Naturalmente ocupada neste fim de semana com assuntos mais atuais e candentes, caso das eleições presidenciais, atoladas num fechado empate técnico, e da prisão domiciliar do ex-presidente Luís Echeverría, acusado de genocídio pelo massacre estudantil de 1968, a imprensa mexicana pouca relevância deu a um tema mais discreto, mas nem por isso menos importante: a libertação, depois de dez meses de prisão, de Fernando Valdés, fundador e dono da Editora Plaza y Valdés. Mais ainda: absolvido da acusação, feita pela escritora Graciela Rincón, de que, terminado o contrato para a edição do livro Cuaderno Gader de Caligrafia, ele teria mandado reimprimir mais exemplares para uma edição pirata, que colocou no mercado e da qual não prestou contas à autora.
Profissional respeitado pela comunidade intelectual mexicana, amigo de escritores latino-americanos (entre eles o jornalista brasileiro Paulo Cannabrava Filho, de quem editou há dois anos, em espanhol, o livro No olho do furacão – América Latina nos anos 60-70), Valdés cumpriu sua pena de prisão sem nenhum alarde desde o início do processo penal, quando foi literalmente arrancado de sua casa no meio da noite e colocado atrás das grades, numa flagrante distorção dos procedimentos judiciais, pois o correto teria sido um processo civil. Sua falta teria sido o suposto calote no pagamento de direitos autorais.
A acusação alega, porém, que não se tratava propriamente de dinheiro: o mais grave de tudo, e daí o recurso penal, foi ter ele, Valdés, colocado de novo em circulação uma obra cujo contrato já havia expirado, ‘especulando comercialmente’ com o livro.
Abuso de autoridade
Filigranas jurídicas a parte, o fato é que todo o episódio se reveste de aspectos no mínimo estranhos, como se ninguém quisesse se comprometer de maneira aberta com o problema. É verdade que alguns escritores importantes publicaram um abaixo-assinado na defesa de Valdés, mas a Câmara Nacional da Industrial Editorial, por exemplo, porta-voz maior do setor, recusou-se a patrocinar sua defesa. Seus colegas sequer manifestaram publicamente um mínimo de solidariedade com sua constrangedora situação, julgado e preso como um delinqüente comum.
Grandes jornais, como o El Universal, ficaram no registro noticioso puro e simples, sem ir atrás de repercussões ou fazer suítes da matéria, quando o ineditismo do fato – a prisão arbitrária de um editor de prestigio – por si só justificaria uma cobertura mais ampla. Pior ainda: conflitos anteriores entre o editor e a escritora também deveriam ter despertado a curiosidade dos repórteres, coisa que não aconteceu.
Homem de escassas palavras, retraído, Valdés não fez escândalo algum enquanto ficou preso, aproveitando seu tempo para, na condição de advogado que é, ajudar na sua defesa, além de dar aulas de literatura na penitenciária. Ao sair da prisão, foi direto para casa, não concedendo entrevistas nem esclarecimentos. Mas amigos e familiares comentam suas queixas de que também a Comissão Nacional de Direitos Humanos, pouco impressionada com um claro abuso das autoridades judiciais, deu-lhe as costas e não respondeu as suas denúncias.
Desculpe o mau jeito
Felizmente, embora já passado o pior do drama do editor, duas vozes respeitadas do jornalismo mexicano – Sergio Sarmiento, colunista do jornal Reforma, e Humberto Musacchio, jornalista cultural do Excelsior – fizeram, neste fim de semana (1º-2/7), em meio ao trepidante barulho e o generoso espaço dado às eleições presidenciais, o merecido registro da inquietante arbitrariedade sofrida pelo editor. Diz Sarmiento:
‘No sistema judicial mexicano, Valdés teve que permanecer 10 meses na prisão até que saísse o clássico `desculpe o mau jeito´. Que pena viver num país em que os criminosos andam em liberdade mas as prisões estão cheias de inocentes’.
Musacchio, crítico sempre áspero e implacável da fogueira das vaidades que é o meio cultural mexicano, aí incluídos os burocratas de luxo do ramo, afirma:
‘Valdés poderia ter evitado toda essa chateação se no lugar de guardar os milhares de exemplares num depósito tivesse vendido tudo a quilo, pois para as autoridades resulta mais aceitável a destruição dos livros que sua preservação’.
******
Jornalista e escritor brasileiro radicado no México