Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A ignorância é atrevida

A sensação que ficou ao ler na Folha de S.Paulo (‘Ilustrada’, 11/11/2006) dois artigos sobre o grande escritor da língua portuguesa José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura, foi de indignação e perplexidade.

Pode-se discordar de suas opiniões políticas ou pessoais ou desgostar de suas obras, mas escrever de forma tão desrespeitosa e deselegante sobre esse célebre inventor e intelectual, nesse prestigioso jornal, é inaceitável.

Com que direito a autora S. Colombo, de maneira pejorativa, escreve: ‘De uns tempos pra cá, esse português tem freqüentado o noticiário com um monte de clichês… incluindo aqueles que conhece pouco’. Mais à frente, segue o canhestro texto: ‘O que seria essa tal `autenticidade´ o português não explica direito’.

Em outro artigo, na mesma página, o autor J. P. Coutinho não é menos sutil, ora acusando o ‘pequeno’ Saramago de cometer ‘aberração ética’, ora tergiversando, como nesse notável trecho do medíocre artigo: ‘(…) ele nunca mais parou de falar, dentro e fora de Portugal’. E o comentarista conclui: ‘Um dia alguém irá relembrar essa historia’.

Sem dúvida, a memória de José Saramago e sua obra têm caráter de permanência. Pergunto: quem irá lembrar de S. Colombo e J. P. Coutinho? (Says who?)

Meu saudoso pai, homem de tantas línguas e milhares de livros, ao exposto retrucaria: ‘A ignorância é atrevida’. Mas a nós, pobres leitores de Saramago e da Folha, restou o consolo de ler nessa mesma ‘luminosa’ edição, no espaço nobre que é o cabeçalho da segunda pagina da ‘Ilustrada’, o seguinte texto revelador, que mais parece extraído de um matutino provinciano do Brasil colonialista do século 18:

‘E foi um sufoco a inauguração do Clube Pachá: quem deixou casaco ou outros pertences na chapelaria teve que ficar até meia hora na fila para poder entrar, procurar e pegar o que havia deixado. Uma das araras envergou e as três moças responsáveis pelo serviço não conseguiam achar as peças.’

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