Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os limites do estrelato

Ser famoso implica exposição pública, ter a privacidade invadida e abrir mão da tranqüilidade. O preço a pagar é muito alto e só o anonimato pode garantir a paz que tantos famosos gostariam de ter. Mas, como não dá para ter as duas coisas ao mesmo tempo, imagino que a saída é manter um comportamento discreto e tentar ser o mais parecido possível a um simples mortal. Há muitas celebridades que conseguem driblar os holofotes e preservar a vida pessoal. Deve ser jogo duro estando o tempo todo na mira de spot lights.

Não é impossível, porém trabalhoso. Muitas conseguem proteger a vida pessoal e defendem a privacidade familiar com unhas e dentes. Por outro lado, os mais descuidados acabam dando a maior bandeira para os paparazzi, verdadeiros perdigueiros das fofocas. Lady Di perdeu a vida sendo perseguida por caçadores novidadeiros. Charles, seu ex, que de príncipe só tem mesmo o título, volta e meia aparece com a vida escancarada nos periódicos londrinos.

O gosto pela fofoca é universal e ganha dimensão em qualquer cultura. Com duração mais ou menos prolongada, dependendo da importância do tema e da celebridade, a invasão tem espaço garantido diariamente na mídia. Um colega jornalista costumava dizer que não há notícia ruim que consiga sobreviver mais do que um mês na mídia. Talvez se vivesse nos EUA mudaria de opinião. Quem acompanhou o caso O. J. Simpson testemunhou que uma notícia de celebridade pode render muito na mídia.

Acho que nós no Brasil somos mais volúveis e descartáveis neste sentido. O interesse brasileiro é mais voltado às novidades frescas. No nosso entender a notícia virou a esquina já é velha e cheira a café requentado. Quando o ex-presidente Itamar Franco foi clicado ao lado da modelo sem calcinha no palanque do Sambódromo, o escândalo ocupou capas de revistas e virou comentário internacional. O buxixo, no entanto durou apenas uma semana. Depois disso, a não ser a título de ilustração como estamos fazendo agora, não se tocou mais no assunto e tudo acabou em pizza. Pelo menos no Brasil.

Novos escândalos tomaram conta do pedaço, mas nenhum deles rendeu tanto quanto o caso do ex-presidente Bill Clinton e a famosa estagiária Mônica Lewinsky. Aqui, com certeza não acabou em pizza. O então presidente foi chamado a depor e a nação inteira se deliciou ao constrangimento do mandatário, que antes de ser o chefe da nação, é um simples mortal.

Na boca do povo

Falem bem ou falem mal, mas falem de mim. Não é esse o ditado? Celebridade tem que estar na boca do povo para alimentar o Ibope, muito embora não seja nada agradável virar comida de urubu. Michael Jackson que o diga. Um dos pratos preferidos da mídia americana, o famoso cantor pop está agora às voltas também com a Justiça. Acusado novamente de abusar sexualmente de um menor, o caçula dos Jacksons, hoje com 45 anos vai ter que rebolar para não perder a guarda dos filhos e não ir parar no xilindró. Sem maldade, aproveitando o Carnaval ele poderia até ensaiar uns passinhos de samba, desde que mantenha distância da ala infantil. Como todos sabem esta não é a primeira vez que o pop star é acusado de molestar garotos menores. Não é também o primeiro, nem será o último. Mas acontece que estamos falando de Michael Jackson e não de um desconhecido padre ou pederasta. Assédio sexual é um dos temas prediletos da casta sociedade americana e a mídia traz diariamente casos do gênero ao conhecimento do público. O assunto está rendendo e vai render ainda muito. A primeira renda apurada até agora, somente nesta primeira etapa do processo foi a bagatela de US$ 3 milhões, que o astro teve que pagar como fiança ao se apresentar à Justiça americana.

A combinação é perfeita. De um lado uma sociedade altamente preconceituosa, especialmente quando o assunto é sexo. Um promotor conservador que não conseguiu pegar Jackson na primeira investida. Do outro lado uma celebridade egocêntrica que considera a fama um passaporte para agir sem limites. Está feito o jogo. É um prato cheio para a mídia explorar, deitar e rolar. Deixando de lado as esquisitices do ídolo pop e seu complexo de camaleão, que já lhe rendeu mil caras e bocas até que perdesse a própria identidade, não se pode negar o talento de Michael Jackson.

Voz e criatividade somadas a uma incontestável leveza técnica ao dançar, mostram que ele é uma estrela que brilhou com luz própria desde que começou junto aos irmãos na década de 70. Na primeira acusação, há 10 anos e que nunca virou um processo legal, um acordo milionário calou a boca da família do garoto que se disse molestado. A lona do circo foi baixada e o picadeiro recolhido. Teimoso e insistente o promotor Thomas Sneddon, o mesmo da primeira vez, atacou novamente com sede de justiça. Mas, e onde andam os pais desses garotos que estão sempre rodeando o pop star? Como esses menores vão parar no convívio de Michael Jackson? Não parecem órfãos desamparados, pois a família do primeiro queixoso de abuso sexual foi bem recompensada com a polpuda quantia de US$ 15 milhões.

Uma questão de responsabilidade

Quanto a Michael, cuja idolatria tolerante de seus fãs lhe dá permissão para que ele seja quem e como quiser sem limites, repetir a dose não parece problema. Dinheiro com certeza é o que não lhe falta para calar a boca desta e de outras famílias. Não se pretende analisar aqui a sexualidade, tampouco as preferências do astro. Trata-se de discutir os limites.

Ano passado Michael assustou a platéia ao exibir de forma perigosa, um de seus filhos ainda bebê na sacada do terceiro andar do hotel Adlon, em Berlim. Não deve ser fácil separar ficção e fantasia da realidade. Parece que ser um superstar confunde a cabeça dos mortais. Eles passam a acreditar que são deuses e podem tudo. Até serem ridículos ao extremo e tudo fica bem. Afinal, eles são o máximo!

Confusas as celebridades de emocional frágil ou desestruturado tendem a ter mais dificuldades para lidar com a fama. O status não vem com bula ou instruções de uso. Também não existe uma técnica eficaz e garantida, capaz de ajudar a lidar com o ego e a fama. Talvez alguma ex-celebridade bem sucedida pudesse lançar um cursinho preparatório, tipo vestibular para a fama. Quem sabe ajudaria a diminuir o tamanho dos egos inflados.

Poderia até prevenir a doença que mais ataca as celebridades, e que só é curada através do amargo gosto da fatalidade: a falta de limites. Como este é um tema complexo e polêmico, os aconselhamentos devem ficar por conta dos psicólogos. Aqui só podemos mostrar todos os lados dos fatos que nos levam a questionar a responsabilidade de cada um em episódios como este que estão sempre ocupando espaço na mídia.

Apurar a culpabilidade de Michael Jackson é apenas uma das responsabilidades da Justiça. Mas cabe a ela também apurar a responsabilidade das famílias destes menores envolvidos. A menos que o envolvimento das mesmas só comece a partir do momento em que os acordos de indenização passam a ser discutidos.

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jornalista free-lancer na Flórida (EUA)