“A leitora Luciana Rocha escreveu para a Ouvidoria pedindo que a Agência Brasil desse tanto destaque às denúncias de corrupção na Assembleia Legislativa de São Paulo quanto às do Ministério do Esporte: ‘Eu não vi, nos destaques das notícias, a cobertura do escândalo de corrupção por venda de emendas parlamentares da Assembleia Legislativa de São Paulo. Por favor, vocês não podem ‘sentar em cima do caso’ e não dar o mesmo destaque que estão dando para as denúncias de corrupção que envolvem o Ministério do Esporte!
Nós aqui em São Paulo somos completamente órfãos de uma mídia de qualidade; somos manipulados pela mídia convencional de forma que nunca ficamos sabendo das imundícies e irregularidades que acontecem no estado. Vocês não podem omitir isso do público também, por favor!
Quero ver os escândalos de corrupção no Estado de São Paulo sendo escancarados. O público brasileiro merece saber que aqui também tem corrupção. A política do Estado de São Paulo também precisa de transparência, de divulgação,’, escreveu ela.
A Agência Brasil respondeu: ‘Como a própria a Alesp não acolheu as denúncias e não instalou uma CPI, não havia fato novo que justificasse a continuidade da cobertura. Estamos atentos ao assunto e, assim que houver fatos novos, retomaremos a pauta.’
O caso do ministro, a que a leitora se refere, resultou em sua renúncia e o assunto sumiu das páginas da ABr à exemplo do que aconteceu depois da renúncia de outros ministros desde o começo do atual governo.
Ao apagar o assunto de sua pauta a mídia passa para o cidadão a falsa idéia de que a corrupção foi extirpada. É como se houvesse um efeito mágico – elimina-se do poder o suposto corrupto e com isso a corrupção desaparece. Até que na semana seguinte surgem novas denúncias contra outros personagens – é apenas mais um capítulo da novela.
Em seu nascimento, o jornalismo brasileiro esteve muito ligado à literatura. Jornalistas eram escritores e vice-versa. Mas de uns tempos para cá o jornalismo parece se aproximar muito mais de autores de novelas, principalmente quando o assunto é corrupção.
Assim, de escândalo em escândalo, talvez a mídia esteja contribuindo justamente para a banalização das denúncias. A forma como são cobertos os casos de corrupção acabam levando à indiferença do público em relação a eles. Se juntarmos essa indiferença com a morosidade judiciária, a falta de transparência e a impunidade teremos certamente um caldo de cultura riquíssimo para a proliferação da corrupção. Pelo menos é isso que algumas recentes pesquisas demonstram.
Na página eletrônica mantida pela Controladoria-Geral da União – CGU (*), há uma biblioteca virtual de livre acesso, cujo objetivo é divulgar pesquisas e informações sobre corrupção, bem como disponibilizar dados sobre auditoria, fiscalização e ouvidoria. Todo o conteúdo é de domínio público ou obteve prévia autorização dos proprietários dos direitos autorais.
É uma fonte na qual todo jornalista que se dedica ao assunto deveria beber.
A Agência Brasil cobriu os fatos ocorridos na Assembleia Legislativa de São Paulo publicando cinco matérias entre os dias 06 e 27 de outubro, mas nenhuma delas teve o destaque pretendido pela leitora.
As matérias narram um caminho melancólico para as denúncias no qual interesses coorporativos dos parlamentares foram mais uma vez colocados acima do interesse público, conforme descrito na notícia: Conselho de Ética da Alesp rejeita requerimentos para ouvir secretários sobre denúncia de venda de emendas … Incapacitado de apurar seus próprios desvios e desmandos o Poder Legislativo estadual e os paulistas ficarão agora aguardando a investigação por parte do Ministério Público. Talvez o assunto não tenha merecido destaque por parte da ABr justamente pelo tipo de desfecho que ensejou.
