Todos os meios de comunicação condenam severamente os responsáveis pela construção do metrô paulistano por ignorar sinais de que as coisas não iam bem, muito antes de se formar a grande cratera. A imprensa tem toda a razão – mas por onde andavam os repórteres, que também não captaram os sinais de perigo? Nas ruas, tentando levar a cidade para os noticiários, é que não era.
De acordo com as notícias divulgadas pela imprensa em geral, houve problemas em muitas edificações em todo o trajeto da linha 4 do metrô – a Linha Amarela. Também de acordo com o noticiário, surgiram trincas nos imóveis próximos ao túnel que desabou, houve reclamações, mas nada foi levado em conta até que sete pessoas morreram e toda a região em volta foi engolida pelo buraco. Como se explica que, com tantos sinais, tantos indícios, tantas reclamações, a imprensa não tenha ido atrás dos fatos?
A explicação é triste: por uma série de fatores, o normal é que hoje o repórter só vá às ruas com uma pauta para fazer – isso quando vai às ruas, em vez de se contentar com telefone e internet. Circular à toa, em busca de informações, nem pensar. Cultivar fontes, que passem em primeira mão informações exclusivas, é coisa trabalhosa, cansativa. E, como dizia a velha anedota, às vezes o repórter volta à redação sem executar a pauta porque houve um tremendo incêndio no caminho, com dezenas de vítimas, e não foi possível chegar ao local da matéria.
Um excelente repórter, Ricardo Kotscho, daqueles que preferem descobrir suas matérias a simplesmente executar pautas pré-fabricadas, pergunta: ‘Quantas outras armadilhas estarão espalhadas pela cidade nesse momento, e nós não estamos sabendo porque a nossa imprensa foi cada vez mais se afastando da realidade do nosso dia-a-dia?’
John Kenneth Galbraith, um dos mais brilhantes assessores do presidente Kennedy, abre um esplêndido livro, O Triunfo (editado no Brasil pela Nova Fronteira, em tradução de Carlos Lacerda), com uma descrição do trabalho da imprensa. Um país subdesenvolvido vive uma imensa crise, e nenhum meio de informação se preocupa com ela. Quando finalmente há um golpe, a imprensa despacha seus grandes nomes, que chegam ao local alguns dias depois e descrevem o que aconteceu – errado.
O caso do metrô paulistano mostra como a imprensa se tornou prisioneira da pauta e, salvo algumas exceções, abandonou a busca por notícias quentes e exclusivas. Na inauguração de Brasília, o jornalista Júlio de Mesquita Filho, o notável condutor de O Estado de S.Paulo, criticava o arquiteto Oscar Niemeyer por seu hábito de projetar prédios subterrâneos. E dizia que o Congresso, sob o tórrido sol do Planalto, não funcionaria se faltasse luz.
Nossa imprensa sofre do mesmo problema. Tem gente preparada, pós-graduada, com cursos no exterior, falando múltiplas línguas e entendendo tudo de semiologia cognitiva avançada, mas deixa de funcionar quando pifa a banda larga.
Os culpados da cratera
O engenheiro Isu Fang, comentando o acidente do metrô paulistano e sua repercussão na imprensa, lembra um fato ocorrido há 30 anos, quando o secretário da Saúde de São Paulo era o professor Walter Leser – lembrado sempre como um dos grandes ocupantes do cargo.
Houve muitos casos de encefalite em São Paulo e passou-se, como de costume, a discutir o desimportante: se enfrentávamos um ‘surto’ ou uma ‘epidemia’. Numa entrevista coletiva, um repórter perguntou a Leser a diferença entre surto e epidemia. Leser esclareceu: ‘Epidemia é um surto de que a imprensa tomou conhecimento’.
Fang acredita que um dos problemas que enfrentamos – imprensa, peritos, população – é lidar com fenômenos que não têm nem terão respostas claras. ‘Independentemente das culpas e negligências (que certamente houve), numa obra desta complexidade e porte são escolhidas alternativas técnicas, plenamente justificáveis no momento, que poderão se revelar erradas no futuro. E aí a tendência das pessoas é apontar na segunda-feira a tática que deveria ter sido usada para ganhar o jogo no domingo’. Pior: esses fenômenos, diz, são freqüentes. Basta pesquisar em todo o mundo os acidentes que ocorrem nas grandes obras.
A vida…
Lembra daquele guindaste que ameaçou cair, quando se abriu a cratera do metrô paulistano? Pois é: segundo o noticiário daqueles dias, o guindaste pesava 50 toneladas. Agora, quando o guindaste foi retirado, já pesava 120 toneladas. Está pior do que este colunista: bobeou, engorda rapidamente.
…como ela é
Em cinco dias, noticiam nossos meios de comunicação, repetindo informações das empreiteiras, foram retirados três mil caminhões de terra da cratera. Dá mais de um caminhão a cada três minutos, ininterruptamente, dia e noite, com sol ou chuva. Só que não era isso, não. Não havia tanto tráfego assim. E temos de levar em conta a multiplicação dos caminhões: quando tudo começou, eram 150. Onde será que arrumaram o resto?
