Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Reputação é memória

Proust expressou como ninguém o sentido da memória para a vida e as emoções humanas. Provavelmente ele não imaginou que suas reflexões pudessem inspirar as empresas – organizações de maior impacto social no mundo, sobretudo a partir do século 20 – a se preocupar com suas estratégias, ações e comportamentos junto à sociedade. No contexto atual para as empresas e instituições, no entanto, memória é reputação; é seu sinônimo mais claro. Se a memória de um produto é boa, compramos. Se a memória que temos de um político é boa, votamos. A força da experiência passada está presente construindo ou demolindo empresas e carreiras. Uma ação empresarial quando não ou mal explicada vira memória ruim. E a memória – boa ou ruim – registrada em documentos ou na cabeça das pessoas é o que consolida a reputação.

Isso faz com que a legitimação pela sociedade das atividades empresariais seja a bola da vez no âmbito da comunicação empresarial. Para entender o conceito, é interessante examinar a mudança de ângulo que o olhar dos públicos faz sobre as empresas. Por quase todo o século 20, as pessoas olhavam deslumbradas as corporações pelos seus produtos, valorizavam e ansiavam por marcas. Atualmente parte importante desses olhares está fixada nos chaminés e nos canos de esgotos das empresas. Muita gente, não só as organizações não-governamentais, está querendo saber quais os volumes de fumaça e de água suja as indústrias estão jogando no ar, nos rios e nos mares, quando produzem seus bens e serviços.

Esse assunto ligado às percepções da sociedade e de seus inúmeros públicos ganhou status de agenda de alta direção porque as grandes empresas – e neste caso estamos falando de organizações que têm os seus volumes de vendas anuais comparáveis a tudo o que produzem muitos países do primeiro mundo – estão fortemente questionadas por seus impactos nos âmbitos do social, econômico e ambiental. A própria ficção cinematográfica começa a abordar temas ligados ao mundo corporativo e estratégias empresariais, como nos recentes A Corporação, de Jennifer Abbott e Mark Achbar, e O Corte, de Costa-Gravas.

Responsabilidade social

Na esfera social e econômica, os piores dos mundos são processos de reestruturação produtiva, entre eles as reengenharias e os downsizings, que significam para a maioria dos empregados ceifados das linhas de produção, desemprego crônico e todas as conseqüências sociais daí advindas. Os dados confirmam o cenário. Nos últimos sete anos, a indústria brasileira reduziu em um terço (34,3%) do total de vagas; foram perdidos em apenas seis anos 100 mil postos de trabalho. E existem previsões de que em 2020 serão apenas 2% os empregos industriais.

A situação não é privilégio do Brasil. Segundo a United Nations International Labor Organization o número de desempregados e subempregados no planeta pode passar de 1 bilhão de pessoas. De novo as empresas são identificadas pela sociedade como as vilãs dessas histórias.

Esse ambiente sisudo faz com que as corporações tenham que explicar, por meio de sua comunicação, o significado de suas ações e comportamentos, e legitimá-lo frente a quem está convivendo com a poluição em toda parte, perdendo direitos e emprego, entre outras desgraças. A legitimação de atividades empresariais funciona, portanto, como um certificado de proteção principalmente nas horas ruins. Significa ter capital a ser sacado numa caderneta de poupança de imagem.

Assim, cada vez mais as empresas investem em programas de responsabilidade social, desenvolvimento sustentado e meio ambiente. No Brasil, apesar da carência de dados sobre o assunto, alguns números de entidades como a Cepal, estimam que os gastos do setor industrial brasileiro com ações ambientais e de desenvolvimento sustentado cresceram de R$ 1,5 bilhão em 1998 para R$ 1,6 bilhão, em 1999 e R$ 3,2 bilhões (US$ 1,3 bilhão) no período 2000-2001. A estimativa é que os gastos têm, desde então, se aproximado de 1% do PIB industrial.

Marketing da miséria

Ao promover tais investimentos, as empresas fazem as suas contas. O professor Gilberto Dupas, em seu último livro, O mito do progresso (Editora UNESP, 2006, p.248), que deve ser lido pelos iluministas que ainda restam em nosso planeta, adverte que…

‘…a regra básica do empreendedor dentro da lógica capitalista é a maximização do lucro. Regulação e restrições só são assimiladas quando definidas e punidas pelo setor público, e quando a auto-regulação mostra vantagens mercadológicas significativas por melhorar a imagem do produto ou da empresa diante do mercado consumidor ou investidor’.

Resumindo a ópera, no mundo corporativo ninguém faz nada por paixão; faz por interesse, por dinheiro, por resultados. O apoio das empresas à causa do desenvolvimento sustentável é uma forma de legitimar os seus negócios e suavizar as críticas daqueles que as identificam como os principais agentes dos danos ambientais globais.

A comunicação empresarial moderna está profundamente envolvida em programas e ações que produzem a legitimação organizacional. A atividade de comunicação empresarial passa longe dos antigos jornais e revistas de empresa, muitas vezes, sinônimos de mau jornalismo. Passa pelo entendimento das expectativas sobre as empresas no mundo moderno. Entre as novidades estão o registro e a utilização da memória das empresas, de seus empregados e gestores, sempre com o sentido de resgatar valores e princípios.

O recado da sociedade para as empresas está cada vez mais claro: só sobreviverão as empresas que tiverem responsabilidade histórica. Aquelas empresas que por anos praticaram a responsabilidade comercial, ambiental, cultural, ambiental e social, comportamentos que as colocam além dos modismos do marketing da miséria. Ou seja, todas aquelas empresas que tem boa reputação no ambiente dos públicos. Ao lado dos líderes e gestores, os comunicadores estão na linha de frente deste novo momento.

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Jornalista, professor da ECA-USP e diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje)