Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

José Queirós

“1. A desvalorização das sondagens sobre intenções de voto é comum, por razões compreensíveis, no discurso político oficial. Mas isso não as torna menos úteis como instrumentos de conhecimento e reflexão para o conjunto dos eleitores nos períodos que precedem a chamada às urnas. Ponto é que as suas limitações sejam claramente assumidas pelos órgãos de comunicação que as divulgam, e que estes garantam o máximo rigor na análise e interpretação dos resultados fornecidos pelos inquéritos.

A série de oito sondagens que o PÚBLICO começou a divulgar a cerca de um mês de distância das próximas legislativas (falta ainda conhecer três) segue uma metodologia diferente da habitual. Uma das técnicas usadas nestes inquéritos, conhecidos por tracking polls, e que neste caso estão a ser divulgados com uma periodicidade bissemanal, é a de reaproveitar uma parte das respostas (as mais recentes) à sondagem anterior, eliminando-se outra parte (as mais antigas) e completando-se a nova amostra com um número de novos inquiridos equivalente ao dos que não transitaram da amostra antecedente. O objectivo é o de focar a atenção na evolução das preferências eleitorais ao longo de todo o período de campanha (e pré-campanha) e, eventualmente, no peso que determinados episódios do combate eleitoral possam ter nessa evolução. Mais do que dar a ver uma série de instantâneos sobre as intenções de voto, como os que são captados pelas sondagens tradicionais, este tipo de metodologia projecta o filme da evolução das preferências do eleitorado, à medida que se desenvolve a campanha e se aproxima a data da eleição.

Não me tendo sido possível obter, em tempo útil, uma explicação da direcção do PÚBLICO sobre as razões da adopção desta metodologia, que contribuísse para uma ponderação das suas vantagens e desvantagens, julgo que vale a pena citar a chamada de atenção de um leitor. Reconhecendo que 'o valor acrescentado que [as tracking polls] trazem sobre outros métodos é o de se concentrarem, não na determinação do nível de votação previsto, mas na evolução do sentido de voto entre dois momentos', procurando 'avaliar (…) quem sobe, quem desce, que temas ganham importância, quais os que a perdem, etc.', o leitor Rui Feijó considera que não estarão a ser aproveitadas da melhor maneira as potencialidades desta metodologia.'Apesar de [o jornal] ter optado por este tipo específico de sondagem,' — escreve — 'os textos de comentário que tem publicado a acompanhar os seus resultados detêm-se com grande ênfase no nível de votação previsto para cada um dos partidos — o que não é o elemento que estas sondagens melhor medem. É pena que se faça um esforço de sofisticação e não se acompanhe esse mesmo esforço com o rigor que a análise dos resultados destas sondagens exige, resvalando para comentários mais adequados a resultados obtidos por outro tipo de métodos'.

É uma opinião que valerá a pena ponderar em futuras iniciativas. Poderia pensar-se, por exemplo, em incluir nos inquéritos questões temáticas ou referentes a episódios significativos da campanha, que permitissem dar maior sustentabilidade ao esforço interpretativo que o PÚBLICO tem já vindo a fazer, associando acontecimentos ou declarações políticas específicas às evoluções positivas ou negativas das intenções de voto em cada partido, patentes nos gráficos que ilustram o 'histórico' dos resultados desde a publicação da primeira sondagem.

Por outro lado, as características próprias destes inquéritos, ainda pouco comuns entre nós, deveriam, na minha opinião, ser claramente descritas nas fichas técnicas que acompanham as sondagens, tal como é feito com outros dados relevantes para a sua leitura, como a dimensão da amostra ou os factores que possam condicionar a sua representatividade, como, neste caso, o facto de o inquérito se limitar a possuidores de telefone fixo.

