Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“Globo não escondeu o Pan, escondeu o Brasil”

Em sua primeira experiência como detentora dos direitos de transmissão de um grande evento esportivo, a Record tratou os Jogos Pan-Americanos como se fossem Olimpíadas. Deslocou 250 pessoas para Guadalajara, montou um estúdio gigantesco na cidade, contratou comentaristas e bombardeou o Brasil com imagens e narrações empolgadas das mais variadas competições, do futebol ao tiro com arco, da natação ao boliche.

A emissora ainda não se sente à vontade para fazer um balanço público dos problemas ocorridos durante os Jogos, mas sabe onde acertou: no volume de transmissões que realizou. Foram 138 horas, 95 delas ao vivo, “quase 40% a mais do que a Globo exibiu no Pan do seu próprio país”, diz Hororilton Gonçalves, vice-presidente artístico e de programação da Record, em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

Na visão de Gonçalves, a concorrente prestou um grande desserviço ao país ao tratar o Pan com quase nenhum destaque em sua programação. “A Globo não escondeu o Pan, a Globo escondeu o Brasil”, diz.

Eloquente nas críticas à Globo, Gonçalves é bem comedido na autocrítica à cobertura da Record. Diz que o trabalho ainda está “em fase de avaliação”, mas adianta que considera o balanço “altamente positivo”. As críticas à cobertura, na sua visão, são fruto de “um pouco de implicância e de má vontade com a Record”.

Sobre a contratação de estagiários para defender a Record nas redes sociais por meio de perfis falsos, como revelou a Folha.com, Gonçalves afirma não ter lido a reportagem. Mas contra-ataca, perguntando se as críticas anônimas à emissora não seriam obra da “equipe de estagiários das nossas concorrentes”.

Bispo da Igreja Universal, Honorilton Gonçalves fala da Record com discurso de executivo: “Estamos trabalhando duro para alcançar a liderança do mercado. Não vamos desistir deste alvo, estamos com o foco bem definido.”

Em Guadalajara, onde assinou o contrato de compra dos direitos de transmissão do Pan de 2019, Gonçalves aceitou conversar com o UOL Esporte, mas pediu que as perguntas fossem enviadas por escrito. Abaixo, a entrevista.

A recusa da Globo em assinar o “Instrumento de Disponibilização de Imagens” oferecido pela Record afetou a repercussão dos Jogos Pan-Americanos no Brasil? Como o sr. viu este episódio?

Honorilton Gonçalves– Infelizmente, quem saiu prejudicado foi o público que assiste à Globo. A Globo não escondeu o Pan, a Globo escondeu o Brasil. Como uma emissora do tamanho da Globo praticamente ignora o talento e o esforço dos nossos atletas, as conquistas das medalhas de ouro, os recordes pan-americanos, o hino nacional. Tudo foi simplesmente omitido pela Globo por puro orgulho. Foi como me lembraram esta semana. Em 2007, a Globo mobilizou centenas de profissionais para exibir o Pan do Rio. Quer dizer que agora, quatro anos depois, o Pan simplesmente deixou de ter importância? Estranho, né? Acho que a postura da Globo com um dos maiores eventos esportivos do mundo foi um desrespeito aos seus telespectadores. Imagino o que mais ela deve esconder nos seus noticiários.

A Globo utilizou imagens do Pan sem ter direitos, mas argumentou que o erro foi cometido pela APTN. Apesar disso, a Record acusou a emissora de agir “fora da lei”. O sr. mantém a acusação?

H.G. –Se a Globo errou, tudo bem. Quem não erra, não é? Mas o que parece é que a Globo forçou o erro. Todos sabiam que a Record tinha a exclusividade no Brasil. Desde que o Pan começou, distribuímos diariamente para todas as emissoras um resumo de três minutos das imagens dos eventos do dia. Antes, enviamos um documento oficial para regulamentar a exibição desse material. A Globo foi a única que não assinou. Sequer retornou nosso contato. A Record sempre seguiu as regras impostas pelo detentor oficial dos eventos esportivos no Brasil. Na Copa do Mundo, por exemplo, usamos as imagens com crédito da Globo. Não temos problemas com isso, o que nos importa é informar bem o telespectador.

O superintendente do COB, Marcus Vinícius Freire, classificou como um “problema” a menor visibilidade oferecida pela Record em relação à Globo. Em entrevista ao UOL ele disse: “Não considero prejudicial (a exclusividade da Record). Faz parte do mercado ter mais players no negócio. Depois, temos de procurar os caminhos. Em todo problema, você arruma uma oportunidade”. Como o sr. analisa esta declaração?

H.G. –Com a maior quantidade de horas que dedicamos aos eventos, seja nos telejornais ou nas faixas de transmissão, igualamos, e até superamos, a repercussão que uma competição esportiva tem na Globo. O COB e os atletas em geral nunca tiveram uma exposição tão grande, em quantidade de horas com audiências expressivas, como agora no Pan do México. Espero que isso ajude no desenvolvimento do esporte e na busca por mais patrocínios. Queremos o melhor para os nossos atletas, a Record está do lado deles.

Quais os pontos positivos e os negativos desta primeira experiência da Record na cobertura de um grande evento esportivo como o Pan?

