1. Para todos os leitores, sobretudo jovens, que têm vindo a afastar-se da leitura dos jornais impressos – mas não do jornalismo –, um dos maiores factores de atracção que as novas plataformas da imprensa na Internet apresentam é sem dúvida a possibilidade de circularem de forma simples e rápida entre diferentes conteúdos informativos. Para quem se habitou a navegar na rede, é já difícil entender que o processo de obter informação, jornalística ou outra, possa dispensar o recurso às ligações hipertextuais na procura de mais conhecimento sobre qualquer tema.
No caso do jornalismo, essas ligações graficamente marcadas no texto de uma notícia – os links do jargão informático – são um recurso importante ao serviço da qualidade e da credibilidade do trabalho informativo, na medida em que permitem remeter os leitores para fontes documentais do que é noticiado, para explicações mais desenvolvidas ou complementares da informação prestada, para elementos de contextualização que foram dispensados na economia narrativa de uma notícia ou, simplesmente, para outras peças relacionadas com o tema.
Causa por isso alguma perplexidade que, apesar da profusão de hiperligações que para os mais variados fins se podem encontrar nas versões electrónicas dos jornais, a sua utilização na construção das notícias se situe ainda muito aquém do que poderia esperar-se face ao enriquecimento informativo que pode proporcionar. No caso do PÚBLICO, várias mensagens que tenho recebido de leitores da edição on line transmitem essa perplexidade, quando não alguma desconfiança sobre a ausência de links nas notícias.
Isso acontece sobretudo em relação a três tipos de peças informativas. Face a notícias que relatam as conclusões de um qualquer estudo ou relatório a que o jornal teve acesso, alguns leitores manifestam o desejo de conhecer directamente as fontes documentais em causa – que podem estar disponíveis na Internet ou, em certos casos, ser especificamente digitalizadas para consulta na plataforma on line. Por outro lado, é frequente que leitores mais interessados em novidades na área da investigação científica – a que o PÚBLICO dedica justificada atenção – mostrem insatisfação pela ausência de hiperligações às publicações ou sites especializados em que as informações tenham sido total ou parcialmente colhidas. Finalmente, no caso de informações retiradas da imprensa generalista internacional, surgem queixas sobre a ausência de links para as notícias originais, por vezes acompanhadas de críticas de infidelidade aos textos que foram consultados, mas nem sempre correctamente citados.
“Bem podiam ter posto um link que levasse à peça original, que é bem mais completa”, é um comentário típico de leitores que reclamam essas ligações. Outros, após terem consultado a notícia de um órgão de comunicação estrangeiro que foi reproduzida, e por vezes deficientemente creditada, no Público Online, sugerem que a assinatura “por…” deveria ser substituída por “traduzida por…”.Observações como estas nem sempre são justas e não podem ser generalizadas, mas mostram que, para os seus autores, não está só em causa a quantidade e qualidade da informação recebida, mas também a transparência dos processos editoriais.
Sérgio Gomes, coordenador do Público Online, assegura que “as ligações para páginas fora do universo do jornal sempre foram incentivadas” pelos responsáveis pela edição para a Internet, mas reconhece que “muitas vezes não se fazem”. Na sua perspectiva, “o noticiário de ciência é dos que mais se proporciona a ligações que podem enriquecer o trabalho dos jornalistas”, pelo que”juntar às notícias publicadas os estudos, os relatórios, os artigos científicos que estiveram na sua base devia ser uma prática corriqueira e enraizada”. “Mas – conclui – não é. Falta incutir nos jornalistas a ideia de que esse trabalho é muito valioso e que ajuda verdadeiramente quem nos lê a formar opiniões mais informadas e contextualizadas”.
Não posso estar mais de acordo. Creio que é ainda incompleta a adaptação de muitos redactores às exigências próprias do jornalismo neste novo meio, que obriga a procedimentos que se afastam de hábitos adquiridos na elaboração de notícias para a edição impressa. E que nem sempre são simples: colocar um link numa notícia não pode ser um acto mecânico que dispense o conhecimento e a reflexão sobre o conteúdo do texto para que se remete o leitor.
Para a omissão – que por vezes pode ser entendida como ocultação – de ligações hipertextuais úteis, poderá também contribuir a atitude defensiva, ainda que inconsciente, de quem não esteja preparado para aceitar o facto de existirem leitores que querem saber tanto como o jornalista sobre o tema de uma notícia publicada, e consideram, com lógica, que as novas tecnologias transformaram esse desejo num direito. Acresce que um trabalho jornalístico a que não faltem os links pertinentes facilita o escrutínio do rigor profissional do seu autor, da sua capacidade para compreender e transmitir as informações recolhidas, para avaliar o seu interesse noticioso e para as sintetizar, seleccionar ou hierarquizar de modo competente.
