Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

É por isso que eu gosto tanto da internet…

Já não consigo mais trabalhar desplugado. Informações, imagens, indicações, notícias, descobertas. Recentemente, ao fazer uma pesquisa sobre o humanista Thomas Morus, tive acesso ao texto latino de Utopia, às traduções inglesas deste clássico, e aos títulos das traduções brasileiras disponíveis.

Uma amiga de outro estado, conhecida em comunidades do Orkut, indica-me o talentoso Max Gonzaga, compositor à margem do mercado fonográfico. Vou ao site do artista. Ouço suas letras. Divulgo-o entre os amigos com um clique do mouse.

Leio jornais na tela do computador. Novidade nenhuma. Mil e uma novidades. Em vinte segundos atravesso o oceano e vou à França. Descubro que 31,9% da população, em 2050, terá pelo menos 60 anos de idade: ‘o envelhecimento da população francesa é inelutável’.

Salto virtual, entro na Argentina. Sou alvejado pela notícia: homem alucinado, em Buenos Aires, saca uma arma e dispara contra as pessoas. Foge. Um rapaz gravemente ferido morre a caminho do hospital. Outras pessoas feridas. Eu poderia dormir sem essa. Sem essa informação. Mas que diferença faz?

Verdades e mentiras

Depois de 20 anos reencontro, nas infovias, um amigo. Ele hoje está morando na Bahia. Conta-me que tem lido meus textos publicados na web. Não acredito. Vejo as fotos, não tem jeito: o passado é aquilo que não passa.

Faltam-me idéias, a inspiração não vem. Internet, nova musa, oferece todos os pretextos. Revela todas as verdades e mentiras. Só se sente vazio quem quiser. Há do ruim e do melhor. Hoax e dogma, paradigmas e máximas, ilusão e humor, beleza e patologias, ameaças e promessas.

Durante meses procurei uma música de Joan Manuel Serrat, ‘Cada loco con su tema‘. As lojas reais não puderam ajudar-me. Por um desses milagres da Idade Mídia agora posso ouvir:

cada quien es cada cuál y baja las escaleras como quiere‘.

Escrevi este artigo ouvindo a música Classe Média, do já mencionado Max Gonzaga. O compositor desnuda nossa falsa vontade de saber: ‘toda tragédia só me importa / quando bate em minha porta’. Se o assalto é em bairros como Moema ou no Jardins, ‘aí a mídia manifesta / a sua opinião regressa / de implantar pena de morte / ou reduzir a idade penal // e eu que sou bem informado / concordo e faço passeata / enquanto aumento a audiência / e a tiragem do jornal.’

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Doutor em Educação pela USP e escritor (www.perisse.com.br)