H.G. –Ainda estamos em fase de avaliação. Esse tipo de análise não se faz da noite para o dia. O principal ponto é que os brasileiros acompanharam uma ampla e completa cobertura do Pan como nunca feita antes. As audiências foram significativas em todo País. Em São Paulo, alcançamos mais de sete horas na liderança em vários períodos do dia. Na final do futebol feminino, por exemplo, chegamos a dar picos de 32 pontos contra 17 da Globo em Brasília e 21 contra 18 deles em São Paulo. É claro que a média geral do evento poderia ter sido maior se optássemos em fazer apenas uma ou duas horas de transmissão no horário nobre, privilegiando os esportes mais populares no Brasil. Mas não olhamos para isso, preferimos investir numa cobertura diferenciada e em dar maior visibilidade aos nossos patrocinadores.

Qual foi o maior diferencial da Record em relação às transmissões da Globo em eventos desse porte?
O tempo dedicado ao Pan, sem dúvida. Veja bem esses dados. Fizemos 138 horas de transmissões, 95 delas ao vivo. Pra você ter uma idéia, no último Pan fora do Brasil, em Santo Domingo, na República Dominicana, a Globo exibiu somente 29 minutos de competições. Ou seja, transmitimos quase 280 vezes mais do que eles. No Pan do Rio, a Globo fez 99 horas. Fizemos aqui em Guadalajara quase 40% a mais do que a Globo exibiu no Pan do seu próprio país. Isso tudo, fora a Record News que exibiu no total 320 horas de Pan.

Romário foi o maior acerto no time de comentaristas? Ele será mantido para a Olimpíada?

H.G. –Todo o nosso time de comentaristas realizou um belo trabalho. O Romário fez análises precisas e contundentes, somou muito às nossas transmissões de futebol além de ter demonstrado um enorme carisma. Queremos que ele esteja conosco em Londres, mas isso depende da nossa vice-presidência de Jornalismo.

O que a Record aprendeu no Pan que não vai repetir nos Jogos Olímpicos de Londres?

H.G. –Como disse antes, estamos em período de análises. É claro que sempre vamos aprender um pouco mais no final de cada evento exclusivo que levarmos ao ar. Mas a equipe da Record está de parabéns por todo empenho e pelos resultados alcançados.

Como foi a negociação para adquirir os direitos de transmissão do Pan até 2019? Quanto a Record vai pagar?

H.G. –Os valores são sigilosos por força de contrato. A Organização Desportiva Pan-Americana (Odepa) antecipou a negociação devido ao bom relacionamento com a Record. Todo o comitê executivo da Odepa, o presidente do COI e outras autoridades olímpicas demonstraram muita satisfação com a maneira como a Record tratou os Jogos Pan-Americanos. Por isso, tivemos prioridade nessa negociação.

O que vai mudar na emissora nos próximos anos em função deste projeto esportivo?

H.G. –Vamos continuar investindo em nossa programação. Cada vez mais, queremos fazer uma televisão completa. Temos um projeto de TV em andamento e isso nos deu a segunda maior audiência e faturamento do Brasil. Mas queremos mais. Estamos trabalhando duro para alcançar a liderança do mercado. Não vamos desistir deste alvo, estamos com o foco bem definido.

Houve muitas críticas às transmissões da Record em Guadalajara. O exagero dos narradores, por exemplo. O corte abrupto de competições importantes para exibição de publicidade. O anúncio de estar transmitindo ao vivo quando não estava. Como o sr. reage a estas críticas?

H.G. –As pessoas não sabem que o responsável pela captação dos eventos não é a Record, mas o Copag (Cômite Organizador do Jogos Pan-Americanos de Guadalajara). Num evento como o Pan, nem todas as competições de brasileiros são transmitidas ao vivo. Muitas são disponibilizadas apenas no final da noite. E outra: nós precisamos atender a todos os públicos. Temos novela, os programas de auditório, os desenhos, as séries, os filmes. Temos compromissos comerciais com horários a serem cumpridos. A Record respeita seus anunciantes. Fomos corretos ao informar sempre o telespectador que certo evento era reexibido. Não erramos nisso. Bom, em resumo, o que vale é o balanço. E o balanço é amplamente positivo pelos resultados alcançados. Também preciso dizer que acho muitas críticas da imprensa um pouco de implicância e de má vontade com a Record. Mas não temos problema com isso: encaramos nossas possíveis falhas para corrigi-las no futuro. Eu lembro que na Copa da África uma campanha na internet promovida por torcedores brasileiros mandava o principal narrador da Globo “calar a boca”. Quando você é o foco de todas as atenções é assim: todo mundo fala de você. Ficamos felizes com tantas pessoas acompanhando em detalhes a nossa cobertura.

A Folha.com noticiou que a Record treinou estagiários para criar perfis falsos nas redes sociais com o objetivo de defender a emissora e criticar os críticos. O sr. considera esta ação legítima?

H.G. –Eu não li essa notícia. Sei que temos uma equipe que trabalha para divulgar a Record nas mídias sociais. Um trabalho, aliás, muito bem feito e que é legítimo, executado pelas grandes empresas em todo mundo. Mas você tem mesmo razão. De vez em quando, eu costumo ler na internet alguns comentários bem suspeitos sobre a Record com críticas desequilibradas, preconceituosas e sem fundamento. Será que não é a “equipe de estagiários” das nossas concorrentes?

A Record perdeu para a Globo os direitos do Brasileirão e do UFC. A emissora vai tentar alguma outra modalidade, tipo vôlei ou basquete?

H.G. –Estamos sempre em busca de grandes eventos para oferecer o melhor ao público da Record. Estamos na briga.

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[Mauricio Stycer é jornalista]