As novas propostas do Ministério da Educação para facilitar o acesso ao ensino superior de estudantes pobres, índios e negros podem resolver um problema, mas agravam outro: o da entrada dos recém-formados no mercado de trabalho.
As boas intenções do ministro Tarso Genro podem esbarrar numa realidade ainda mais traumática que a exclusão no ingresso à universidade, especialmente nas faculdades de Jornalismo e Comunicação. O alto índice de desemprego de recém-formados nesta área cria uma situação perversa, porque colocar mais gente nas faculdades de Jornalismo e Comunicação, sem revisar os currículos, significa pura e simplesmente transferir o problema da entrada para a saída da universidade.
O ingresso no mercado de trabalho dos recém-formados em Jornalismo e Comunicação é muito mais difícil do que noutras profissões, por conta das mudanças radicais deflagradas pela internet tanto nas empresas jornalísticas como no modelo vigente de transmissão de informação e conhecimento.
Categorias inteiras de jornalistas e comunicadores sucumbiram à inovação tecnológica nas redações e aos cortes de pessoal por conta de crises financeiras. Em compensação, a internet criou uma demanda por toda uma nova gama de profissionais que não existe no mercado e que não é formada pelas universidades.
O surgimento da web está alterando as bases da sociedade contemporânea ao mudar a forma como nos relacionamos com a informação e pelo fato de ela ter se transformado na commodity mais valorizada dos tempos atuais.
Prisioneiros da grande redação
As universidades públicas e privadas do país ainda vêem a internet como um mero instrumento de trabalho, algo para facilitar a vida de jornalistas e comunicadores. Nisto elas se equivalem às empresas jornalísticas que valorizam as novas tecnologias apenas pela sua capacidade de reduzir a folha salarial.
As empresas já começaram a sentir na carne que a internet está mudando muito mais do que a planilha de custos. Todo o modelo jornalístico está balançando, só que a inércia predominante na direção dos grandes veículos de comunicação dificulta a capacidade de seus diretores de ‘pensar fora da caixa’, como dizem os americanos.
Já as universidades são o espaço privilegiado para ‘pensar fora da caixa’ porque não têm os mesmos condicionamentos burocráticos e financeiros. Mas elas continuam agarradas aos valores tradicionais na comunicação.
A maioria dos cursos de Jornalismo ainda não se libertou da cultura da grande redação, do jornalismo de cima para baixo, do mito do furo, do direito autoral, da primazia do impresso e a recusa em encarar os dilemas colocados pela narrativa não-linear e pela edição multimídia, por exemplo. A web ainda é vista como um grande playground eletrônico por muitos dos nossos dirigentes universitários.
Regra de ouro
São raros os cursos que discutem em salas de aula os novos teóricos da comunicação online, como Howard Rheingold, Manuel Castels ou Pierre Lévy. A maioria dos catedráticos torce o nariz para estes autores, enquanto a garotada os discute animadamente em chats, fóruns e blogs.
A web está cheia de novas teorias e modalidades de jornalismo, como o de código aberto, o online e o participativo. Mas, nas salas de aula ninguém discute narrativa não-linear, infodesign, convergência digital ou edição multimídia, apesar de serem questões como estas que definirão quem vai conseguir ou não emprego depois de formado, daqui a uns cinco anos.
As faculdades demoram em dar-se conta de que o processo de aprendizado foi posto de pernas para o ar pela internet. Hoje não dá mais para você conhecer a teoria antes dos problemas. A realidade quotidiana nos coloca tantos desafios novos por conta da evolução frenética de tecnologias que nós fomos obrigados a inverter o processo. Temos o problema e buscamos a teoria capaz de resolvê-los. Mas a maioria de nossas aulas ainda é expositiva e discursiva.
A avalanche informativa inviabilizou o conhecimento enciclopédico do catedrático dono do saber. Hoje podemos, no máximo, colecionar endereços de páginas onde estão os dados, a informação e o conhecimento, diante da impossibilidade física de memorizá-los. Os cursos de Comunicação estão demorando muito em dar-se conta de que, como tudo é novo na comunicação pela internet, a regra de ouro é pesquisar, experimentar, compartilhar e discutir. Os novos manuais de estilo para o jornalismo online não vão sair de uma mente privilegiada e nem as técnicas de narrativa não-linear serão fruto do trabalho de um grupo de iluminados.
Sem modelo de currículo
Toda a produção em áreas como estas terá que ser testada e desenvolvida de forma compartilhada. É ai que entra a universidade, porque as empresas não podem fazer isso. Elas já têm demasiados problemas para operacionalizar e administrar a frenética renovação de tecnologias.
O descompasso entre o ensino superior e o mercado de trabalho na área da comunicação e jornalismo afeta diretamente alunos, professores e os próprios profissionais. Os alunos porque pagam por um diploma que vai valer pouco ou quase nada na hora de procurar trabalho. Os professores assistem impotentes ao aumento da evasão escolar e da inadimplência (no caso dos cursos privados), ambos fatores potencialmente geradores de desemprego. Enquanto os profissionais, que tentam se manter no mercado de trabalho, passam a enfrentar enormes dificuldades para reciclar conhecimentos por conta da angustiante carência de cursos de especialização minimamente qualificados.
Ainda não existe um novo modelo de currículo para as escolas que formarão os profissionais que trabalharão nos novos veículos de comunicação que surgirão da crise atual. A única coisa que parece mais ou menos clara é que profissionais, alunos e professores terão que achar juntos a solução. Nossos destinos estão irremediavelmente vinculados, o que por si só já é um fato para lá de inovador.
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Jornalista, consultor de comunicação e estudioso de mídia eletrônica