Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Na Venezuela, Lula mantém discurso contra imprensa

TERÇA-FEIRA, 14/11


Na Venezuela, Lula mantém discurso contra imprensa


Leticia Nunes


Leia abaixo os textos desta terça-feira selecionados para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Terça-feira, 14 de novembro de 2006


LULA E A IMPRENSA
Eliane Cantanhêde


Papai Noel que se cuide


‘BRASÍLIA – Definitivamente, Lula não pode ver um palanque que se aboleta nele e sai deitando falação. Pode ser para brasileiro, para chinês ou para inglês ver, não importa. Ontem, foi para cerca de 20 mil venezuelanos, em Ciudad Guayana, onde inaugurou a ponte do rio Orinoco, empreendimento de US$ 1,2 bilhão com financiamento do BNDES à Odebrecht.


Em tom de campanha, agora pela re-re-reeleição de Chávez, Lula recuou no tempo, de volta ao primeiro e ao segundo turnos aqui do Brasil, reclamando da… imprensa. E justamente na semana seguinte à descoberta de que a Polícia Federal quebrou o sigilo de telefones da Folha, apesar de Lula falar em lua-de-mel com a mídia e de prometer uma entrevista coletiva como deve ser, com princípio, meio e fim.


Ao lado de Chávez, ele pegou pesado, comparando a imprensa do Brasil com a da Venezuela -tão dividida e radicalizada, contra e a favor do governo, como o próprio processo político no país chavista.


Foi uma péssima comparação. Os assessores de Lula devem estar arrancando os cabelos. Unindo o ‘fortão’, que saiu do nada e virou presidente, ao ‘fraquinho’, sempre vítima das elites, Lula também se lamentou dos bancos e das empresas privadas, que encheram as burras no governo petista, mas, se pudessem, votariam mesmo é nos seus adversários. Uns baita ingratos, esses bancos e essas grandes empresas.


Para Lula, tanto ele como Chávez são vítimas de ‘preconceito’ e de ‘incompreensões’. Muita gente, porém, acha que a grande vítima de preconceito e de incompreensão é outra: o Papai Noel, coitado, que é inofensivo, bonachão e bom de promessas, mas acaba de ser banido por Chávez do Natal da Venezuela.


Se é da elite, que ponha as barbas de molho por aqui também.


É de chorar de rir. Ou é de rir de tanto chorar?’



Pedro Dias Leite


Lula critica elite, imprensa e banqueiros e elogia Chávez


‘Em um comício para cerca de 20 mil pessoas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem, em Ciudad Guayana, na Venezuela, que ele, assim como seu colega Hugo Chávez -que teria sido ‘agredido’ por um certo ‘tipo de meio de comunicação’- é vítima de ‘preconceito’ e ‘incompreensões’.


Mesmo após dizer que não daria ‘palpite’ na política venezuelana, o brasileiro fez campanha para Chávez, tratou o venezuelano como reeleito, se comparou mais de uma vez ao amigo e afirmou haver um grupo de governantes alinhados eleitos na América Latina -que, na sua opinião, ganhou mais um aliado, o sandinista Daniel Ortega, que voltará ao poder na Nicarágua após 16 anos.


‘Vim aqui em 2003. ‘Hace’ três anos, esta ponte estava apenas começando. Depois fui a Caracas e vi a televisão. E voltei ao Brasil dizendo a mim mesmo que jamais tinha visto um comportamento de um tipo de meio de comunicação agredindo um presidente da República como tu foste agredido. Eu jamais imaginei que isso pudesse acontecer no Brasil. E aconteceu o mesmo’, discursou Lula em português, enquanto um brasileiro fazia a tradução simultânea para o espanhol. ‘A coisa que mais consolidou a minha consciência de que nós estávamos certos é que o povo reagiu no momento certo’, disse o presidente.


No discurso, Lula voltou a atacar as elites, criticar os banqueiros e dizer que governa para o povo mais pobre. ‘Sei que tem eleições dia 3 [de dezembro]. Não sou venezuelano, não posso dar palpite na política da Venezuela. Não vou falar por uma questão muito simples. Aqui neste país acontece exatamente o mesmo que acontece no Brasil’, disse, aos gritos de ‘Lula, Lula, Lula’.


‘Eu conheço o tipo de críticas que fazem a você, é a mesma crítica que faziam a mim. Os banqueiros ganharam muito dinheiro no Brasil e sem dúvida ganham muito aqui também. Alguns empresários ganham muito dinheiro aqui, como ganharam muito dinheiro lá. Mas, se tiverem de fazer uma opção entre você e um outro lá que seja mais próximo deles, não tenha dúvida de que o preconceito fará com que eles estejam do lado de lá’, disse Lula.


Inauguração


Antes do discurso, Lula desfilou em carro aberto com Chávez sobre a ponte de 3,2 quilômetros sobre o rio Orinoco. A obra foi construída pela empreiteira Odebrecht.


‘Desde julho eu estava para vir aqui para a inauguração da ponte, por conta da legislação brasileira [que proíbe esse tipo de ato durante a campanha eleitoral]’, disse Lula. Questionado se na Venezuela podia fazer o que não pôde no Brasil, afirmou que ‘deve permitir, senão não estaríamos aqui’.


Apesar do comício eleitoral que se seguiria, Chávez afirmou que aquilo não era campanha, mas ‘integração, estratégia’.


‘Aqui, como no Brasil, muitas vezes somos vítimas de incompreensões, de pessoas que governaram os nossos países durante séculos e séculos e que não aceitam alguém que pense diferente, que queira cuidar do povo. Eles se habituaram a governar o país para 30% da população’, disse o petista.


Gabrielli


Eduardo Campos (PSB), governador eleito de Pernambuco que acompanhou o presidente na viagem à Venezuela, disse ontem que Lula sinalizou que vai manter o presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli.


Isso ocorreu quando ele conversou com Lula, no final de outubro, sobre um projeto em Pernambuco entre a estatal brasileira e a venezuelana. Lula o teria orientado a discutir a questão com Gabrielli, o que Campos considerou um sinal de que ele ficará no cargo.’



Folha de S. Paulo


Petista chama venezuelanos de bolivianos


‘O presidente Lula se confundiu e chamou os venezuelanos que aguardavam seu discurso de ‘homens e mulheres da Bolívia’. Foi corrigido pelo tradutor, e consertou a fala, dirigida aos ‘homens e mulheres da Venezuela’.


A confusão lembrou gafes famosas, como a cometida pelo então presidente dos EUA, Ronald Reagan, em sua visita ao Brasil, em 1982. Durante jantar em Brasília, Reagan levantou-se e ofereceu um brinde ao ‘povo da Bolívia’.


Em abril de 1997, o primeiro-ministro da Espanha, José Maria Aznar, chamou duas vezes o Brasil de Portugal e, em novembro do mesmo ano, durante visita de Fernando Henrique Cardoso à Guiana Francesa, o presidente da França, Jacques Chirac, disse que estava feliz em receber ‘o presidente do México’.


Antes do comício de ontem, houve confusão e políticos, diplomatas e empresários brasileiros que estavam com Lula tiveram de deixar seus veículos e andar 20 minutos, sob sol forte, até chegar à ponte onde aconteceria a cerimônia. A dois quilômetros do local, o trânsito parou.


‘O engarrafamento fez com que a gente fizesse a caminhada, relembrando a campanha no Brasil’, disse Eduardo Campos (PSB), governador eleito de Pernambuco. Até Emílio Odebrecht, dono da construtora que ergueu a ponte bilionária, teve de caminhar. De boné, tomava água para se refazer.’




Relação entre governo e mídia vive turbulência


‘No primeiro pronunciamento após ser reeleito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse querer melhorar sua relação com a imprensa e prometeu dar mais entrevistas, a começar por uma coletiva.


Duas semanas depois, ainda não houve coletiva. Em vez disso, ocorreu, nas palavras do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça), um ‘acirramento’ nas relações entre governo e imprensa.


Em Brasília, jornalistas foram agredidos por militantes do PT. O presidente da sigla, Marco Aurélio Garcia, defendeu uma ‘auto-reflexão’ da mídia, embora tenha ressalvado a importância da liberdade de imprensa. Indagado sobre uma possível reestruturação do PT, disse aos jornalistas que ‘cuidassem das suas Redações’.


Nos dias subseqüentes à eleição, três jornalistas da revista ‘Veja’ foram chamados para depor na Polícia Federal. Responsáveis por reportagem relatando um suposto encontro entre Freud Godoy e Gedimar Passos na sede da PF, eles disseram ter sido intimidados por um delegado.


Na semana passada, a Folha revelou que, no inquérito do dossiê, a PF pediu a quebra do sigilo de um telefone da Folha e do celular de uma repórter do jornal. A PF diz que não sabia que os telefones eram da Folha e que, após constatar a origem, não os investigou. Um relatório sobre as ligações de Gedimar, porém, inclui os telefonemas da Folha.’



TODA MÍDIA
Nelson de Sá


‘Como é possível?’


‘As colunas de investimentos de ‘Observer’ e ‘FT’, ecoando ‘Le Monde’ dias antes, foram entrevistar ‘o mercado’ e ele se derramou pela América Latina. ‘Os investidores estão aplaudindo o progresso de países como Brasil e México.’ Até ‘apenas cinco anos atrás’ a rotina era saltar ‘de crise inflacionária a dramática desvalorização’, mas ‘nos últimos anos eles bateram até tigres asiáticos’. E ‘mais bons tempos vêm aí’.


Já o ‘Financial Times’, dizendo que ‘os temores da onda à esquerda se confirmaram’, pergunta ‘então como é possível que os mercados tenham tido melhor performance que qualquer outra região do mundo?’. Sublinhando que Brasil e México ‘dobraram’, explica que ‘a onda populista foi mais responsável do que se temia’. Mas ‘persiste o fato de que o crescimento do mercado foi alcançado [na região] sem crescimento econômico particularmente forte para sustentá-lo’.


­VIVA EL CAPITALISMO!


O ‘Observer’ registra que a Nicarágua, apesar de Daniel Ortega ‘insistir que mudou’ e deixou ‘para trás seus dias de revolucionários’, é vista com ‘ceticismo pelos investidores’.


Não por Álvaro Vargas Llosa, no artigo ‘Viva o Capitalismo!’, ontem no ‘New York Times’ (ilustração à dir.). Ele ironiza como Oliver North desceu em Manágua dias atrás e pediu aos nicaragüenses que votassem no Partido Liberal Constitucionalista, dos ex-contras, contra Ortega. Só que eles ‘há sete anos são aliados dos sandinistas’. Ortega ‘traiu seu próprio credo’ e, católico como nunca, se casou no ano passado ‘em cerimônia presidida por seu velho inimigo, o cardeal Miguel Obando’. Ele agora quer investimentos ‘contra a pobreza’, não desapropriação. Está mais para a ‘esquerda vegetariana’ de Brasil, Chile, Panamá e Uruguai que para a ‘carnívora’, da Venezuela.


NEOPRAGMÁTICOS


Richard Lapper, editor de América Latina do ‘FT’, avalia que os EUA pós-eleição vão ‘mudar para o pragmatismo’ na relação hemisférica. O primeiro sinal viria na Nicarágua, ‘onde devem tentar negociar com os sandinistas’.


O outro sinal de abordagem menos ‘ideológica’, noticiado sexta-feira pelo ‘USA Today’, foi a suspensão do veto aos treinamentos militares conjuntos com 11 países da região -que vinham se aproximando da China, para sua defesa.


IOWA E O BRASIL


A coluna de política externa do ‘Valor’ avalia que é ‘precipitado afirmar que os EUA saíram mais protecionistas das eleições’. A relação comercial dos EUA com o Brasil, ‘como disse a representante comercial Susan Schwab ao ministro Celso Amorim’ dias atrás, já seria ‘bipartidária’.


Mas a vitória dos democratas em Iowa, Estado-chave, ainda pode levar a Casa Branca a uma lei agrícola (farm bill) ‘retrógrada’ em 2007.


DA CHINA


Sombra regional para os EUA, até mesmo militar, a China da montadora Chery ‘fará carros no Uruguai e mira Brasil’, como destacaram o ‘Valor’ na sexta-feira e o ‘Wall Street Journal’, ontem.


No ‘WSJ’, o título diz que a China ‘mira América Latina’ -e o texto registra que também a Índia da Tata Motors fará carros na região, na Argentina. E ambos um dia ‘poderão exportar ao mercado americano’, notou o ‘WSJ’.


BOOM DOS BRICS


Tem mais. Segundo o ‘WSJ’, em reportagem de primeira página, também ontem, a japonesa Toyota, que já é a segunda montadora do mundo e se prepara para passar a General Motors, anunciou num ‘documento confidencial’ que as suas prioridades na próxima década são os quatro países ditos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China).


O planejamento prevê novas fábricas e até um modelo de baixo custo, só para saciar o ‘boom dos emergentes’.