2. Passando ao rigor que deve ser exigido aos textos de comentário aos resultados das sondagens, o mesmo leitor adverte, com razão, que 'o PÚBLICO tem vindo a assumir com alguma ligeireza que a maioria absoluta se obtém com 45% dos votos'. É, de facto, o que se lê em pelo menos dois desses textos, publicados, respectivamente, nas edições dos passados dias 14 e 17. Conhecida a importância que os cenários aritméticos sobre futuras maiorias parlamentares podem ter na determinação do voto individual — e em especial nas legislativas que se aproximam —, não é aceitável que se faça uma afirmação taxativa como esta, que se encontrava na edição da passada terça-feira: 'Tendo em conta que uma maioria absoluta se consegue com 45 por cento dos votos, PSD e CDS não precisariam de mais nenhum partido para fazer passar os seus diplomas no Parlamento'.Como nota Rui Feijó, 'é possível que até com 44% possa haver uma maioria absoluta de um só partido, mas as contas não se podem fazer da mesma maneira quando se está perante mais do que um partido'. Num sistema como o que vigora entre nós, em que a proporcionalidade global é afectada por haver apuramento de eleitos em 22 círculos de dimensão muito variável (dos 47 de Lisboa aos 2 de Portalegre), o que leva ao 'desperdício' de muitos votos nos partidos de menor dimensão nos círculos mais pequenos, 'não se pode somar a votação de dois partidos (sobretudo quando um deles não consegue converter votos em mandatos em muitos círculos eleitorais) como se dessa soma resultasse um aproveitamento completo desses votos'. É por isso, aliás, que 'uma maioria absoluta, para ser obtida por dois partidos que não concorram coligados, exige mais votos do que se concorressem coligados'.

Sendo claro que uma maioria absoluta de deputados PSD+CDS, que foi o exemplo citado na peça do PÚBLICO, pode ser alcançada sem uma maioria absoluta de votos nesses dois partidos, o leitor acrescenta que a determinação de uma fasquia mínima (na votação nacional) para esse efeito é ainda prejudicada pela 'imprevisibilidade derivada da distribuição do voto' entre essas duas forças políticas ('por exemplo, uma situação de PSD com 44% e CDS com 1% daria certamente mais deputados do que PSD com 35% mais CDS com 10%'). Tudo dependerá sempre da configuração dos resultados distritais, pelo que 'um crescimento do CDS tanto pode ser benéfico [para a formação de uma tal maioria], se passar a eleger deputados em mais distritos, como nefasto, se o seu nível de votação não abrir novas portas e 'roubar' votos ao PSD na distribuição de mandatos'. Por isso, conclui Rui Feijó, 'seria útil que o PÚBLICO fosse mais cuidadoso nas afirmações que profere sobre o nível de votação que 'garante' maioria absoluta — tema que é escaldante nas actuais eleições'.

O autor das peças em causa, Nuno Sá Lourenço, explica ter usado a referência aos 45% 'como indicador', por ter formado a ideia de que 'esse valor é suficiente para se atingir uma maioria absoluta'. Confrontado com a crítica deste e de outros leitores, reafirma essa convicção após ter consultado 'alguns especialistas'. Reconhece, no entanto, que 'para tal é necessária uma conjunção de factores', entre os quais o de 'PSD e CDS conseguirem boas votações' em alguns dos maiores círculos. Ora, é precisamente essa 'conjunção de factores', que as sondagens nacionais aliás não contemplam, e ainda o facto de os dois partidos não concorrerem coligados, que concorre para uma imprevisibilidade que não autoriza a fixação rigorosa do limiar percentual de uma maioria absoluta.

3. Por trás desta falha está, naturalmente, uma confusão persistente acerca do processo de conversão de votos em mandatos. Como se a uma determinada percentagem nacional da votação popular correspondesse linearmente uma igual percentagem de eleitos no futuro Parlamento. E a verdade é que essa confusão não conduz apenas a exemplos de menor rigor informativo, como o que tenho vindo a referir. Pode mesmo levar a afirmações totalmente disparatadas.O leitor Carlos Queirós, que também fez notar que ' [não é] a mesma coisa um partido ou coligação terem 45% dos votos ou dois partidos somarem 45% e formarem uma coligação pós-eleitoral', mostra como: 'Afirmar desta forma peremptória que com 45% dos votos se garante a maioria absoluta permite que se tirem conclusões absurdas, o que o próprio artigo [PÚBLICO, 17.05] não deixa de fazer ao afirmar primeiro que, com estes resultados [da sondagem], uma coligação PSD-CDS teria maioria absoluta, e referindo mais adiante que também teria maioria absoluta uma coligação PS-CDU-BE'. Não fosse a impossibilidade aritmética, e esse seria de facto um cenário de crise inultrapassável, que ainda ninguém se atrevera a antever e que nenhum dispositivo constitucional poderia prevenir: o de um Parlamento em que coexistissem duas maiorias absolutas rivais…

O rigor informativo é sempre exigível, mas o que se escreve num período eleitoral obriga a uma atenção redobrada. E obriga à correcção rápida dos erros. Não só de atentados à lógica como o que acabei de citar, mas também de falhas de edição como a que levou a repetir, na secção 'Distrito a distrito' da edição de 16.04, no quadro referente ao círculo de Aveiro, vários elementos respeitantes à peça da véspera sobre o círculo dos Açores.”