Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“O governo nunca quis fazer política de universalização”

Lançado em maio de 2010, o Plano Nacional de Banda Larga ainda gera dúvidas em diversos de seus quesitos, como a definição dos serviços públicos, o preço de acesso à massificação ou universalização do acesso.

O professor do programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Marcos Dantas, reconhecido por transitar bem dentro dos movimentos sociais, governos e até segmentos empresariais, avalia o desempenho do governo até o momento e os novos rumos sinalizados pela nova gestão do Ministério das Comunicações.

“Quem pode pagar, terá acesso a melhores condições”

As últimas intervenções do governo no Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) têm frustado a sociedade?

Marcos Dantas– Estousentindo nas pessoas que a expectativa otimista inicial caiu bastante. Existe o sentimento de que o governo teria recuado nos seus propostos originais. Particularmente, sempre fui crítico à forma pela qual o PNBL foi formulado. Tenho impressão que agora estamos caindo na realidade sobre o plano. O pessoal ficou muito entusiasmado, o que se justifica. O fato do governo ter uma política para ampliar o acesso da banda larga merece aplausos de todos. E acabou por permitir uma articulação social e política favorável. Mas o plano teve problemas sérios antes, ainda no governo Lula, e continua tendo.

Quais são os principais problemas?

M.D.– O principal problema é a não definição do plano em regime público. Isso é uma questão estrutural. Minha expectativa é que do jeito que está formulado teremos dois tipos de atendimento a banda larga. Os que podem pagar vão ter acesso às melhores condições. E quem só pode pagar R$ 35,00 vai acessar um sistema de má qualidade. O que é muito típico de nossa sociedade. É a mesma situação que temos na educação. Os pais que podem pagar escola, acreditando que dará melhor formação aos filhos, pagam. Só vai para a pública quem não tem condições e sabemos que a escola pública no Brasil é de péssima qualidade.

“A Telebrás é passível de questionamento”

O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, acena para ampliar a concorrência no mercado, como forma de acelerar o Plano. Quais as consequências desta iniciativa?

M.D.– As iniciativas do Paulo Bernado vão resultar num aprofundamento do modelo herdado por FHC. Qual foi o modelo? Tem um serviço em regime público (a telefonia fixa) que vai acabar. Uma porção de tecnologias está nascendo, algumas bem visíveis, como o celular e a internet, outras coisas vão surgir, como o wi-fi. Tudo que surgir daqui pra frente será resolvido pelo mercado, por ser regime privado. E o regime público acaba por morte. Poderíamos esperar que os governos Lula e Dilma restaurassem o princípio do regime público. Mesmo que continuasse o regime privado em muitas áreas, as que fossem consideradas essenciais para a sociedade, ou estratégicas para o país, serem de regime público. O celular é um exemplo: hoje ele não é mais apenas de elite. Mas a maioria das pessoas usa pela metade. Como os celulares pré-pagos têm tarifas proporcionalmente mais caras que os pós-pago, acaba fazendo com que o rico pague menos que o pobre. Numa situação dessas, é preciso uma política que aponte regime público, tarifário, universalize e acabe a necessidade de ter três ou quatro telefones para receber ligação.

A Telebrás não está citada no documento “Brasil Conectado” – publicação do governo com o diagnóstico e estratégias do PNBL. Porém ocupa espaço relevante na agenda política em relação aos rumos do Plano. Como você enxerga o papel da Telebrás?

M.D.– A Telebrás, por ser a ferramenta que criaria essa dicotomia (usuários que podem pagar acesso de qualidade x usuários com internet de má qualidade por falta de renda), já é passível de questionamento. Qual o princípio dela? Fomentar a concorrência. Primeiro, não se faz política de universalização através de concorrência. O governo nunca quis fazer política de universalização: ele propõe massificação, ampliação do acesso. Ao permitir essa massificação, a Telebrás teria um papel de dar acesso a quem só pode pagar R$ 35,00.

“As críticas são justas, mas deviam ser endereçadas à Anatel”

Quais os impactos da saída do Rogério Santana da Telebrás?

M.D.– Isso é disputa de poder. Não é essencial. É muito mais aquela coisa: “dois bicudos não se beijam”. O mais importante nessa história é a manutenção da concepção de que é preciso aumentar a concorrência para gerar massificação e a repulsa do governo em discutir o regime público para a banda larga.

A decisão da Anatel de considerar o backhaul um bem reversível é demonstração de que a Agência tem avançado para ações mais progressistas?

M.D.– Lamento, acho que não. Todas as críticas que a sociedade faz às concessionárias são justas, mas elas deviam ser endereçadas à Anatel. A concessionária é uma empresa privada que detém concessão do Estado para executar determinadas tarefas. O conceito é de uma empresa que está fazendo algo por delegação do Estado. Cabe ao Estado, que tem o poder de delegar, acompanhar para saber se os concessionários estão cumprindo as tarefas.

“Utilizar o poder de compra para desenvolver a indústria”

Havia hipertrofia no papel da Anatel, ao formular e executar a política. Isso tem sido atenuado pelo Ministério das Comunicações (Minicom)?

M.D.– O Minicom está querendo assumir o protagonismo na formulação. Para isso, ele precisa ter capacidade de pensar, coisa que rigorosamente não tem. Porque foi esvaziado no governo Fernando Henrique Cardoso e não foi reconstruído no governo Lula. Então, a Anatel acaba cumprindo esse papel. A Agência tem hoje, mal ou bem, uma equipe técnica que lhe permite pensar em algumas coisas. Atualmente não dá pra afirmar que o Minicom irá se reconstruir e assumir o papel formulador. Parece que tem essa intenção, mas não dá para afirmar. Daqui a um ou dois meses, será possível um diagnóstico melhor. Esse problema não está ligado apenas ao esvaziamento do Minicom, o problema também está na lei (Lei Geral de Telecomunicações) criada no governo Fernando Henrique. Ela dá ao Executivo poder de fazer decretos sob algumas mínimas questões, como criar uma modalidade de serviço público. Na verdade, nas condições em que a lei está, o poder executivo só pode baixar o decreto se receber da Anatel um estudo necessário. O que deixa o Minicom refém da iniciativa da Agência, quando deveria depender apenas dele. Deveria ter a máquina trabalhando para formular política. Infelizmente, no governo Lula não se avançou nisso. Vamos ver o que a Dilma pretende fazer de fato.

O PNBL tem realmente revitalizado o parque tecnológico brasileiro na indústria das tecnologias da informação e comunicação?

M.D.– Isso foi o grande lado positivo deste projeto: utilizar o poder de compra do Estado brasileiro para desenvolver a indústria nacional. Nas primeiras licitações da Telebrás, tentou-se aplicar esse princípio: isso é fato. Tentou-se organizar os remanescente dos antigos membros da área para que pudessem entrar na disputa. Até onde eu saiba, existe um esforço nesse sentido. Se esse esforço vai pra frente, é uma questão a se avaliar mais pra frente. Mas tenho expectativa que isso avance.

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[Pedro Caribé é do Observatório do Direito à Comunicação]