A BATALHA


Mais do ‘FT’, sob o título ‘A batalha pelas telecoms brasileiras’, sobre o que pode resultar do atual confronto:


– E então, quem sabe, a Telemar e a Brasil Telecom poderiam se fundir. Isso criaria uma operadora capaz de desafiar a Telefónica, da Espanha, e as companhias de propriedade de Carlos Slim, do México, hoje voltados a dividir entre elas duas as telecoms latino-americanas.


DEZINHO


Fátima Bernardes, em nova fase: ‘Começou o julgamento de Wellington Silva, acusado de, contratado por fazendeiro, assassinar o sindicalista Dezinho. Trabalhadores rurais do Pará acompanham.’’



RÁDIO
Folha de S. Paulo


Clear Channel pode receber oferta de compra


‘O grupo Clear Channel, que tem 1.150 estações de rádio nos Estados Unidos, receberia ontem propostas de compra de dois consórcios de capital fechado, de acordo com fontes ouvidas pela Reuters.


A empresa, que tem valor de mercado de mais de US$ 17 bilhões, disse no mês passado que estava avaliando opções estratégicas. Deveriam fazer ofertas um consórcio formado por Providence Equity Partners, Blackstone e KKR e outro formado por Bain Capital, Thomas H. Lee Partners e Texas Pacific Group.’




TV
Daniel Castro


Globo cobra ‘ética’ do futebol e da Record


‘A Globo considera antiético o movimento de clubes para rediscutir o contrato de transmissão dos campeonatos Paulista de 2008 a 2010 depois que a Record ofereceu uma proposta financeiramente melhor.


Hoje, os times do Estado irão discutir o contrato da Globo e a proposta da Record em uma reunião marcada para as 11h na Federação Paulista de Futebol.


A Globo reclama que não há mais nada a discutir, porque o contrato para 2008 a 2010 já está pronto, aprovado em assembléia e assinado por quase todos os clubes, menos o São Paulo e mais dois.


Por esse contrato, a Globo deve pagar cerca de R$ 30 milhões por cada campeonato. Mas a Record, há duas semanas, fez uma proposta em que se propõe a pagar até R$ 60 milhões por ano. Boa parte dos clubes paulistas querem agora que a Globo pague o valor proposto pela Record.


Octavio Florisbal, diretor-geral da Globo, não acha ético refazer um negócio que já estava certo. Ele identifica no São Paulo o principal foco de resistência e se reunirá nesta semana com Juvenal Juvêncio, presidente do clube. Para a Globo, o São Paulo ainda não assinou por influência de Júlio Casares, que é diretor de marketing do clube e diretor de projetos especiais da Record.


Casares nega que esteja participando das negociações e diz que seu clube ‘não assina contratos a toque de caixa’.


NOVELA AO VIVO 1 A internação de Nair Bello desfalcou a novela ‘Pé na Jaca’, que estréia na próxima segunda com apenas seis capítulos gravados, metade do ideal.


NOVELA AO VIVO 2 Ricardo Waddington, diretor-geral de ‘Pé na Jaca’, teve de convocar Arlete Salles às pressas para substituir Nair. ‘Ela [Arlete] aceitou o convite sem perguntar nada’, elogia Waddington. Nesta semana, Arlete irá gravar cenas dos oitos primeiros capítulos, algumas delas já feitas por Nair.


NOVELA AO VIVO 3 Carlos Lombardi, autor da novela, diz que não terá tempo de reescrever as cenas da personagem agora assumida por Arlete. Mas o pior, diz ele, é estrear às vésperas do Natal, quando a audiência cai.


NAS BANCAS 1 O apresentador Amaury Jr. e a editora Escala vão protagonizar uma disputa judicial pelo título da revista ‘Flash’. Amaury notificou a editora na última sexta que está deixando a revista e que a publicação deve ser ‘descontinuada’, como prevê contrato entre ambas as partes.


NAS BANCAS 2 A editora nega ter sido notificada. E afirma que a revista continuará indo às bancas, mas agora quinzenalmente e sem a assinatura de Amaury no título.


SEM TRUQUE A Record resolveu incluir os domingos nos números de audiência que divulga comemorando o segundo lugar no Ibope, à frente do SBT. Na semana passada, a Record venceu o SBT de segunda a domingo, mas nem sempre isso ocorre.’




O NASCIMENTO DO TRÁGICO
Rafael Cariello


A filosofia da tragédia


‘O novo livro do filósofo Roberto Machado, 64, ‘O Nascimento do Trágico – De Schiller a Nietzsche’ (Jorge Zahar Editor, 280 págs., R$ 38), dá o que pensar: sobre a filosofia moderna e sua relação com a tragédia grega, explicitamente, e, indiretamente, sobre a falta de criatividade de boa parte da filosofia brasileira.


O professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) afirma que, na modernidade, a tragédia deixa de ser apenas uma das espécies do teatro e passa a ser central para o modo como os filósofos entendem não só os dilemas do homem moderno mas também a própria constituição do mundo, do Ser.


‘A questão da oposição, da contradição de princípios é um aspecto essencial dessa concepção ontológica da tragédia, isto é, da concepção de que a tragédia diz alguma coisa que tem a ver com o próprio ser ou com a totalidade dos entes, do que é, do que existe’, afirma.


O que ele diz ter ‘ousado’ fazer neste trabalho, ao abarcar um século de pensamento alemão, é tentar ser mais ‘extenso’ que ‘profundo’, marca segundo ele dos próprios filósofos estudados -e limite da filosofia brasileira.


Ele diz que o ‘modelo da USP’ dos anos 60 -de resto em prática na maioria dos programas de pós-graduação em filosofia do país hoje- privilegia a extrema especialização, o que cria dificuldades para que se pense criativamente. ‘Caímos numa perspectiva de especialistas num período, num autor, e até mesmo num livro.’


FOLHA – Por que o trágico é um tema e um problema para os modernos? Por que se ocuparam dele a partir de Kant, mas parece ter sido um problema menor no período anterior, entre Descartes e Kant?


ROBERTO MACHADO – A posição que defendo em ‘O Nascimento do Trágico’ é que só na modernidade -entendida como o período que começa com Kant- houve uma reflexão sobre o trágico. Para isso, valorizei a diferença entre uma ‘poética da tragédia’ que, inaugurada por Aristóteles, se impôs até o século 18 como um estudo formal, analítico e classificatório da poesia, e uma ‘filosofia do trágico’ que, formulada por pensadores como Schelling, Hegel, Hölderlin, Schopenhauer e Nietzsche, elaborou uma reflexão sobre a essência do trágico a partir do conteúdo da tragédia. Minha preocupação foi mais apresentar o ‘como’ do que o ‘porquê’ dessa transformação. Tentei mostrar que isso se deve muito a Kant. Não que ele tenha sido um pensador do trágico, longe disso, mas sim que, logo após sua terceira ‘Crítica’, onde se encontra a estética, que analisa o belo e o sublime, Schiller, que foi um grande kantiano, retomou a teoria do sublime e, a partir dela, pensou o trágico.


