Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Avaliações levianas e tendenciosas

Certa vez, em entrevista ao Roda Viva, na TV Cultura, um dos entrevistados estava difamando várias personalidades do mundo político, acadêmico e artístico quando foi interpelado pelo mediador, que lhe perguntou:

– Tirando o senhor e Deus, quem mais presta no mundo?

A resposta:

– Eu não sei!

A mesma atitude vem sendo tomada pelos colunistas de economia há muito tempo e, em especial, no lançamento do PAC (Programa de Aceleração de Crescimento).

Muito mais do que ceticismo, a grande maioria dos colunistas dos principais jornais do país que tratou do tema fez avaliações sinistras do plano e, em cerca de sete parágrafos, resolvia que o problema econômico do crescimento do país era este ou aquele ponto ‘crucial’ que não havia sido elaborado de forma correta pelo programa ou havia mesmo sido ignorado. Cabe notar, porém, que a maioria das colunas, embora tratasse do PAC, não continha um ponto crítico comum. Quase como quando se lê horóscopo em diferentes jornais.

Pouca credibilidade

Quanto à cobertura dos veículos impressos, não divergiu muito da obscuridade. Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo procuraram dar uma ampla atenção ao tema e seus cadernos econômicos foram quase que exclusivos sobre o PAC. A Folha pecou por não se aprofundar muito nas medidas e a manchete principal do caderno ‘Dinheiro’ não poderia ter sido mais óbvia, tratando-se de um Programa de Crescimento Nacional: ‘Plano depende de empresários e oposição’ (terça-feira, 23/01). Em seu editorial, o jornal chamou as medidas de ‘genéricas’ e adotou uma posição totalmente avessa às propostas do plano, porém sem esboçar argumentos que pudessem sustentar seu ponto de vista de forma plena e sensata. Clóvis Rossi, colunista do jornal, em artigo intitulado ‘PAC, falar e fazer’, foi quem, dentre todos os comentaristas, elaborou a melhor análise sobre o programa, fugindo das previsões futuristas dos astrólogos e dos comentários de balcão de boteco.

O Estado de S. Paulo, embora tenha feito uma cobertura mais ampla e se aprofundado mais sobre as medidas, teve poucas matérias ‘isentas’ de sua posição editorial e poucas que realmente tivessem o mérito da credibilidade. O jornal chegou mesmo a estampar em sua capa uma manchete ridícula tratando-se de um programa de crescimento elaborado pelo presidente da República: ‘Dinheiro público sustenta plano’ (terça-feira, 23/01). Mas, então, com que dinheiro o PAC deveria ser elaborado? Apenas com o lucro das empresas privadas? Dentro do jornal encontramos também uma manchete decididamente tendenciosa: ‘PAC pode dar a Dilma passaporte para 2010’ (terça, 23/01). Quais os argumentos para o Estado fazer esta afirmação? Quais os critérios adotados pelo jornal ao publicar, sob a configuração de notícia, uma matéria opinativa?

Ritos cabalísticos, previsões obscuras

Marcelo Beraba, ombudsman da Folha, criticou certa vez os veículos de comunicação por não contarem com jornalistas especializados em suas redações. Segundo ele, este fato acaba gerando matérias insossas, sem informações e superficiais e, assim, as reportagens ficam apenas ocupando espaço editorial e em nada esclarecem o leitor (muitas vezes leigo) sobre o fato ocorrido. Esta crítica de Beraba fica mais nítida no caso atual, quando os jornais impressos, em especial o Estado de S.Paulo, foram ainda mais tendenciosos do que se esperava.

Não cabem aqui análises sobre as medidas do PAC, nem sobre seus efeitos na economia, visto que as mesmas ainda estão no papel e seu caráter não é definitivo. Mas, enquanto só o deus de cada um prestar no mundo e todo o pensamento for voltado para ele, é melhor cada um pegar suas crenças e ir para um retiro espiritual. Afinal, a sociedade depende, dentre outras coisas, de um pensamento sensato no coletivo, e não de ritos cabalísticos de previsões obscuras e sem fundamento.

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Coordenador de Comunicação, Jundiaí, SP