Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

“Em março, a Folha anunciou uma mudança importante na organização do noticiário de economia, antes concentrado no caderno Mercado. O que diz respeito ao cenário internacional foi transferido para Mundo, macroeconomia passou para Poder, negócios e direitos do consumidor ficaram em Mercado.

A intenção era integrar as notícias de política e economia e abrir espaço para acompanhar mais de perto as empresas. ‘A reorganização permitirá aprofundar a cobertura dos assuntos econômicos, ampliando o didatismo e o espaço dos textos analíticos. A mudança também se propõe a facilitar a compreensão do leitor sobre questões que misturam aspectos políticos e econômicos, seja no país, seja no ambiente internacional’, anunciou o jornal em 20 de março.

Três meses depois, o balanço não é positivo. Na quinta-feira passada, por exemplo, a entrevista da nova diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, ficou retalhada. Em Poder, destacou-se sua preocupação com o excessivo fluxo de capitais para países emergentes. Em Mundo, aparecia sua promessa de aumentar a ‘diversidade’ na equipe do fundo. Duas páginas depois, outro texto mostrava que o ritmo de crescimento dos emergentes tinha caído.

Essa desorganização pode não chamar a atenção consciente do leitor, mas causa um ruído na fluidez da leitura, que, com o tempo, incomoda. É como a edição de um filme: quando é bem-feita, passa despercebida. Se é mal-ajambrada, cansa o espectador no meio da sessão.

Em vez de apenas recortar e colar assuntos, o jornal deveria integrar de fato os noticiários. As indas e vindas do crescimento da economia mundial, da China, dos EUA, da Europa, têm impacto aqui. Podem mexer com o preço dos alimentos, com o dólar e as exportações. Isso tem influência direta na inflação e pode levar o governo a adotar medidas impopulares -como o aumento de juros-, que podem afetar a avaliação da presidente.

Um jornal inteligente ligaria os pontos para o leitor e, num único texto, explicaria as implicações. Além disso, em vez de soltar índices ao léu (saem vários por dia), explicaria o que eles significam e como estão relacionados. É o que fazem os bons colunistas de economia do jornal, como Vinicius Torres Freire e Delfim Netto.

Sozinhos, os últimos números não dizem nada ao leigo. ‘Dívida externa aumenta 43% em menos de 2 anos’ foi a manchete da Folha no domingo passado. E se fosse 20%? Ou 60%?

O Brasil já não é mais assolado por inflação altíssima e sacolejado a cada tantos anos por ‘criativos’ planos econômicos. Os principais índices estão ao alcance de um clique no mouse. Faz sentido repensar a cobertura econômica, mas com profundidade, investindo em jornalistas sêniores, com capacidade analítica e repensando prioridades. Não bastam transplantes artificiais.

Os bastidores cruéis da notícia

O mundo do jornalismo foi sacudido nesta semana com as denúncias contra o tabloide inglês ‘News of the World’, que teria grampeado até o celular de uma adolescente assassinada.

O escândalo expôs as vísceras do sensacionalismo -que vende milhões de exemplares dando aos leitores exatamente o que eles querem (sexo, celebridades e crimes)- e colocou em discussão os limites éticos do jornalismo.

Simon Jenkins, colunista do ‘Guardian’, escreveu que o caso é um ‘momento da verdade para os jornais’, depois que ‘a pressão comercial perverteu a ética’.

O ‘Independent’ publicou o editorial ‘Nem todos os jornais são assim’ para lembrar que o ‘News of the World’ não é representativo do que acontece na imprensa inglesa. Teme-se que uma onda de restrições à mídia venha a reboque das denúncias.

É o maior vexame jornalístico desde Jason Blair, aquele repórter que inventava notícias no ‘New York Times’.

Se desta vez também, o caso provocar reflexões sobre procedimentos nas Redações, o saldo poderá ser positivo. Temos agido sempre dentro da lei? Algo parecido poderia ter ocorrido aqui? Os padrões de conduta são suficientemente conhecidos pelos jornalistas? São algumas perguntas que nunca é demais repetir.”