FOLHA – Dá para dizer que o que unifica esses pensadores é que neles há sempre dicotomias, ao mesmo tempo que não é em todos que há dialética?


MACHADO – Exatamente. A idéia que expus é que o trágico, a partir de Schelling, é sempre pensado ontologicamente. Mas fui além disso, defendendo que a questão da oposição, da contradição de princípios é um aspecto essencial dessa concepção ontológica da tragédia, isto é, da concepção de que a tragédia diz alguma coisa que tem a ver com o próprio ser, com a totalidade do que é, do que existe. Trata-se, portanto, sempre de princípios ontológicos que estão numa atitude antagônica, uma atitude de oposição. Acontece, porém, que esse antagonismo pode levar a uma harmonia, a um reconhecimento, a uma reconciliação, como é o caso em Schelling, Hegel e no primeiro Hölderlin, mas também pode levar a uma afirmação da dualidade ou da oposição, sem reconciliação dialética.


FOLHA – Pode-se dizer que o pensamento sobre o trágico é fundamental para todos esses filósofos, ou ele está em Hegel, por exemplo, mas não de maneira central?


MACHADO – É possível detectar duas posições a esse respeito. Em Schiller e Hölderlin, por exemplo, que são mais poetas e dramaturgos do que filósofos, há uma visão do trágico que faz parte da própria visão de mundo que eles têm. Já em Hegel, o trágico é um momento de um processo histórico que vai além do trágico. Ele situou a visão trágica numa perspectiva histórica. Isso começa a mudar com Schopenhauer, pois a respeito dele é possível falar já de uma visão de mundo trágica.


Essa relação entre trágico e tragédia vai explodir completamente em Nietzsche, quando ele elabora uma visão do trágico independente do teatro e da tragédia. Por isso, considero Nietzsche o ápice de todo esse processo de formação de uma visão trágica do mundo. No último período de sua filosofia, ele dirá: ‘Sou o primeiro filósofo trágico; os próprios gregos ainda foram moralistas’. Isso significa um deslocamento da temática do trágico do campo da arte para a própria filosofia como uma forma de pensamento que elabora uma visão trágica do mundo.


Enquanto Schiller criou o trágico como um conflito entre os instintos e a liberdade, conflito que acarreta a afirmação da liberdade moral, apesar das condições mais adversas em que o ser humano se encontre, como em sua peça ‘Maria Stuart’, Nietzsche usa a visão trágica do mundo como alternativa ética. O trágico, para ele, se torna uma afirmação integral da vida para além das oposições morais de bem e mal.’



‘Abdicamos de pensar filosoficamente’


‘Para Roberto Machado, país privilegiou especialização extrema e ‘o que mais se precisa na filosofia brasileira é de coragem’


Professor da UFRJ diz que não existe nenhum grande filósofo na história ‘que possa ser reduzido à condição de especialista’


A seguir, Roberto Machado fala sobre a filosofia no Brasil e diz que, ‘em geral, abdicamos de pensar filosoficamente para fazer história da filosofia’. (RC)


FOLHA – O sr. concorda que parece haver pouca criatividade filosófica no Brasil? Qual é a explicação possível para isso?


ROBERTO MACHADO – A pergunta é boa, mas exigiria uma resposta que não sei se sou capaz de dar. De todo modo, o que posso dizer é que o trabalho para esse livro foi muito formador. Porque fui capaz de comprovar, com relação a mim mesmo, uma coisa que considero uma deficiência dos estudos filosóficos no Brasil. Caímos numa perspectiva de especialistas num período, num autor, e até mesmo especialistas num livro.


O que me chama a atenção é que em geral as pessoas restringem o seu universo ao daquele filósofo eleito como um paradigma do que seja filosofar. E não se chega nem ao estudo daqueles com os quais ele tem uma relação profunda.


Uma grande lição que comprovei com esse estudo é que não se começa do nada. Não existe tábula rasa -sempre se pensa a partir do que outros pensaram. O interessante para mim, na leitura desses documentos sobre a tragédia e o trágico, foi a demonstração de que é sempre com pequenas reapropriações, com pequenas torções que, dentro de uma região de idéias já produzidas por outros, se chega a um pensamento novo, diferencial. Um bom exemplo disso é de como Schelling retoma a teoria do sublime de Schiller -profundamente marcada por Kant- numa perspectiva metafísica.


Creio que uma das dificuldades da filosofia brasileira é que em geral abdicamos de pensar filosoficamente para fazer unicamente história da filosofia. A filosofia brasileira, mais ou menos até a década de 60, me parece ter sido marcada por um ensino doutrinário, aquele que privilegia um sistema filosófico como verdadeiro, o expõe como um conjunto de teses e situa, a partir dele, os outros sistemas como erro, desvio, ignorância.


Ora, com a importância que adquiriu a pós-graduação no Brasil, a partir do modelo da USP, para combater esse modelo, representado principalmente pelo tomismo, as pessoas se preocuparam menos em fazer filosofia do que em saber filosofia, em assimilar com rigor a filosofia dos outros. O conhecimento dos filósofos é importante, e até mesmo indispensável, mas a filosofia não pode ser reduzida a isso. O conhecimento da história da filosofia é uma condição necessária, mas não uma condição suficiente para que alguém se torne filósofo.


FOLHA – Esse modelo da USP era explícito, não é?


MACHADO – Sim. É muito fácil você encontrar um filósofo que diga: ‘Não sou filósofo; sou historiador da filosofia’. Defende-se o rigor, mas ousa-se pouco. O que mais se precisa na filosofia brasileira é de coragem. Esse livro que escrevi é mais temático do que monográfico.


Tentei com isso dar uma contribuição, dentro de minhas possibilidades, para a superação dessa fase que, para alguns, já está em andamento no Brasil. Ele não é um livro de especialista. Desses autores todos que estudei, aquele com quem eu tenho mais convivência é Nietzsche. Os outros não. Certamente foi incômodo saber que falava sobre um filósofo que um colega meu estuda há 40 anos. Mas foi uma opção que fiz. Minha ambição intelectual hoje é ser mais extenso do que profundo. Porque senão você aprofunda muito um detalhe e perde a dimensão do geral, tornando-se incapaz de fazer inter-relações conceituais.


FOLHA – Os grandes filósofos da história foram tão extensos quanto profundos?