O jornalismo mais aberto da era da Internet coloca novos desafios aos profissionais e permite ir de encontro a novas exigências dos leitores. Colocar à disposição destes a informação suplementar que o universo do hipertexto permite sinalizar e fornecer de imediato é algo que deve ser visto como uma nova obrigação profissional dos jornalistas. Que não dispensa, bem pelo contrário, a sua função mediadora. Por muitos links que integre, a qualidade de uma notícia será sempre avaliada pelas escolhas traduzidas no que se escreveu. E é nessa avaliação, contínua, que se funda a reputação de um jornal de referência.
2. Nem tudo são rosas, porém, para o jornalismo na era do hipertexto. Pelo menos no actual estado de sofisticação tecnológica das plataformas jornalísticas na rede. Há ligações e ligações, e algumas são indesejáveis.
A um leitor que se queixou de que fora”rasurado” o link que colocara na caixa de comentários de uma notícia, com o louvável intuito de completar a informação nela contida, deixo a explicação do coordenador da edição on line: “A não publicação de links nos comentários dos leitores está relacionada com o perigo de aparecerem ligações para páginas com conteúdos aos quais o PÚBLICO não pode estar associado”, entre as quais “páginas pornográficas, racistas, xenófobas ou publicitárias”. Muitos endereços na rede “estão travestidos” e “existem programas especificamente criados para espalhar spam pornográfico em caixas de comentários de jornais on line, blogues ou páginas de facebook” – refere Sérgio Gomes, acrescentando:”Quando abrimos o espaço de comentários dos leitores no Público Online percebemos imediatamente que boa parte das mensagens era automática”,gerada pelos tais programas, “e incluía ligações para páginas que não estavam relacionadas com as notícias”. Foi para evitar a sua publicação que os responsáveis editoriais optaram por “não permitir quaisquer ligações externas no espaço de comentários”.
O coordenador do Público Online reconhece que, “numa situação ideal, as ligações externas válidas (aquelas que acrescentam informação à notícia, que a contextualizam, que a completam…) seriam permitidas”, o que para já “não é possível”,por falta de “capacidade” da equipa de editores de comentários para”confirmar todas as ligações enviadas pelos leitores antes da publicação”. Compreende-se a opção, mas o jornal poderia ponderar a hipótese de vir a validar ligações externas que, à partida, pareçam especialmente úteis, ainda que o fizesse pontualmente e sem carácter obrigatório.
As armadilhas da tecnologia num meio interactivo explicam, por outro lado, dois incidentes recentes com que fui confrontado. O primeiro caso relaciona-se com um espaço existente no final das notícias on line, onde surgem ligações para blogues que fizeram links para essas notícias, com o título dos textos que se lhes referem. O processo é automático, o que permite que possa surgir nesse espaço uma frase de conteúdo ofensivo e homofóbico como a que no passado dia 16 apareceu junto à peça dedicada a uma polémica que agitava o meio teatral, permanecendo em linha durante alguns dias. Fui informado de que “estas ligações não são escrutinadas antes de aparecerem on line” (prática que terá talvez de ser revista), e de que “as remissões para blogues inapropriados são retiradas sempre que o editor responsável é alertado”, como aconteceu neste caso.
O segundo incidente ocorreu no mesmo dia, afectando uma peça sobre o preço da electricidade, quando alguém conseguiu falsificar o endereço (URL) dessa notícia, substituindo o seu título por um desabafo grosseiro que se espalhou pelas redes sociais. Sérgio Gomes esclarece que “não existe uma solução técnica eficaz que impossibilite” este tipo de falsificação e, por isso, “o Público Online implementou um mecanismo de validação de URL’s” que, “em caso de adulteração”, reencaminha o leitor “para uma página intermédia onde aparece uma informação de erro e a indicação de que será encaminhado para o URL verdadeiro”. Os leitores interessados poderão consultar no meu blogue a explicação técnica detalhada do coordenador do Público Online e ponderar a sua sugestão de lançamento de um debate sobre a eventual “protecção legal” dos URL, tendo em conta que, no caso do PÚBLICO, estes “reproduzem os títulos das notícias que estão protegidas por direitos de autor”.
