Como todos os sentidos do corpo humano, a visão é uma questão de impulso, que nada mais é do que estímulos enviados ao cérebro e por este codificados, gerando informação. Impulsionada pelo anúncio do aumento salarial dos deputados em 91% e pela indignação de todas as frentes populares em relação a este fato, começou, há cerca de 20 dias, o olhar da cobertura jornalística referente à sucessão presidencial na Câmara dos Deputados que culminou no dia 1º de fevereiro com a eleição do candidato petista Arlindo Chinaglia.
Tema de editorias e colunas em quase todos os jornais impressos do país, a sucessão foi manchete e ganhou páginas nas quais eram feitas denúncias em relação às posições políticas dos candidatos e à sua falta de compromisso junto àqueles que deveriam representar. Críticas foram feitas aos deputados, aos blocos, aos partidos e, em um dos momentos raros da imprensa no Brasil, a notícia foi tratada com isenção, respeito ao leitor, sem pragmatismo, maniqueísmo e, acima de tudo, com bom senso – elaborando um quadro de como se encontrava a situação da sucessão, quem eram os envolvidos e em que contexto os candidatos se situavam. A imprensa exerceu seu papel e teve o mérito de inserir um adendo crítico à situação. Pena que só durou enquanto o buraco não fosse mais embaixo.
Um debate invisível
Com a tragédia acontecida na linha 4 do metrô de São Paulo, o noticiário da sucessão da Câmara foi esfriando e ficou relegado à mera cobertura dos fatos, sendo que, no ápice das discussões sobre a ‘cratera’, o assunto foi mesmo esquecido, como apontou Marcelo Beraba em avaliação sua na Folha de S.Paulo. Embora tenha realizado entrevista com os candidatos concorrentes ao cargo, o jornal não deu à matéria a importância que merecia e nem mesmo a importância atribuída quando do começo da cobertura.
O Estado de S. Paulo foi pouco diferente e até foi mais negligente quando a notícia deixou de ser ‘quente’, visto que o acidente em São Paulo e suas conseqüências, como apontado em outro artigo (‘Barganha e literatura na cobertura‘), foram exploradas até o viés do sensacionalismo ridículo que envolve os dramas nas novelas mexicanas.
Quanto à cobertura da eleição para a Câmara feita pelas revistas de maior circulação no país, o que podemos constatar – e que já foi percebido pelo público leitor e pelo mercado há muito tempo – é que, depois que entrou em voga no marketing o conceito de ‘segmentação’, as revistas também segmentaram suas linha editoriais e deixaram de exercer um papel digno de ser nomeado jornalístico. Exercem, sim, a função de noticiar os fatos sob a ótica segmentada à qual se destinam seus textos; sendo assim, a credibilidade que estes veículos merecem é a mesma que se destina aos religiosos extremistas que não respeitam o outro sob a acusação desse ‘diferente’ ser o símbolo do mal e da escória da humanidade. Ridículo.
Igualmente fraca foi a cobertura realizada pela mídia televisiva, que nem ao menos destacou o debate promovido pela TV do poder Legislativo e, já que o mesmo estava ocorrendo, nenhum canal de TV aberta se preocupou em retransmitir o sinal ou mesmo realizar uma cobertura destinada a mostrar à maioria da população o que ela não teria possibilidade de ver, visto que o debate só podia ser visto por quem tem TV a cabo ou antena parabólica.
Os trunfos da imprensa
Chega a ser deprimente que a imprensa brasileira não consiga manter o foco em assuntos diferentes dando-lhes a mesma importância, mesmo que estes não sejam manchetes no jornal. Principalmente neste caso, quando o assunto começou sendo tratada de uma forma clara e precisa e depois culminou numa cobertura, digamos, social, uma vez que no dia 2 de fevereiro o que se viu nos jornais não foram análises, nem matérias sobre como a sucessão pode ajudar ou não o PAC (principal assunto quanto à Presidência do país), ou mesmo ao governo – e, principalmente, como a sucessão pode ser ética e instrumento do povo. Com fotos dos candidatos se abraçando, sorrindo e trocando apertos de mão, o que se vislumbrou foi uma extensão do espaço reservado a Bergamo e Giobbi em local no qual deveria constar a mesma indignação e posicionamento crítico que os veículos adotaram em tempos remotos.
Analogamente ao apontado por Clóvis Rossi em seu texto ‘De Meca e de lucros’ (Folha, 1/2/2007, pág. 2), um dos grandes trunfos da imprensa é a sua capacidade de transformar a ‘notícia’ em argumento de venda e dela ‘livrar-se’ dela quando não mais representar assunto ‘do momento’. Podendo, é claro, ser reciclada num momento posterior, desde que, seu interesse seja ‘ressuscitado’. ‘Até porque não há fiscalização suficiente para saber se o frango, por exemplo, foi degolado olhando para Meca….’
‘A Meca para a qual olha o capitalismo é o lucro.’ E a imprensa?
Alguém aí tem colírio?
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Coordenador de Comunicação, Jundiaí, SP