MACHADO – Exatamente. Não existe nenhum grande filósofo que possa ser reduzido à condição de especialista. Tome Platão, Aristóteles, Kant. Todo grande filósofo se aventurou em muito mais áreas do que compete a um especialista.’




Modernidade privilegiou o trágico


‘Em seu livro, Roberto Machado apresenta a distinção entre ‘poética da tragédia’ e ‘filosofia do trágico’.


Se com Aristóteles a tragédia é tratada como uma das formas específicas de obra de arte poética, com os filósofos modernos -Machado se refere aos pensadores posteriores ao alemão Immanuel Kant (1724-1804)- ela passa a ser vista como ‘expressão de uma sabedoria ou visão do mundo que a modernidade chamará de trágica’.


‘Construção eminentemente moderna’, ele diz, ‘a originalidade dessa reflexão filosófica […] se encontra justamente no fato de o trágico aparecer como uma categoria capaz de apresentar a situação do homem no mundo, a essência da condição humana, a dimensão fundamental da existência’.


Essa ‘condição’ do ser e dos homens será manifestada, do dramaturgo Friedrich von Schiller (1759-1805) até o filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), por meio de oposições de princípios, de contradição, de antagonismos, que podem ou não se resolverem numa síntese que os abarque.


‘Esse privilégio da contradição liga o trágico à dialética’, diz Machado. O exemplo por excelência de dialética -em que a contradição se resolve em harmonia e conciliação- está em Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). ‘A primeira vez que Hegel se referiu a um processo dialético foi em sua primeira interpretação de uma tragédia, no caso a ‘Oréstia’, de Ésquilo.’’




Academia ganhou rigor, mas carece de vigor, diz filósofo


‘Há falta de atrevimento e de vigor na filosofia brasileira, afirma o professor de filosofia da USP Renato Janine Ribeiro.


Como Roberto Machado, ele diz que o método de leitura rigorosa de textos filosóficos praticado na USP nos anos 50 e 60, que privilegiava trabalhos monográficos e especializados, é hoje o modelo de cursos de pós-graduação em filosofia em todo o país.


Ribeiro lembra, no entanto, que tal método, em princípio, foi positivo. ‘Foi uma etapa que talvez tivesse que ter sido necessária. Qual era o contraste que você tinha no Brasil? Uma idéia de filosofia que era muito eclética, muito baseada em generalidades. Então creio que era preciso ter um rigor que foi realmente necessário’, declara.


‘Foi uma coisa positiva, mas trouxe algumas falhas. A área acabou dando importância demasiada à questão dos autores. A discussão de idéias é muito rara na filosofia hoje.’


O problema, continua, é que ‘o método virou princípio’. De todo modo, ele afirma que já havia na prática da filosofia daquele período, quando era aluno, ‘um pressuposto estranho’. ‘Havia uma convicção de que o tempo de filosofar tinha passado.’


Num livro da década de 90, ‘Um Departamento Francês de Ultramar’ (Paz e Terra), o filósofo Paulo Arantes diz que o ‘Método’ (assim, com maiúscula) ‘incluía uma cláusula restritiva severa’: ‘deixemos a filosofia para os filósofos’.


A leitura rigorosa e a análise não-dogmática dos textos tornava a falta de idéias na filosofia brasileira uma questão de método, ou, melhor dizendo, quase um objetivo do método.


‘Quando muito a filosofia, se viesse, viria por acréscimo. De nossa parte, traduzíamos a lição, abrandando-a numa direção meramente profilática: visto que o mal a prevenir era o dogmatismo precoce, cumpria represar, multiplicando os anos de aprendizagem, a natural inclinação especulativa de cada um’, escreve Arantes.


Embora o professor da USP Luiz Fernando Franklin de Matos também veja uma inclinação na filosofia brasileira à excessiva especialização, ele faz ponderações à crítica e aponta exemplos de casamento entre o rigor de leitura e o vigor de pensamento no país.‘Não se torna autônomo em filosofia -e falo de pessoas e países- sem referência à história da filosofia’, diz. ‘Por outro lado, é fato que isso pode gerar excesso de especialização.’


Franklin de Matos cita os colegas Bento Prado Jr. e Marilena Chaui como exemplos de filósofos brasileiros que, debruçando-se com rigor sobre a história da filosofia, foram capazes de serem criativos e apresentarem idéias inovadoras.


‘No seu estudo magistral sobre Espinosa, Marilena não o toma como um fim, mas, por meio dele, coloca problemas novos, da relação entre filosofia e história, e entre filosofia e política’, exemplifica.’



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O Estado de S. Paulo


Terça-feira, 14 de novembro de 2006


LULA E A IMPRENSA
Denise Chrispim Marin


Em campanha por Chávez, Lula diz que foi agredido pela mídia brasileira


‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apoiou ontem publicamente a candidatura à reeleição do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e festejou o retorno de Daniel Ortega, da Frente Sandinista de Libertação, ao poder na Nicarágua. Ao lado de Chávez num palanque, diante de 30 mil pessoas reunidas para a inauguração de uma ponte rodoferroviária em Ciudad Guayana, Lula declarou que, assim como o líder venezuelano, tornou-se ‘vítima da incompreensão e do preconceito’ da imprensa, do empresariado, dos banqueiros e de ex-governantes durante as eleições.


Ontem, o presidente lembrou sua impressão desfavorável, na primeira viagem oficial à Venezuela, em 2003, pelas ‘agressões’ da imprensa local a Chávez. ‘Jamais imaginei que isso podia acontecer no Brasil. E aconteceu o mesmo, querido companheiro’, discursou. Não é a primeira vez que Lula faz críticas à atuação da mídia (ver quadro abaixo).


‘O que mais consolidou a minha consciência de que nós estávamos certos é que o povo reagiu no momento certo. E o mesmo povo que elegeu a mim, que elegeu Néstor Kirchner, o Daniel Ortega, o Evo Morales, certamente irá te eleger presidente da Venezuela’, completou, dirigindo-se a Chávez.


O papel de cabo eleitoral de Chávez, que disputa com o empresário Manuel Rosales a eleição de 3 de dezembro, foi o que marcou a primeira viagem oficial de Lula desde a sua reeleição. Chávez prometeu retribuir a visita, em 7 de dezembro.


‘Neste país acontece exatamente o mesmo que no Brasil. Eu conheço o tipo de críticas que fazem a você. É a mesma que faziam a mim’, discursou Lula. ‘Os banqueiros ganharam muito dinheiro no Brasil e certamente ganham muito aqui na Venezuela. Alguns empresários ganham muito dinheiro aqui, como ganharam muito dinheiro lá. Mas, se tiverem de fazer uma opção entre você e o outro que seja mais próximo deles, não tenha dúvidas de que o preconceito fará com que estejam do lado de lá’, completou o presidente, alheio à presença do empresário Emílio Odebrecht entre os convidados.