José Queirós
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Documentação complementar
Respostas do coordenador do Público Online a dúvidas colocadas pelos leitores
1. Sobre a não publicação de links nos comentários dos leitores
A não publicação de links nos comentários dos leitores está relacionada com o perigo de aparecerem ligações para páginas com conteúdos em relação aos quais o Público não pode estar associado – páginas pornográficas, racistas, xenófobas, publicitárias, partidárias…
Para evitar a publicação de ligações para este tipo de páginas, optou-se por não permitir quaisquer ligações externas no espaço de comentários. Muitos URL’s estão travestidos – aquilo que aparentemente é uma ligação”normal” pode atirar para páginas pornográficas, por exemplo. Existem programas especificamente criados para espalhar spam pornográfico em caixas de comentários de jornais online, blogues, páginas de facebook…
Quando abrimos o espaço de comentários dos leitores no Público Online percebemos imediatamente que boa parte das mensagens era automática (gerada pelos tais programas de spam) e incluía ligações para páginas que não estavam relacionadas com as notícias. Por causa dessa situação, a actual plataforma de edição de comentários substitui quaisquer URL’s por (…) já na fase de aprovação de comentários.
Numa situação ideal, as ligações externas válidas (aquelas que acrescentam informação à notícia, que a contextualizam, que a completam…) seriam permitidas. Mas essa possibilidade está condicionada à capacidade dos editores de comentários confirmarem todas as ligações enviadas pelos leitores antes da publicação. Cenário que, para já, ainda não é possível pôr em prática.
10 de Junho de 2011
Sérgio Gomes
2. Sobre a quase inexistência de links em notícias da edição on line
As ligações para páginas fora do universo do jornal sempre foram incentivadas pelos vários responsáveis que passaram pelo Público Online. Acontece que muitas vezes não se fazem links. O caso do noticiário de Ciência é dos que mais se proporciona a ligações que podem enriquecer o trabalho dos jornalistas. Juntar às notícias publicadas os estudos, os relatórios, os artigos científicos que estiveram na sua base devia ser uma prática corriqueira e enraizada. Mas não é. Falta incutir nos jornalistas a ideia de que esse trabalho é muito valioso e que ajuda verdadeiramente quem nos lê a formar opiniões mais informadas e contextualizadas.
10 de Junho de 2011
Sérgio Gomes
3. Sobre a publicação de uma frase ofensiva no link para um blogue em que foi comentada uma peça do Público Online
A plataforma Twingly que aparece no final de cada notícia do Público Online é um motor de pesquisa de blogues e uma ferramenta que serve para fazer ligações automáticas para blogues que fazem links às nossas notícias. No essencial, serve para incentivar a partilha de URL’s do Público na blogosfera. Cada vez que algum blogger publica o URL de determinada notícia do Público, a sua página fica automaticamente indexada a essa notícia. Nessa referência aparecem título do post e nome do blogue, seguidos de uma caixa onde os leitores podem reportar eventuais conteúdos com os quais o Público não pode estar associado (spam, conteúdo inapropriado, conteúdo irrelevante). No caso da notícia “Polémica entre encenador e Teatro do Bolhão ameaça saltar do Facebook para os tribunais” (16.09.2011) havia uma ligação para um blogue com conteúdo claramente inapropriado (linguagem grosseira, posições homofóbicas…). Ao contrário do que acontece hoje com os comentários, estas ligações não são escrutinadas a priori antes de aparecerem online. No entanto, as remissões para blogues inapropriados são retiradas sempre que o editor responsável é alertado. Coisa que aconteceu no caso em apreço.
23 de Setembro de 2011
Sérgio Gomes
4. Sobre a falsificação de um link para uma notícia do Público Online
O URL (sigla de Uniform Resource Locator, em português algo como localizador-padrão de recursos) da notícia”Regulador quer subir preço da electricidade em 30% para 2012” foi de facto adulterado no mesmo dia em que o texto foi publicado na secção de Economia. Alguém decidiu substituir o título verdadeiro por um título falso com linguagem grosseira acrescentando-lhe o ID real da nossa notícia (ID: número único atribuído por uma base de dados, uma espécie de número de bilhete de identidade das notícias). Esse endereço falso (que na prática ligava directamente para a nossa notícia) espalhou-se depois pelas redes sociais e blogues gerando confusão sobre a autoria daquele URL. Não existe uma solução técnica eficaz que impossibilite de todo a adulteração manual de links (sejam do Público Online, sejam de outros sites). No entanto, face a casos recentes de falsificação de links, o Público Online implementou um mecanismo de validação de URL’s. Na prática, isto significa que em caso de adulteração de URL o leitor é reencaminhado para uma página intermédia onde aparece uma informação de erro e a indicação de que será encaminhado para o URL verdadeiro.
P.S.- Era interessante lançar a discussão sobre a protecção legal dos URL. Não creio que exista no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos qualquer articulado sobre este assunto, mas o certo é que os nossos URL reproduzem os títulos das notícias que estão protegidos por direitos de autor. Poderia alguém ser legalmente responsabilizado por uso indevido de um URL?
23 de Setembro de 2011
Sérgio Gomes