Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Programa novo, formato velho?

O apresentador é o mesmo. As pautas são as de sempre. Mas os repórteres são novos e os ângulos inéditos. Com esta estrutura, Profissão: Repórter, o mais novo quadro do Fantástico, exibido pela rede Globo, está despertando o interesse dos espectadores.

No ar desde abril, a série tem como âncora o repórter Caco Barcellos, conhecido não só pelas reportagens de televisão, mas também pelos livros Abusado e Rota 66. Junto a oito jovens jornalistas, ele criou um programa inovador, feito com a pouca experiência dos repórteres aliada à vontade de mostrar inusitados pontos de vista, o que gera matérias diferentes no formato e na própria maneira de se colocar frente às câmeras.

Mas será que o jornalismo atual tem conseguido apresentar grandes mudanças? Quais os programas de sucesso que estão lidando com as notícias de maneira inovadora, com práticas diferenciadas?

Mudanças bem elaboradas ou frustradas?

O Jornal da Band, da TV Bandeirantes, de fato conseguiu alterar o modelo padrão, com dois apresentadores na bancada, quando foi reestruturado com a contratação de Carlos Nascimento. Com sua entrada, o programa passou a contar com sua apresentação e comentários constantes do analista econômica Joelmir Betting, que diversas vezes usava do próprio improviso para dar o tom da crítica. Atualmente, mesmo com saída de Nascimento, o programa continua com boa audiência e fez outra alteração: com Ricardo Boechat como âncora, estão também Mariana Ferrão e Betting, que acabam desempenhando o papel de apresentadores secundários.

Como canal estatal, a TV Cultura também tem como papel incentivar novos formatos de programa, com o objetivo de desenvolver outras formas de interação com o público. Atualmente passando por uma reformulação na grade, o canal chegou ao ponto de ser criticado pelo Ombudsman Osvaldo Martins, que recomendou a extinção dos telejornais. Ainda assim, não podemos nos esquecer dos ótimos programas Entrelinhas e Metrópolis, que continuam investindo na inovação e apostando em uma área que não recebe tanto destaque em outras emissoras.

Apesar do ramo cultural ser o que mais propicia uma abertura para criações diferenciadas, voltadas até mesmo para a experimentação, ele acaba tendo seu papel confundido com o entretenimento e variedades, o que rende em outras empresas de comunicação os típicos programas de entrevistas e alguns quadros inseridos em programas semanais de maior destaque. Raramente a literatura e a crítica cultural recebem crédito e são alvos de investimentos pelos veículos.

Mesmo com algumas poucas iniciativas, assistimos diariamente reproduções de programas importados ou mesmo cópias dos nacionais, como é o caso do Jornal da Record. Ao herdar dois apresentadores e alguns repórteres que já trabalharam na Rede Globo e dar uma ‘roupagem’ muito próxima do concorrente Jornal Nacional, até mesmo com as cores azuis de fundo, o programa vem se aproximando, cada vez mais, do padrão do original, salvo em relação à aposta nas matérias investigativas, que são as responsáveis pelos melhores momentos e pelo diferencial em relação ao JN.

Em relação ao crescimento desta área investigativa, Barcellos tem alguns receios, pois pensa que ‘está sendo executado o jornalismo declaratório travestido de jornalismo investigativo e de grandes interesses públicos’. E, quando fala das boas matérias, realça as dificuldades que podem encontrar: ‘quando se realiza o jornalismo investigativo com transparência, muitas vezes, isso bate de frente com os interesses econômicos de veículos de comunicação’.

Programa busca enfoque diferente sobre os mesmos assuntos

Com esse tipo de questionamento que Barcellos está executando seu programa, já que afirma que toda matéria feita no Profissão: Repórter tem envolvido discussões éticas. Justamente para diferenciar-se de matérias comuns, o programa tem mostrado conversas entre os repórteres, expondo como são tomadas as decisões, a que se dá prioridade nas matérias, não evitando apresentar até mesmo inseguranças dos iniciantes na profissão.

Felipe Gutierrez, um dos repórteres do programa, acredita que ele seja um recorte dos acontecimentos, não a ‘verdade absoluta’. Ao lado de Barcellos, que realiza sua participação de maneira ‘tradicional e mais próxima do padrão Globo de jornalismo’, Gutierrez e seus sete colegas tentam fazer reportagens diferenciadas, com improvisos que possam resultar em aulas de aprendizado.

No entanto, apesar da meta de criar um programa que fuja do padrão até agora apresentado, no último domingo, (dia 25), foi ao ar uma reportagem sobre um tema mais do que conhecido. Ao abordar o trabalho de comerciantes ilegais na Rua 25 de março, em São Paulo, a matéria não conseguiu inovar na forma, muito menos no conteúdo. Acompanhar o chamado ‘rapa’ – movimento de recolhimento dos produtos por parte dos comerciantes ilegais – não acrescentou nada de novo à matéria, que enfocou os mesmos tipos de entrevistados que outras similares.

Bem diferente do programa realizado pela equipe sobre o mercado de trabalho dos cortadores de cana-de-açúcar, em que dois repórteres chegaram, inclusive, a acompanhar outros trabalhadores, disfarçando-se de colegas de profissão. Aquele programa conseguiu mostrar, de fato, como funciona este ramo tão obscuro de trabalho, que emprega pessoas sem oferecer a mínima infra-estrutura necessária, ao viver, mesmo que só por alguns dias, uma realidade não pertencente à grande parte dos espectadores do Fantástico.

Ponto para o Profissão: Repórter que, entre erros e acertos, vem tentando inovar e levar para a televisão uma outra versão da História, com uma equipe empenhada em aprender e mostrar não só para os colegas de profissão, mas para todos os que assistem televisão, que tudo tem uma segunda versão. Que o espaço da experimentação ganhe novos adeptos é o que todos esperamos!

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Estudante de Jornalismo da PUC-SP