“O governante precisa entender que ele é um empregado do povo, e não o contrário. Que é este povo, e não o poder, o dono da informação. Por isso as autoridades têm obrigação de garantir as regras de acesso, pela sociedade, a todo e qualquer tipo de notícia.” É com esse discurso que o chileno Julio Muñoz, diretor executivo da Sociedad Interamericana de Prensa (SIP), circula há 24 anos por congressos e redações de todo o continente, “do Canadá à Patagônia”, como gosta de dizer.
Ele diz que se decepcionou, no início do mês, ao ver que a presidente Dilma Rousseff não assinou a Lei de Acesso à Informação. Mas, sempre otimista, afirma que o Brasil vive hoje “uma situação bem mais tranquila que no passado e melhor que a dos vizinhos”. E não se assusta com a discussão sobre o futuro dos jornais: “A tecnologia tem que ser vista como um aliado, não como um perigo para a informação.”
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“Não aceito diploma para exercer o ofício”
A SIP acaba de fazer um encontro em San Diego, nos EUA, onde aprovou relatórios preocupantes sobre a situação da imprensa no continente. O sr. espera que isso melhore?
Julio Muñoz – Temos, de fato, alguns governos empenhados em controlar a informação. Eles atacam de diferentes formas, seja com atentados e violência, até matando jornalistas, ou aprovando leis específicas que legalizam as suas tarefas de controle autoritário sobre a imprensa. Nesse conjunto, o Brasil vive hoje uma fase até tranquila.
Nesse cenário, como entende a censura ao Estado?
J.M. – Essa censura, há mais de 600 dias, é inaceitável. Ela significa que o Brasil não está inteiramente livre de ameaças. Um caso como esse não pode existir num país que respeita a liberdade de expressão.
Discute-se também a questão da exigência do diploma para exercer o jornalismo.
J.M. – Esse é outro perigo à vista, no Brasil, o esforço para tornar obrigatório esse diploma. Não aceito essa ideia de que jornalista é como médico ou engenheiro, que precisa estudar e tirar diploma para exercer o ofício.
“Controle da imprensa e controle da sociedade”
Por quê?
J.M. – Por duas razões principais. Primeiro, que a informação é uma coisa básica, todo ser humano tem o direito de recebê-la e também de dá-la. Segundo, que tal exigência é uma forma de poder controlar quem pode e quem não pode trabalhar com a informação. Isso é uma forma de autoritarismo.
O que considera hoje como maior preocupação da SIP?
J.M. – Os avanços autoritários, como na Argentina, na Bolívia, no Equador, na Nicarágua e, principalmente, no México. Neste, vemos uma confluência entre o narcotráfico e o crime organizado. Um e outro violentam os jornalistas, para impedi-los de informar. E qual a consequência direta disso? Que o jornalista fica impedido de divulgar informação. Esse é o mal maior, a morte do jornalista impede a sociedade de se informar. O que vemos hoje, no México, é o narcotráfico decidindo o que é notícia e o que não é.
Há uma tendência, em países do continente, de se criarem novas regras para tornar legais os controles. Como reagir a isso?
J.M. – O jornalista tem de responder com o uso da liberdade, da transparência, para entregar a informação ao leitor da maneira mais completa, sempre. Os governos sabem que é com o controle da imprensa que controlam uma sociedade. Como acontece em Cuba, já há mais de 50 anos.
Quem é
Diretor-executivo da Sociedad Interamericana de Prensa, onde atua desde 1982 e foi gerente e diretor técnico. Graduado em Concepción, com doutorado pela University of Minesotta (1983), trabalhou para os jornais El Sur e Crónica e foi correspondente do jornal El Mercurio