Jogo pesado
Parece que em política vale tudo, menos jogar limpo. Um intelectual respeitado, famoso, que vem sistematicamente batendo no governo federal, contou outro dia uma história fantástica. Trata-se de uma conversa que teve há cinco anos, conforme disse, com um rapaz da Baixada Fluminense. O rapaz não o conhecia, mas deve ter gostado muito dele. Ficou íntimo. Contou-lhe tranqüilamente que tinha um tio delegado que mandava matar bandidos, deu-lhe detalhes das milícias que, na época, iniciavam a ocupação dos morros cariocas etc., etc.
Pergunta nº 1: por que guardar tanto tempo essa entrevista tão interessante? Como é que alguém que tem espaço nos meios de comunicação segura essas informações exclusivas e cheias de impacto?
A folhas tantas, o ilustrado jovem diz ao intelectual que é possível resolver o problema do narcotráfico dentro da lei. Se foi feito em Nova York e Medellín, comenta, por que não no Rio?
Pergunta nº 2 : se a entrevista foi feita há cinco anos, nesta época Medellín não tinha resolvido problema algum, nem dentro nem fora da lei. Até já tinha começado a enfrentar a Máfia da Cocaína (o capo Pablo Escobar tinha sido morto, seus sucessores eram perseguidos), mas a pacificação da cidade é bem mais recente – o presidente da República proclamou vitória há um ano, aproximadamente. Como um rapaz da Baixada Fluminense, por mais inteligente que fosse, saberia de um fato que ainda não havia acontecido?
A marca do luxo
Deu no jornal, logo após o presidente venezuelano Hugo Chávez anunciar que gostaria de cobrar mais pela gasolina de quem tivesse um carro de luxo, como um BMW: ‘Carrões em perigo. Em Caracas vendedor inspeciona um BMW de luxo citado por Chávez em discurso’.
Na foto, um cavalheiro agachado inspeciona uma fila de automóveis – todos Mercedes-Benz. E, cá entre nós, não é difícil identificar aquela estrelinha de três pontas, não é mesmo? O pessoal até costuma escrever Mercedez em vez de Mercedes, mas até agora não havia trocado a marca.
O fato e a versão
Um jornal importante informou que o promotor Igor Ferreira da Silva – que assassinou a esposa grávida, foi condenado a 16 anos de prisão e está foragido há mais de cinco anos – continuou tendo seus salários depositados por muitos e muitos anos. A promotora que acusou o assassino protestou, dizendo que o pagamento foi suspenso no dia seguinte ao do julgamento, quando se tornou claro que o condenado havia fugido. O repórter insiste: diz que houve o pagamento, sim.
Só que esta não é uma questão de afirmar ou negar. Não se trata de opinião, mas de um fato. Se o repórter sabe que o promotor foragido continuou recebendo seu salário por muito tempo (a propósito, esta é a informação de que este colunista também dispunha), não basta reafirmá-la: é preciso apresentar as provas. Da mesma forma, a promotora deve ter em mãos os documentos do que afirma, para liquidar o assunto de uma vez por todas.
Este colunista espera que, no intervalo entre a redação e a publicação deste ‘Circo da Notícia’, a questão já esteja resolvida e se saiba quem estava enganado.
Como é mesmo?
Texto de moda lembra muito os de rock e os de informática: normalmente, só são entendidos por quem já sabe do que se trata (e, portanto, não precisa ler a notícia). É sempre assim – mas, da mesma forma, sempre há algum que se destaca. Veja só que delícia:
‘Fiel ao seu estilo, a marca aposta numa imagem de modernidade que já foi considerada ousada pelos mais conservadores, e até um pouco estranha, mas hoje parece um pouco antiga em relação ao que é ser contemporâneo na maneira de se vestir.’
Madame Natasha, professora de piano e português, ótima personagem criada por Elio Gaspari, diria que o que se quis dizer é que as roupas já foram modernas, mas hoje em dia são mais antiquadas do que usar máquina de escrever.
E este, então? Não reclame: está mantido o texto original.
‘A vítima mortal foi atingido a tiro no abdómen e faleceu já no hospital da Guarda, onde se encontra internada, mas livre de perigo’.
Claro: depois de falecer, que perigo poderá ameaçar a vítima mortal?
Os grandes títulos
A moda, acredita este colunista, começou com as novelas: cria-se uma estrutura básica mas o desenrolar e o desfecho dependem da opinião do telespectador, aferida em inúmeras pesquisas. É aquilo que se chama de ‘obra aberta’.
Em novelas a coisa é antiga. Em títulos, é nova – mas como se espalhou!
1.
‘Felipe Calderón, Lula, Blair e Merkel na lista de personalidades presentes em’2.
‘Grandes nomes do jornalismo americano lançam site e jornal especializado em’Há títulos notáveis pela criatividade:
3.
‘Raica vai se jogar no pancadão’4.
‘Gisele Bündchen se joga na festa da Colcci’E aqueles que fazem questão de deixar tudo muito bem explicadinho:
5.
‘Oscar anuncia lista de indicados; confira os indicados’6.
‘Prazos de inscrição no Petrobras Cultural começam a terminar nesta semana’A propósito, quando é que os prazos terminarão de terminar?
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados