Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Machado

“O leitor Lucas Hackradt escreveu para esta Ouvidoria: ‘Há um problema com a matéria que está na manchete da ABr de hoje [3/8] – Mais de 40% dos alunos das universidades federais são das classes C, D e E …

Copio os dois primeiros parágrafos para depois explicar o que achei absurdo:

‘Cerca de 43% dos estudantes das universidades federais são das classes C, D e E. O percentual de alunos de baixa renda é maior nas instituições de ensino das regiões Norte (69%) e Nordeste (52%) e menor no Sul (33%). É o que mostra pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que será lançada hoje

(3), sobre o perfil dos estudantes das universidades federais.

Para a Andifes, o resultado do estudo, que teve como base 22 mil alunos de cursos presenciais, desmistifica a ideia de que a maioria dos estudantes das federais é de famílias ricas. Os dados mostram, entretanto, que o percentual de alunos das classes mais baixas permaneceu estável em relação a outras pesquisas feitas pela entidade em 1997 e 2003.’

Apesar de o repórter ter colocado uma constatação ‘na boca’ da Andifes, ele deveria ter prestado atenção nos números. Como é que a Andifes pode achar que 43% ‘desmistifica a ideia de que a maioria dos estudantes das federais é de famílias ricas’, se 43% é menor que 57%? Se são 43% das classes média, média baixa e baixa, os outros 57% (já que não está explicado no texto e é o que se supõe) são sim ricos, e, portanto, a realidade da universidade pública brasileira é aquela que já se conhece: há mais ricos que pobres de fato estudando.

Achei que a matéria ficou tendenciosa a elogiar o governo, mas acabou caindo em uma arapuca ao trazer números que não sustentassem o elogio às instituições de ensino superior federais. Em algumas regiões, a afirmação pode até ser verdadeira (norte e nordeste, pela reportagem), mas como a média é nacional, acredito que a repórter, por mais que a afirmação tenha sido feita pela Andifes, deveria ter construído melhor o trecho. Há o mérito de o Brasil estar melhorando essa taxa, e talvez tivesse sido mais interessante pegar o gancho por aí do que trazer números que não batem com a informação – transformando, portanto, a matéria em uma matéria falsa, que não condiz com a realidade, ou pelo menos não com a que quer apresentar.’

A Agência Brasil respondeu ao leitor:

‘De fato, como o leitor observou, a tese de que os dados desmistificam a ideia de que os ricos são maioria nas universidades é da Associação Nacional dos Dirigentes Federais das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e não da Agência Brasil. Ainda que se possa discordar da opinião da entidade, acreditamos que ela que deve ser levada em consideração já que a Andifes congrega os reitores de todas as universidades federais do país – das tradicionais às recém-criadas – que lidam diariamente com a realidade dessas instituições e são portanto atores aptos a fazer tal análise. O que cabe a Agência Brasil é reportar os fatos com isenção.

Concordamos com o leitor que 43% (percentual de alunos das classes C, D e E) é menor do que 57% (alunos das classes A e B) e portanto não podemos afirmar que os estudantes pobres são maioria nas federais. Mas a intenção não era essa: nosso objetivo era apresentar informações de que, ao contrário do que muitos imaginam, os alunos de baixa renda estão sim presentes nas universidades federais, ainda que em menor número. Se essa não foi a ideia transmitida é possível que tenha faltado clareza de nossa parte. Mas vale salientar que em nenhum momento o texto afirma que as classes C, D e E compõem a maior parte do corpo discente das instituições federais.

Discordamos da crítica de que a matéria ficou ‘tendenciosa a elogiar o governo’. Se a análise da Andifes sobre os números era positiva, procuramos o outro lado entrevistando também os alunos de baixa renda que estão nas universidades federais. Foram ouvidas uma fonte do movimento estudantil e uma aluna da Universidade de Brasília (UnB) que se encaixa no perfil indicado pela pesquisa. Elas reclamaram da falta de assistência adequada que leva muitos à desistirem do curso justamente em função da questão econômica. Ou seja, em muitos casos a inclusão acontece, mas não há garantia de permanência. Esses dois lados da questão foram problematizados. A insuficiência dos recursos para a assistência estudantil foi apontada na matéria, inclusive porque é também uma demanda dos reitores para o Ministério da Educação (MEC). Vale acrescentar que a pasta foi procurada para comentar a questão, mas preferiu não se pronunciar.’

Esclarecido o ponto de vista da reportagem sobre a abordagem do assunto, resta dizer que se a declaração da ANDIFEStivesse aparecido entre aspas ficaria mais claro se tratar de uma opinião daquela fonte. Um destaque maior também poderia ter sido dado à ressalva apresentada na matéria de que: ‘Os dados mostram, entretanto, que o percentual de alunos das classes mais baixas permaneceu estável em relação a outras pesquisas feitas pela entidade em 1997 e 2003.’

Ou seja, tanto nas pesquisas anteriores, quanto na atual, os números confirmam o ‘mito’ de que as universidades públicas acolhem majoritariamente os filhos das classes altas. Nesse caso, os números referidos poderiam ter sido explicitados na matéria.

Até a próxima semana.”