é controlar o pensamento?’, perguntou Miro. Ao seu lado, o advogado Luís Francisco de Carvalho Filho afirmou que Franklin ‘não mencionou nenhuma das ideias que deverão ser debatidas’.

Em outra mesa-redonda, os jornalistas Eugênio Bucci, da USP, e Teresa Cruvinel, da EBC, polemizaram sobre liberdade de imprensa nas empresas públicas de comunicação. Ela disse que não via ‘vontade política em se fazer a autorregulamentação nas empresas privadas’. Em sua exposição, Bucci chamou de ‘caixa preta’ o sistema das rádios e TVs públicas e propôs que no final de cada programa na rede pública ‘fossem incluídos nos letreiros dados sobre quanto custou, quanta gente trabalhou ali’.

 

Jornalistas discutem restrições impostas à imprensa no País

No primeiro painel do dia, que discutiu o mesmo tema abordado por Fernando Henrique Cardoso, três jornalistas fizeram coro à sua avaliação – de que há, de fato, riscos à liberdade de imprensa no País – e consideraram que o tema tem sido mal conduzido pelo governo. Ricardo Gandour, diretor de conteúdo do Grupo Estado, Merval Pereira, colunista de O Globo, e Renata Lo Prete, editora do Painel, da Folha de S. Paulo, falaram ainda sobre a confusão que se faz entre regular a produção da mídia ou criar normas para seu conteúdo.

Gandour começou avaliando que há, sim, riscos à liberdade de imprensa, mas ‘é delicado falar em gradações dessa ameaça’. Merval reagiu às queixas oficiais de que a imprensa tem lado: ‘Isso está mal colocado. É direito da imprensa decidir ser oposição. Assim como existe a empresa chapa-branca.’ E Lo Prete criticou o ministro Franklin Martins, que na véspera havia dito que o governo garantiu a liberdade de imprensa no País. ‘Como assim? É uma liberdade que resulta da generosidade dos governantes?’, perguntou.

Gandour citou como exemplo de risco à liberdade de imprensa o caso da censura ao Estado e ao portal estadão.com.br, que desde 2009 estão proibidos pela Justiça, de divulgar informações sobre a Operação Boi Barrica, que investigou o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Ele lembrou ainda que há muitos outros casos de censura judicial a veículos do País.

O diretor de conteúdo do Grupo Estado afirmou que é preciso fortalecer as instituições antes de buscar novas leis. Ressaltou ‘a importância das palavras, atos e gestos governamentais’ ao sugerir uma agenda para debate. ‘O próprio presidente criticou a imprensa. A palavra do presidente não é impune’, acrescentou. Ele concluiu sua participação afirmando que, um dia, se poderá avaliar como o Brasil conseguiu evoluir tanto em aspectos do consumo e da economia ao mesmo tempo em que convivia com riscos de retrocessos políticos.

Merval deteve-se na análise do que chama ‘alma autoritária’ do governo, que ‘começou a dar certo’ e leva a ‘uma certa proximidade com os vizinhos’. A editora da Folha estendeu-se sobre o que considera uma questão crucial para a diversidade da informação: quem fala. Hoje, segundo ela, são quase sempre as mesmas pessoas, com as mesmas opiniões. ‘Quem fala sobre o Enem? E sobre o Banco Central? Ou sobre política urbana? Há um longo caminho ainda’, concluiu.

 

Para Ayres Britto, maior ameaça vem do Judiciário

O ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, pôs o dedo em uma questão central no debate sobre liberdade de imprensa, ontem à tarde, ao admitir que ‘o Poder Judiciário é a maior ameaça, ou pelo menos nele existem ameaças, à liberdade de imprensa no País’.

Ele se referia, na palestra da tarde do Seminário Liberdade de Imprensa, na TV Cultura, a juízes ‘que não entendem como o mundo está mudando e que tomam decisões que não expressam o que pede a lei’. E comparou: ‘Tem muito formol nas estantes desses profissionais do Direito. O Poder Judiciário, com frequência, se comporta de modo saudosista, com nichos que parecem laborar no passado’.

O comentário surgiu a partir do debate sobre a censura prévia que atinge o Estado e outros órgãos de comunicação do País. ‘Estamos em novos tempos e quem não entender isso não tem futuro’, arrematou o ministro.

Poesia. O tema parecia árido: ‘A legislação brasileira garante a liberdade de imprensa?’ Ainda assim, o ministro conseguiu fazer de sua palestra um dos momentos mais leves do seminário. Deu uma aula sobre as garantias de liberdade já existentes na Constituição pontilhada de citações – John Milton, Milan Kundera, Alexis de Tocqueville e até Vicente de Carvalho – para definir uma relação de amor entre liberdade e democracia.

Explicou que, na Constituição, ‘a liberdade de imprensa não conhece meio termo’. ‘Não é pela metade. Ou é total, ou não é liberdade de imprensa.’ A grande lei sobre o assunto, prosseguiu, ‘é uma só: a Constituição’. De Vicente de Carvalho citou um antigo poema – ‘Sou o que sou, por serdes quem sois’ – que seria um agradecimento da cidadania ao sistema democrático. Trouxe à memória o livro A Insustentável Leveza do Ser, de Kundera, para comparar uma sociedade que descarta o peso do autoritarismo e descobre a árdua missão de viver livre, num ‘rio sem margens, ou quem sabe com margens que podem variar’. Sem liberdade, a sociedade sairia ‘do estado luminoso da liberdade para o trevoso da censura prévia’.

Ayres Britto disse ainda que há diferenças entre o eixo central da discussão e os paralelos, no debate sobre a liberdade. Ela ‘não é uma bolha normativa. Tem objeto, conteúdo e substancia’, finalizou.

 

ASSINATURA
TV paga deve ter 10 milhões de clientes até o fim do ano

O Brasil deve ultrapassar a marca de 10 milhões de assinantes de TV paga até o fim do ano. Levantamento divulgado ontem pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) mostra que o mercado de TV por assinatura registrou crescimento de 3,56% em outubro, na comparação com setembro, o que permitiu que o Brasil chegasse a 9,396 milhões de domicílios com TV paga. No mês passado, as operadoras conquistaram 322.731 novos assinantes, o maior crescimento registrado no mês de outubro nos últimos cinco anos, segundo a Anatel.

Mantido esse ritmo de crescimento em novembro e dezembro, o setor fechará o ano com mais de 10 milhões de clientes. Em 2010, o setor já acumula expansão de 25,7% em relação a 2009, com adição líquida de 1,923 milhão de clientes.

Considerado o número médio de pessoas por domicílio divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – 3,3 pessoas -, hoje os serviços de TV por Assinatura são distribuídos para, aproximadamente, 31 milhões de brasileiros, segundo a Anatel.

Novas regras. Com as mudanças anunciadas pela Anatel esta semana, a perspectiva da agência é de que a expansão do serviço avance mais rapidamente no País. Na quinta-feira, a Anatel deixou o caminho livre para que as coligadas, controladas e controladoras das concessionárias de telefonia fixa entrem no mercado de TV a cabo em sua área de concessão sem ter que esperar a alteração da legislação do setor, conhecida como Lei do Cabo.

Na visão do Conselho Diretor da agência, a proibição da oferta do serviço na área de concessão só tem validade para a concessionária e para o limite de 49% de participação de capital estrangeiro em empresas do setor. Assim, qualquer empresa do grupo da concessionária poderá requerer licenças para atuar nesse mercado. A única restrição é que o pedido não pode ser feito pelo CNPJ da concessionária.

Na quarta-feira, a Anatel já havia aprovado a alteração dos contratos de concessão que vigorarão a partir de 1.º de janeiro de 2011, excluindo a cláusula que determinava que as operadoras de telefonia fixa só poderiam explorar o serviço caso não houvesse nenhuma outra empresa ofertando o serviço na região. A mudança ainda depende da aprovação da Lei do Cabo no Senado.

O texto, já aprovado na Câmara, além de acabar com a proibição para as concessionárias, também dá fim à restrição do controle de empresas de TV a cabo a grupos nacionais e à imposição de cotas de conteúdo local.

 

Tim Arango e David Carr

Netflix ameaça estúdios e TV a cabo

Numa questão de meses, a locadora de filmes Netflix passou da cliente de primeira classe de mais rápido crescimento dos Correios americanos à maior fonte de tráfego de streaming na internet na América do Norte durante os horários nobres noturnos. A tecnologia de streaming permite receber o vídeo pela rede no mesmo momento em que é assistido, como no YouTube.

