A nova polêmica alimentada pela imprensa brasileira gira em torno do que é “certo” ou “errado” no falar do brasileiro. Tudo em decorrência da adoção do livro Por Uma Vida Melhor pelo Ministério da Educação em 4.236 mil escolas públicas. Para os jornalistas que debatem o assunto, o livro “ensina o aluno a falar errado”. Tenho acompanhado artigos e mais artigos na imprensa, debates e mais debates na televisão, com jornalistas demonstrando absoluta ignorância sobre o assunto e esbanjando preconceito linguístico.
Já na faculdade de Letras, há mais de dez anos, aprendi que temos vários falares dentro desse universo que é o português brasileiro. Há variações diversas no falar de uma região para outra, de um estado para outro e até mesmo de uma cidade para outra. Mas não podemos dizer que aqui se fala certo e ali errado. São variações de uma mesma língua, apenas. Aprendi também que temos a nossa fala coloquial e que existe a norma culta, própria para a expressão escrita. Cada uma tendo o seu espaço próprio de utilização e realização. Mas os jornalistas da grande imprensa brasileira demonstram não saber disso.
Não se pode dizer que um menino que chega à escola com a sua bagagem cultural e que fala “nós vai estudar matemática”, por exemplo, esteja falando errado. Ele apenas usa o registro linguístico da sua comunidade. Traz consigo o dialeto, digamos, que a sua família fala e com o qual ele construiu seu conhecimento do mundo até então.
Quando chegamos à escola, só então passamos a ter contato com outra variação linguística, chamada de norma culta, que deve ser empregada na escrita mas que praticamente ninguém usa na oralidade. Nem mesmo os melhores e mais competentes jornalistas brasileiros. Aliás, o português empregado nas matérias jornalísticas também não passa de uma variante da norma culta da língua portuguesa. Uma variante situada entre a língua coloquial dos leitores e a norma culta ensinada nas gramáticas.
Variações linguísticas
A norma culta, como já pontuei, existe para ser usada na escrita, pois no dia-a-da, na vivência doméstica, ninguém fala com a pompa do português dos manuais. Nós usamos uma fala simples, cheia de sabor e que tem a cara do nosso Brasil brasileiro. Logo, essa polêmica é absolutamente vazia de sentido. Digo mais: a própria televisão brasileira (leia-se aqui a Rede Globo), que tem alimentado o debate e defendido com unhas e dentes uma norma culta que nem os seus jornalistas e nem os seus apresentadores utilizam, muitas vezes mostra em suas telenovelas registros linguísticos que macaqueiam o falar nordestino ou sulista, com um sotaque forçado e que não condiz com a realidade.
Nós, profissionais de Letras (além de jornalista, sou formado em Letras), que trabalhamos com o ensino da língua em seus diversos registros e variações dialetais, sabemos muito bem que não existe falar “certo” ou “errado”. Existem, sim, variações linguísticas que expressam a vivência das diversas comunidades, cada qual com valores culturais próprios.
Ao chegar à escola, o aluno deve aprender que ele tem o direito de falar como quiser, mas, quando for escrever, precisará usar um registro linguístico próprio para aquela ocasião. No mais, tudo é demonstração de ignorância e preconceito, como já registrado na obra Preconceito Linguístico, do linguista Marcos Bagno.
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Jornalista, radialista e blogueiro