Mas se no episódio a ABr não conseguiu ir além do factual declarado pelos envolvidos, uma notícia publicada no dia 04 de outubro trouxe para os leitores os resultados de uma pesquisa que explicaria antecipadamente os acontecimentos que sucederiam.
A matéria Pesquisa aponta falhas em órgãos de controle externo e comissões parlamentares de investigação … traz explicações do pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Bruno Speck, que coordenou um estudo realizado em parceria com o Instituto Ethos no qual procurou-se analisar as razões que levam Tribunais de Contas, assembleias legislativas e comissões parlamentares de inquérito, entre outros, a não funcionarem a contento no país.
Esse jornalismo que vai a busca das causas, das origens e dos mecanismos que facilitam a corrupção contribui decisivamente para a formação da consciência crítica do leitor a respeito do assunto.
Há algo mais pavoroso na corrupção que passa praticamente despercebido no que tange à mortandade provocada pelo assalto aos cofres públicos. Uma das possíveis abordagens seria demonstrar como o dinheiro desviado poderia mudar a realidade se aplicado na saúde, na segurança ou mesmo na educação.
Para fugir do óbvio é necessário um trabalho profundo de investigação, apuração e pesquisa. É preciso cruzar informações, checá-las à luz de fatos não tão óbvios quanto reportar um contrato com uma Ong inexistente. É preciso acompanhar os processos históricos em curso e a execução de políticas públicas com base em critérios que meçam eficácia, eficiência e transparência e contrapor tudo isso com as receitas, as despesas, as metas e os investimentos, conforme a responsabilidade de cada ator envolvido na execução, regulação e fiscalização das políticas públicas.
Essa deveria ser a contribuição do jornalismo para que cumprisse sua função social de debater as grandes questões nacionais. No entanto a atração pela fofoca de bastidores parece ser o caminho mais comum, mais fácil para se obter uma notícia, para impactar a vida do cidadão de maneira mágica, sem maiores explicações sobre o contexto em que esses fatos ocorrem. Explicar porque tais fatos aconteceram e que fatores os determinaram, é muito mais complicado.
Em um dos estudos disponibilizados na biblioteca virtual da CGU sob o título ‘Relatório corrupção: custos econômicos e propostas de combate’ (**), o cidadão encontra uma analise detalhada das razões e das formas de corrupção e como elas influenciam o desenvolvimento do país, inclusive quanto à eficácia das políticas públicas relativas à educação e à saúde. Nele, os pesquisadores trabalham com os índices de percepção da corrupção, ou seja, o grau de consciência e o conhecimento que o povo de uma nação tem dos esquemas e dos meandros da corrupção. É aí que entra a mídia fazendo o papel de dotar o cidadão da informação necessária para que ele descubra, investigue, denuncie e fiscalize os mecanismos de corrupção, corruptores e corruptos.
O documento mapeia esses mecanismos, os classifica e fornece dicas importantes para que a percepção da corrupção se alastre como uma vacina por toda a sociedade. Ele se constitui em um roteiro para os jornalistas montarem pautas consistentes e acompanharem o processo histórico da corrupção, explicando os fatos cotidianos por meio de suas causas estruturais, culturais e políticas.
Uma das conclusões apontadas está diretamente relacionada aos índices de percepção da corrupção e sua correlação com os índices de desenvolvimento comparado entre nações.
O estudo demonstra claramente que quanto mais consciência o cidadão tem a respeito dos fatores que levam a corrupção menores são os danos causados por esses fatores à qualidade de vida do cidadão e à eficácia da ação do estado. Ou seja, cidadãos mais conscientes diminuem o espaço de manobra para os corruptos praticarem seu esporte predileto: desviar recursos públicos.
A transparência é o melhor antídoto contra a corrupção – muitas mortes poderão ser evitadas se o jornalismo cumprir seu papel de investigar, apurar, pesquisar e informar sobre os caminhos obscuros onde se abrigam corruptos e corruptores.
Até a próxima semana.
(*) – disponível aqui.
(**) – disponível aqui.