Essa transformação – de negócio de entrega pelo correio a empresa de tecnologia – revoluciona a maneira como milhões de pessoas assistem à televisão, mas também dá uma grande dor de cabeça aos canais de TV e estúdios de cinema, que veem a Netflix cada vez mais como uma ameaça competitiva, apesar de venderem seu conteúdo a ela.

O dilema de Hollywood fica evidente num anúncio da Netflix esta semana de um novo serviço de assinatura: US$ 7,99 por mês para downloads ilimitados de filmes e programas de televisão, ante US$ 19,99 por mês para um plano que permite ao assinante retirar três discos de cada vez, enviados pelo correio, além de downloads ilimitados.

Para estúdios que vendiam DVDs novos por US$ 30, isso representa uma enorme queda nos lucros. ‘Agora, a Netflix é uma plataforma de distribuição e tem pouquíssima concorrência, mas isso está mudando’, disse Warren N. Lieberfarb, consultor que teve um papel decisivo na criação do DVD quando trabalhava na Warner Bros.

Pela primeira vez, a Netflix gastará mais nos feriados para enviar filmes por streaming que despachando DVDs em seus familiares envelopes vermelhos (embora ainda esteja gastando mais de US$ 500 milhões em postagem este ano).

E essa mudança coincide com um desenvolvimento infeliz para as companhias de cabo, que por muito tempo controlaram o entretenimento doméstico: pela primeira vez em sua história, as assinaturas de televisão a cabo americanas caíram nos dois últimos trimestres – uma tendência que alguns atribuem à ascensão da Netflix, que permite que os consumidores contornem a TV a cabo para receber filmes e programas via streaming.

A Netflix tem agora o preço de suas ações para mostrar seu sucesso. Os papéis quase quadruplicaram de valor em relação a seu ponto mais baixo em 52 semanas, em janeiro. Com valor de mercado de quase US$ 10 bilhões, a Netflix vale mais que alguns estúdios de Hollywood que licenciam filmes para ela.

Sucesso. De certa forma, o paralelo mais próximo de um mercado digital múltiplo é o iTunes, o serviço da Apple que se colocou no centro do mundo digital e usou esse poder para exigir concessões de seus fornecedores. Há poucos anos, a Netflix não parecia um caso de sucesso: no máximo parecia a mais recente empresa de mídia destinada a ser atropelada pela tecnologia.

Desde o início da companhia, em 1997, Reed Hasting, o presidente executivo e cofundador, sempre pensou na Netflix mais como um serviço de distribuição de entretenimento do que uma companhia de venda por correio; já em 2000, a empresa estava experimentando a entrega de filmes via internet.

Em 2003, a Netflix criou uma solução de hardware: um disco rígido de US$ 300 que receberia filmes por download. Mas as velocidades baixas – podia levar seis a oito horas para baixar um longa metragem – condenaram essa iniciativa.

O advento do streaming, em oposição ao download, ganhou destaque em 2005 com o sucesso do YouTube. Hastings decidiu que o software, e não o hardware, era a chave para entregar filmes pela web, e promoveu o desenvolvimento de uma tecnologia de streaming de alta qualidade. O preço continuava sendo um problema, porém, e numa medida que deu à Netflix grande vantagem inicial, a empresa decidiu entregar o serviço a seus clientes de venda pelo correio existente. A Netflix tem mais de 16 milhões de assinantes.

A companhia não fornece dados sobre os filmes e programas de televisão mais populares enviados via streaming, mas, como regra geral, os títulos que podem ser enviados instantaneamente não são os que acabam de sair das salas de cinemas ou podem ser pinçados da temporada atual de televisão.

As pessoas que querem rever temporadas passadas de The Office podem fazê-lo instantaneamente, mas, se quiserem ver material da atual temporada – ou qualquer temporada de Mad Men -, estão sem sorte.

‘Temos muito orgulho de anunciar que, por todas as medidas, somos agora uma empresa de streaming que também entrega DVDs pelo correio’, disse Hastings recentemente a analistas de Wall Street.

Igualmente importante é o fato de que a Netflix chegou com um talão de cheques aberto numa época em que a principal fonte de lucro da indústria cinematográfica, a venda de DVDs, estava despencando. O maior cheque veio há alguns meses, quando a companhia gastou quase US$ 1 bilhão em filmes para enviar via streaming de três estúdios de Hollywood – Paramount, MGM e Lionsgate. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

 

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