OMISSÃO
A imprensa brasileira é mesmo muito estranha. Adora reclamar, apontar erros, cobrar atitudes e posturas éticas, mas se esquece das palavras do Padre Antônio Vieira: ‘As palavras convencem, o exemplo arrasta’. A total falta de sintonia com a sua permanente, e justa, crítica às mazelas da nossa classe política torna incompreensível o completo desprezo demonstrado pela imprensa nacional a um dos poucos fatos relevantes – e edificantes – da nossa recente agenda política nacional. Veja abaixo uma das raras exceções, da lavra de um respeitado colunista político de Santa Catarina:
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Diário Catarinense, 6/7/2006 (Moacir Pereira, colunista)
‘Quando avaliava o cenário das candidaturas do PFL nos estados, com o deputado Julio Garcia e com o senador Heráclito Fortes (PI), o senador Jorge Bornhausen fez reflexões sobre a estratégia para impulsionar as candidaturas de Luiz Henrique e de Geraldo Alckmin em Santa Catarina. Ouviu parecer favorável dos interlocutores sobre a idéia de trazer o candidato do PSDB para uma grande concentração no dia da renúncia do governador.
Consultou Luiz Henrique e Eduardo Moreira, deles recebendo sinal verde. Ato contínuo, ligou para Alckmin, fechando o projeto da chamada ‘arrancada da vitória’, nome dado ao comício desta quinta-feira.
Há, por isso, fatos relevantes que marcam a renúncia de Luiz Henrique. Será um ato inédito. Na história da República, nenhum outro governador renunciou ao mandato para concorrer à reeleição. Será, também, um gesto de coerência política. Na campanha de 2002, Luiz Henrique acusou o governador Esperidião Amin de uso da máquina, denunciando desproporção entre os postulantes.’
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Se, de fato, só o exemplo arrasta, por que razão a imprensa brasileira não deu a devida divulgação a esse gesto do governador catarinense? Não precisaria desmanchar-se em elogios, sonho dos assessores de imprensa, mas ao menos registrar o fato, friamente que fosse, deixando ao leitor o exercício intelectual de fazer a comparação com os demais executivos pleiteantes à reeleição.
Ao omitir-se, a nossa imprensa dá razão àqueles que a criticam como serva das más notícias, ave de mau agouro, que, quando pode, despreza a boa notícia, privilegiando, sempre e obsessivamente, o ruim, o errado, o nefasto, tornando-se, assim, co-autora do mal estar que impregna nossas vidas, abdicando de sua missão de bem informar e, principalmente, formar. Abaixo, resumo de texto enviado por mim a alguns jornais do estado.
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Os maus exemplos arrastam
Aristóteles ensina, na Ética a Nicômaco, que ‘justo é o que é conforme a lei e respeita a eqüidade; injusto é o que viola a lei e falta à eqüidade’. No dicionário Houaiss, eqüidade consta como ‘respeito à igualdade de direito de cada um, que independe da lei positiva, mas de um sentimento do que se considera justo’. O art. 14 da Constituição determina que, para o mesmo cargo, e por uma vez, tanto os presidentes da República, como os governadores e os prefeitos, não têm necessidade de renunciar aos seus respectivos mandatos para se lançarem à reeleição.
Portanto, legalmente nada obrigaria o governador Luiz Henrique a abrir mão de seu mandato para submeter-me às agruras eleitorais. Ainda assim, procurando ser justo, como ensinou o estagirita, mas preferindo a lisura da eqüidade aos ardis da letra fria da lei, ele decidiu abrir mão das facilidades e comodidades para não renunciar aos seus princípios éticos.
Na última quinta-feira, conforme compromisso assumido com a população catarinense, o governador Luiz Henrique renunciou aos derradeiros seis meses de seu mandato, visando, assim, a igualar-se aos seus opositores e, nessa condição, lutar o bom combate. Na edição de 14/1/2005 do jornal O Estado de S. Paulo, o ex-deputado federal, ex-secretário e ex-ministro João Mellão Neto publicou um inspirador artigo onde lamentava: ‘O pesado jogo do poder exige que seus participantes sejam, necessariamente, ambiciosos, dissimulados, amorais, incoerentes e desprovidos de escrúpulos. Raros são os políticos dotados de verdadeiro espírito público. Isso implicaria desapego, renúncia e desprendimento’.
Pois bem, o governador Luiz Henrique cortou na própria carne, deu o exemplo, que, por emulação, poderia gerar uma saudável demanda por gestos semelhantes, além de servir, também, para minimizar a perigosa unanimidade condenatória em relação à classe política que grassa na sociedade. Mas para que isso ocorresse seria necessário que seu gesto tivesse sido minimamente divulgado, o que, infelizmente, não ocorreu. Lamentavelmente, parece que por aqui só os maus exemplos arrastam…
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Consultor-geral do gabinete do governador de Santa Catarina, Florianópolis