Gostaria de fazer valer o meu direito de liberdade de expressão, seja pela publicação do texto a seguir, seja pela discussão do ocorrido.
O texto que segue foi cortado – para não dizer censurado – da próxima edição do Contexto, um jornal-laboratório mensal, escrito por alunos do 6° e 7° termo de jornalismo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Bauru (SP). Ele é financiado pela Reitoria, embora seja totalmente administrado pelos alunos, que dividem os cargos e, simulando a atmosfera de uma redação, decidem as pautas, fazem as entrevistas, reportagens, diagramação e expedição. É um jornal portfólio, enviado para diversas instituições de ensino e redações de todo o país com o intuito de difundir os alunos do curso.
Fui convidada para escrever sobre a crise do ensino público na subeditoria de ‘ Universidade’ , e chegamos ao formato de minha pauta discutindo uma visão ampla que também se aplicasse ao nosso curso. Seria um artigo opinativo, e, como tal, expus como pensava a falência deste modelo de ensino tomando de exemplo a minha passagem pela universidade, as recentes conversas com professores e alunos, e os depoimentos e discussões gravados durante o Encontro Paulista dos Estudantes de Comunicação, em maio.
Última lição
Escreveu-me a aluna que ocupa o cargo de editora-chefe do jornal:
‘ Como era meio previsto, os professores revisaram as paginas do jornal e disseram que não pode ter opinião no meio das páginas (fora da dedicada exclusivamente a opinião) e que o ideal do Contexto é que ele não fale sobre o local, Unesp ou mesmo Bauru (visto que vai pro Brasil todo e tal)’ .
Os professores são Luciano Guimarães, antigo coordenador de curso, e Luis Augusto Teixeira, atual chefe do Departamento de Comunicação Social, que também advertiram-na que qualquer tentativa de substituir a matéria por espaço em branco ou similar implicaria a não-impressão desta edição, prejudicando todas as outras reportagens. Assim, meu texto deveria ser excluído, para não difundir uma imagem unilateral e distorcida da Unesp.
Vale ressaltar que há algum tempo venho ‘ dando a cara a bater’ por querer ter o mínimo de aulas, abordagens menos superficiais e redundantes dos conteúdos, e mais compromisso por parte dos professores. Por causa desta ‘ briga’ , muita gente passou a me ignorar, uns fizeram escândalo, outros preferiram me falar ‘ em particular’ . Estavam com dúvidas sobre o motivo pelo qual alguém como eu, que nem se formou ainda, estava se ‘ sujando’ no quarto ano.
O mesmo professor que me disse que eu era utópica, e que pensava num modelo impraticável de jornalismo – e só podia trabalhar, assim, na Caros Amigos – evitou que os alunos do movimento estudantil aplicassem um questionário sobre a qualidade do curso, porque os professores não tinham sido avisados sobre um padrão de conduta profissional.
Faltando apenas a disciplina Ética para concluir meus estudos (se for aprovada este semestre na demais), tive uma última lição que deveria me isentar de cursá-la, tão hipócrita é a situação.
Segue o artigo original.
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Na contramão
Lembro bem que o que me motivou a buscar a universidade pública, como muitos outros, foi educação gratuita e de qualidade. Essas duas premissas, que envolvem diretamente compromisso social e incentivo à pesquisa, são enxergadas por mim, agora que estou a poucos meses de me formar, com algumas ressalvas.
Entrar numa pública é conviver com a escassez de recursos. Todos querem ensino gratuito, mas ele é caro demais para o governo neoliberal. A falta de verbas desestimula e oprime a comunidade acadêmica, que mal pode ser chamada de comunidade quando se vive diariamente a fragmentação do ensino entre cargos administrativos ou pedagógicos. Agrava este cenário a individualização da sociedade, que possui sim reflexos no mundo acadêmico: a maioria dos estudantes, funcionários e professores são adeptos do lema ‘ cada um por si’ . Ninguém quer se envolver, ninguém quer se prejudicar, ninguém tem tempo a perder. Mas todos querem usufruir a gratuidade do ensino. Isso é prerrogativa para a perda de direitos, para o enfraquecimento das instituições e das condutas.
A exemplo disso, no máximo 50 alunos de comunicação de todo o estado de São Paulo compareceram ao último Epecom – Encontro Paulista dos Estudantes de Comunicação, que aconteceu na Unesp de Bauru. O slogan fala por si: ‘ Na contramão: venceremos se não tivermos desaprendido a aprender’ . Foram poucos os que definiram os rumos da luta dos estudantes de comunicação, embora seja comum se ouvir, dentro e fora do campus, alunos reclamando da situação precária de ensino. No mesmo sentido, a Chefia do Departamento de Comunicação Social teve chapa única para votação (como acontece no movimento estudantil) e as reuniões do Conselho de Curso da Comunicação Social não aconteceram durante mais de seis meses.
O descaso, sob o meu ponto de vista, é geral. Durante a minha passagem pelo curso de jornalismo da Unesp eu fui ensinada, salvo raras exceções, a reproduzir modelos e discursos do senso comum, a não pensar originalmente, a não confiar nas autoridades do meu curso, a desistir do coletivo, e a pensar minha formação individualmente. Convivi de forma fatigante com o descaso dos profissionais e dos alunos, e no meio de acusações e muita irresponsabilidade, deixei de ter acesso, via sala de aula, a muito conhecimento que certamente os professores têm. Ao reclamar, garantiram-me mudanças, mais fiscalização e diálogo.
Ouvi que o meu curso é profissionalizante e direcionado ao mercado, que é utópico pensar e praticar, dentro da universidade pública, um jornalismo diferente. Eu já acredito ser este o único espaço para formularmos novos modelos e desenvolvermos o conhecimento necessário para atender as demandas da sociedade que nos financia. Estar atento a essas questões contribui decisivamente para a melhoria do ensino como um todo, porque quando estudantes, professores e funcionários assumirem seus verdadeiros papéis, haverá menos cobrança e mais trabalho para todos. (J.O.F.)
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Graduanda do curso de jornalismo na Unesp.