Lula disse esperar que a população cobre mais no segundo mandato.’Tenho certeza de que o povo brasileiro, que me deu um voto de confiança, será mais exigente’, afirmou.


Falando de improviso, Lula cometeu uma gafe: referiu-se aos ‘homens e mulheres da Bolívia’. O tradutor, que convertia cada frase para o espanhol, o seguiu literalmente, mas percebeu e corrigiu o erro. Lula ouviu e retomou: ‘…da Venezuela’.


No Brasil, a oposição criticou atitudes e falas do presidente Lula. Líderes do PFL e do PSDB no Senado cobraram que ele ‘desça do palanque’.


‘O que vejo é um cenário de completa paralisia, em que o presidente continua sustentando a retórica do palanque’, criticou Álvaro Dias (PSDB-PR). ‘Lula já gastou quase um ano fazendo campanha eleitoral no Brasil e agora vai fazer campanha na Venezuela’, protestou José Jorge (PFL-PE). ‘A propaganda dele não dizia ‘deixa o homem trabalhar’?’, provocou o pefelista, vice na chapa de Geraldo Alckmin. ‘Pois então, que trabalhe!’


COLABOROU CHRISTIANE SAMARCO’



Para ANJ, Lula quis ‘fazer média’ com Chávez


‘No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva costuma dizer que deve sua carreira política à imprensa, lembrou o vice-presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Júlio César Mesquita. ‘Só se ele agora criticou a imprensa brasileira para fazer média com Chávez’, observou.


O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azedo, e o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo Andrade, consideraram as declarações de Lula inoportunas.


‘Foi um exagero de Lula. O tratamento que a imprensa brasileira lhe tem dado é muito respeitoso, embora em alguns casos tenha havido uma certa agressividade na interpretação de fatos contra o presidente’, comentou Azedo.


Sérgio Murillo criticou a seqüência de episódios que ameaçam a liberdade de imprensa que ocorreram no curto período desde a reeleição de Lula.


‘As autoridades têm a obrigação de não esticar essa corda’, ponderou ele, lembrando que ‘ninguém ganha com essa tensão’.


Mesquita avaliou que Lula pode estar ‘fazendo média’ com Chávez. ‘Quem sabe ele não está sendo diplomático, na ânsia de agradar a seu amigo venezuelano, que detesta a liberdade de imprensa, e fez um discurso adequado ao palco’, disse o vice-presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa da ANJ.


Azedo, numa linha semelhante, disse que a fala de Lula só se explica se o presidente brasileiro tentou produzir ‘certa comoção’ na platéia do comício.’



HUGO CHÁVEZ
Lourival Sant’Anna


Venezuelano vive em guerra com meios de comunicação


‘Hugo Chávez vive em pé de guerra com os meios de comunicação. As emissoras de TV costumam ceder generosos espaços aos políticos da oposição e a analistas críticos ao governo, e pouca ou nenhuma oportunidade aos defensores do presidente. Algumas emissoras de rádio também seguem essa linha, embora não todas. Os dois principais jornais, El Nacional e El Universal, já são bem mais equilibrados, procurando dar espaço a todas as posições – embora seus artigos de opinião sejam em geral críticos ao governo.


Durante a tentativa de golpe contra Chávez, em abril de 2002, seus partidários atacaram edifícios de emissoras de TV. Os jornalistas não podiam sair às ruas. As TVs e a maioria das rádios não noticiaram a reação de ministros, parlamentares e militares leais a Chávez, que retomaram o Palácio Miraflores. Apenas uma emissora de rádio, vinculada à Igreja Católica, que tinha um repórter dentro do palácio, noticiou a reação oficialista. As TVs e rádios se justificaram dizendo que não tinham condições de segurança para trabalhar.


Nas eleições de dezembro do ano passado, algumas TVs se engajaram na campanha de boicote à votação, denunciando fraude. O Nacional e o Universal deram manchetes sobre o boicote. Uma coisa é engajar-se numa campanha; outra, noticiar o que está acontecendo. Chávez e seus auxiliares não fazem essa distinção. Naquela e noutras ocasiões, representantes do governo ameaçaram usar a Lei de Responsabilidade Social do Rádio e da Televisão (Resort), aprovada em 2004, que prevê a cassação das concessões de emissoras que veiculem mensagens consideradas impróprias por um órgão chamado Diretório de Responsabilidade Social, composto por 11 membros, dos quais 7 são nomeados pelo governo. Há poucos dias, Chávez voltou a lembrar as emissoras de que as suas concessões são públicas, e expiram em 2007.


Por outro lado, o governo usa abertamente a estatal Venezolana de Televisión (VTV) para veicular mensagens favoráveis a Chávez e atacar os seus adversários. A estatal só dá espaço para os que apóiam o governo, e exibe longas gravações de Chávez recitando poemas revolucionários, num culto à sua personalidade.


Durante a campanha do ano passado, a VTV exibia um videoclipe em desenho animado com María Corina Machado, diretora da Súmate, uma ONG que luta pela transparência política e liderou o boicote à votação. No clipe, ela se ajoelha diante do Tio Sam e recebe dele ordens e malas de dinheiro. A música diz que ela se vendeu e traiu a pátria. Isso porque a ONG recebeu US$ 53 mil do National Endowment for Democracy, um fundo suprapartidário do Congresso americano que financia projetos para fortalecer a democracia em todo o mundo. María Corina foi processada por ‘traição’ e poderia pegar até 28 anos de cadeia. Esse é o clima na Venezuela.’




MÚSICA DIGITAL
O Estado de S. Paulo


Zune, da Microsoft, chega para desafiar o iPod, da Apple


‘A Microsoft inicia hoje sua investida sobre o mercado do tocador de música digital iPod, da Apple. O Zune, o novo MP3 player da Microsoft, estará à venda a partir de hoje nas lojas dos Estados Unidos, junto com um novo site de download de música, o Zune Marketplace.


A jogada é arriscada para a Microsoft, líder mundial em software, mas pouco presente no setor de entretenimento – com exceção dos videogames Xbox. O iPod, lançado há cinco anos, é um dos maiores êxitos comerciais da década, com 67 milhões de aparelhos vendidos. O aparelho detém cerca de 75% do mercado mundial de tocadores de música digital.


Por isso mesmo, a Microsoft preparou cuidadosamente o lançamento do Zune, que é muito parecido com o iPod e com a maioria dos aparelhos concorrentes, mas que possui algumas funções extras.


Fabricado pela Toshiba, o aparelho dispõe de uma tela de vídeo maior e permite conexão sem fio com outros Zune para a troca de músicas. Mas o destinatário só pode ouvir estas canções ‘emprestadas’ três vezes, para evitar a pirataria.


Outro pilar de sua ofensiva é o lançamento do Zune Marketplace, um site de download de músicas com vários milhões de títulos, que só podem ser baixados por um Zune. A Apple controla hoje 50% do mercado de download de música nos Estados Unidos através do site iTunes, que só funciona com o iPod.


O Zune Marketplace oferece por enquanto 2 milhões de canções, contra 3,5 milhões do iTunes. Nas últimas semanas, a Microsoft lançou várias iniciativas para ganhar espaço no setor, convidando influentes especialistas de música independente e que têm blogs para testar o Zune, e convocando estudantes para promovê-lo.


Também chegou a um acordo com uma das quatro grandes gravadoras, a Universal Music, para, em troca de todo seu catálogo, pagar uma porcentagem sobre as vendas do Zune, além dos direitos autorais das canções baixadas.


A Microsoft joga assim com a hostilidade das gravadoras em relação ao iPod, que é utilizado para copiar CDs, o que representa uma perda que a venda de música pela internet está longe de compensar. Esperado há meses, o Zune já é o assunto do dia na rede e tem analisados suas vantagens e defeitos em relação ao iPod. O tom geral é um pouco cético, e o Zune é considerado menos atraente que o iPod.


Segundo as opiniões, apesar de sua facilidade de emprego, potência e algumas inovações, será difícil para o Zune competir com o modelo ultrafino iPod Nano, ícone de toda uma geração.


Custando US$ 250, o Zune compete diretamente com os iPod com uma capacidade de 30 gigabytes (7 mil músicas), mas é um pouco mais caro que o iPod Nano mais comum (US$ 150 a US$ 200), de uma capacidade inferior a 8 gigabytes (2 mil músicas).


‘O Zune deve roubar principalmente porções de mercado dos competidores da Apple, como Creative, Samsung ou Sony. Se conquistar 2% do mercado, já será um êxito’, comentou Ted Schadler, analista da Forrester Research.


O Zune, no entanto, não é a prioridade da Microsoft, que se prepara para lançar seu novo sistema operacional, o Windows Vista, um setor que representa mais da metade de seus lucros e onde a empresa reina com mais 90% dos computadores mundiais.’



MERCADO DE TV
Gerusa Marques


Lei pode criar reserva de mercado na televisão


‘A Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara dos Deputados está retomando a discussão de um projeto de lei de autoria do deputado Luiz Piauhylino (PDT-PE) que cria dificuldades para a entrada de novas empresas nos mercados de programação e produção de conteúdo de TV. O relator do projeto, deputado Nélson Marquezelli (PTB-SP), apresentou ontem à Comissão seu substitutivo, que estende a esses setores a limitação da participação de capital estrangeiro a 30%, prevista na Constituição para as empresas de radiodifusão.


A discussão sobre distribuição e produção de conteúdo, como a veiculação de programas de TV pelo celular ou pela internet, ganhou força com a iminência da implantação da TV digital no Brasil. O avanço tecnológico permitiu a convergência entre televisão, internet e telefonia e acirrou a disputa desses segmentos por novos mercados e novas receitas.


Essa movimentação já despertou no governo a necessidade de criar regras para o setor, tanto que a Casa Civil vem trabalhando em um projeto de Lei de Comunicação de Massa que deve ser encaminhado ao Congresso no início de 2007. Os parlamentares, no entanto, anteciparam a discussão com o projeto do deputado Piauhylino e uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do senador Maguito Vilela (PMDB-GO) que trata do mesmo assunto.


As propostas, se aprovadas, vão beneficiar grandes corporações que já atuam na produção de conteúdo, como os grupos Globo, Bandeirantes, Record e SBT, que terão seus mercados preservados. E cria obstáculos para as empresas de telefonia e TV a cabo, que têm grande participação de capital estrangeiro no seu capital.


Essa proibição era mais explícita no texto original, que foi modificado no substitutivo. O projeto de Piauhylino vedava às empresas de telefonia e suas controladas e controladoras a possibilidade de produzir, programar ou prover conteúdo nacional ou prestar serviço de provimento de acesso à internet.


O artigo 2º do substitutivo mantém a limitação ao prever que a produção, programação e provimento de conteúdo nacional, distribuído por qualquer meio eletrônico, ‘somente poderão ser explorados por brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou por pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras, nas quais ao menos 70% do capital deverão pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos’.


Marquezelli disse ao Estado que seu substitutivo não tem a intenção de restringir o mercado de produção e sim o objetivo de defender a soberania nacional e de proteger a cultura e a identidade brasileiras. Segundo ele, a apresentação de seu parecer é para provocar a discussão.’



JAMES BOND
Luiz Carlos Merten


O nome é… Daniel Craig


‘Seu sorriso é contagiante, os olhos brilham de entusiasmo, mas Daniel Craig vive um momento difícil. Na entrevista ao repórter do Estado, no fim da semana passada, no Regency Hotel de Nova York, ele reconheceu que há um movimento dos fãs de 007 para desautorizá-lo na pele do herói criado pelo escritor Ian Fleming. Daniel reclama – ‘Acho que estão sendo injustos comigo. Peço apenas que me dêem uma chance. Desde que me anunciaram no papel, foram criados sites na internet e comunidades no orkut de gente que detesta Daniel Craig. Dizem que sou feio e loiro, que não posso ser James Bond. Provavelmente nunca leram os livros de Ian Fleming, ou ficaram muito presos à imagem de Sean Connery. Só peço que vejam o filme.’


Jornalistas de todo o mundo já viram Cassino Royale nos junkets – encontros promovidos por empresas distribuidoras para divulgar grandes produções – realizados em Nova York, Londres e na Cidade do México. Hoje, termina o suspense para o público. Na capital inglesa, Daniel Craig pisa no tapete vermelho (red carpet) para a estréia mundial de Cassino Royale. Na sexta, o filme dirigido por Martin Campbell, que já havia feito 007 contra Goldeneye, com Pierce Brosnan, em 1995, toma de assalto milhares de salas nos EUA. Dia 15 de dezembro, chega ao Brasil, no megalançamento de Natal promovido pela Sony, que agora distribui internacionalmente a marca 007.


É um tempo de mudanças para o herói que virou ícone do cinema de ação, a partir dos anos 60. Não é só o ator que muda. A distribuição internacional muda também. E isso atinge o mercado de DVD. Dia 22, chega às lojas de todo o Brasil a supermaleta Premium com os 20 filmes anteriores da série oficial (leia na pág. 3). A marca 007 pertencia à Metro, mas foi adquirida pela Fox, que possui os direitos para DVD só dos filmes antigos. Quanto ao novo, após a ‘janela’ regulamentar de três a quatro meses, Cassino Royale também chegará às locadoras, distribuído pela Sony.


Em 1967, Lewis Gilbert fez, com Sean Connery, um filme que tinha o sugestivo título de Com 007 Vive-se Duas Vezes. Na verdade, Connery viveu o papel cinco vezes (O Satânico Dr. No, Moscou contra 007, 007 contra Goldfinger, 007 contra a Chantagem Atômica e o citado Com 007 Vive-se Duas Vezes). Achando que o personagem o sufocava como ator, Connery rompeu com o herói que lhe deu projeção, mas voltou a ele mais duas vezes, uma na série oficial (007 – Os Diamantes São Eternos) e outra fora (Nunca Mais Outra Vez). Outros atores também viveram 007 – George Lazenby, Roger Moore, Timothy Dalton, Pierce Brosnan. Daniel Craig é, portanto, o sexto James Bond do cinema, se for computada somente a série oficial produzida por Harry Saltzman e Robert Broccoli e agora conduzida por Michael G. Wilson e pela filha de Robert, Barbara Broccoli.


O próprio Daniel Craig não faz segredo de que prefere Sean Connery a todos os demais intérpretes do papel que agora lhe cabe. ‘Não se trata nem de reconhecer que ele é um ator superior; Sean formatou o personagem e só isso já faz dele uma referência para todos nós.’ Aos que o criticam por ser tão diferente de Connery, ele lembra – ‘Ian Fleming inicialmente foi contra a escolha dos produtores de Dr. No. Dizia que Sean (Connery) era muito ‘working class’ (representante da classe trabalhadora) para usar smoking e tomar martini de forma convincente.’ Connery impôs o personagem, é verdade que beneficiado pelas transformações que ocorriam no cinema dos anos 60, quando Hollywood arquivou o Código Hays de (auto)censura da indústria e sexo e violência ganharam maior liberdade na tela.


James Bond foi sempre uma fantasia no imaginário de leitores e espectadores de todo o mundo. Os mais velhos hão de se lembrar que 007 virou ícone depois que o presidente John F. Kennedy confessou que ele era seu herói favorito. Kennedy, como o 007, não podia ver rabo de saia. Esqueça agora tudo o que viu ou sabe sobre Bond. A abertura dos créditos é a mesma – o tiro disparado e visto do ângulo da vítima, a tela que vira animação e se tinge de vermelho. O que se segue é diferente. Em Cassino Royale, você vai ver a gênese de 007. Houve, com o mesmo título, nos anos 60 – e fora da série oficial -, a paródia dirigida, entre outros, por John Huston e que tinha entre seus roteiristas e atores um certo Woody Allen, engatinhando no cinema. A nova versão volta no tempo e mostra 007 iniciando-se na carreira de agente com licença para matar.


Ele comete um erro. M (Judi Dench) comenta que talvez o tenha promovido cedo demais. E comete outro erro – apaixona-se pela sexy Eva Green. É outra mudança importante da série. Eva não é uma bondgirl, papel que cabe a Caterina Murino. Eva é a primeira bondwoman de toda a série. ‘É muita mudança para o público absorver’, afirma Daniel Craig. Um novo ator, um 007 apaixonado, a primeira bondwoman. Ele sabe que Barbara Broccoli nunca pensou em outro ator para o papel. Foi ela que bancou sua escolha, sob o argumento definitivo de ‘sou mulher, sou a produtora, eu sei’. Daniel Craig era, até então, coadjuvante de filmes como Munique, de Steven Spielberg – que defende com paixão. ‘É preciso muita coragem para fazer um filme com esse grau de indagação humanística, em relação a um assunto tabu como o direito de Israel à retaliação e num contexto como o dos EUA, após o 11 de Setembro.’


Entre a assinatura do contrato e o início da filmagem, ele teve pouco tempo de preparação – pouco mais de um mês. Ainda bem que, como diz, estava em forma. Tão em forma que, desta vez, o diretor Campbell inverte cenas famosas de Ursula Andress e Halle Berry e é Craig quem sai da água, numa exígua sunga. ‘Se não estivesse fisicamente em condições, não conseguiria fazer as cenas de ação, que foram muito puxadas.’ Tanto quanto possível, ele fez questão de participar de cenas perigosas, dispensando dublês. Nas cenas de sexo, é ele – qual seria a graça, se houvesse substituição? E ele ri. As cenas dramáticas é que justificam sua escolha. James Bond apaixonado fica vulnerável, não fraco. É preciso um verdadeiro ator para expressar isso. Daniel Craig tem contrato assinado para mais dois filmes, mas sabe que sua permanência na série depende da aceitação do público. O herói vulnerável de 007 a Serviço Secreto de Sua Majestade (George Lazenby), de 1969, não teve segunda chance. ‘Mas ele era muito ruim como ator’, diz o diretor Campbell. ‘Daniel é muito bom. Vai iniciar uma nova era, não só da série mas dos heróis de ação, espero.’


O repórter viajou a convite da distribuidora Sony’




FUTEBOL NA TV
Cristina Padiglione


Record busca brecha – Rede faz nova proposta pelo Paulista


‘O empenho da Record em tomar a bola da Globo virou pauta do Terceiro Tempo, de Milton Neves. O programa de anteontem exibiu dirigentes de clubes e o presidente da casa, Alexandre Raposo, endossando que a democratização das transmissões esportivas só tem a beneficiar ao torcedor.


Embora alguns clubes já tenham recebido adiantamento da Globo para os campeonatos regionais de 2007, a TV de Edir Macedo continua a propor alternativas. Primeiro ofereceu R$ 70 milhões pelo Paulista, assegurando aos clubes quase o dobro da receita que eles têm hoje. Agora, diante do impasse de compromissos já assumidos com a Globo, a Record ofereceu R$ 20 milhões para ter direito a 21 jogos exclusivos, em horários distintos aos da Globo.


Na última semana, Raposo, o presidente da emissora, e seu diretor de esportes, Eduardo Zerbini, foram ao encontro do presidente da CBF, Ricardo Teixeira, que prometeu defender a Record e a Globo em pé de igualdade perante a Fifa pelos direitos da Copa de 2010. No próximo dia 12, a entidade promove reunião em Zurique para começar a tratar do assunto.’


 


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