Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

José Queirós

“Na passada quarta-feira, os leitores da edição Lisboa do PÚBLICO foram informa­dos de que a Direcção-Geral de Vete­ri­ná­ria se pro­põe lan­çar den­tro de alguns dias, a soli­ci­ta­ção da Câmara Muni­ci­pal de Miran­dela, uma ope­ra­ção de cap­tura de uma mati­lha de cerca de 200 cães sel­va­gens que se movi­men­tam em torno do aterro sani­tá­rio do Cachão, tendo já ata­cado agri­cul­to­res locais e fun­ci­o­ná­rios dos ser­vi­ços de des­carga dos lixos.

Inti­tu­lada ‘Ani­mais vadios em Miran­dela / Mati­lha que ata­cou agri­cul­to­res vai ser cap­tu­rada’, a notí­cia foi publi­cada nas pági­nas de infor­ma­ção local (estra­nha­mente só na metade sul do país) sem indi­ca­ção de auto­ria, embora a refe­rên­cia, no segundo pará­grafo do texto, a uma decla­ra­ção pres­tada à Lusa por um autarca de Miran­dela pudesse levar a supor que se base­ava, total ou par­ci­al­mente, num des­pa­cho daquela agên­cia noti­ci­osa. Ao fim da tarde do mesmo dia, a peça foi reto­mada na edi­ção online do jor­nal (essa sim, aces­sí­vel aos lei­to­res do Nor­deste trans­mon­tano), com uma única alte­ra­ção: pas­sara a ser assi­nada por uma jor­na­lista do PÚBLICO, Marisa Soares.

Apresentando-se como a ver­da­deira autora da notí­cia, uma outra jor­na­lista — Helena Fidalgo, da agên­cia Lusa — dirigiu-me uma recla­ma­ção em que fala de ‘plá­gio’ e ‘deso­nes­ti­dade’, con­de­nando o facto de alguém colo­car ‘a [sua] assi­na­tura num tra­ba­lho exclu­si­va­mente de outros’. Trata-se de uma acu­sa­ção grave. Qual­quer que seja a impor­tân­cia de uma peça noti­ci­osa, o res­peito pela sua auto­ria é uma obri­ga­ção pro­fis­si­o­nal e ética dos jor­na­lis­tas. Pro­cu­rei, pois, apu­rar o que sucedera.

Tive acesso ao texto da notí­cia ori­gi­nal, redi­gido pela jor­na­lista da Lusa e divul­gado pela agên­cia na manhã de terça-feira. Nesse mesmo dia, foi publi­cado na edi­ção elec­tró­nica do Diá­rio de Notí­cias, com a devida atri­bui­ção à agên­cia noti­ci­osa. Esse jor­nal optou por repro­du­zir na ínte­gra a peça de Helena Fidalgo, embora seja duvi­doso que alguém a tenha lido ali com a neces­sá­ria aten­ção, aten­dendo a que foi esco­lhido um título enga­noso, que dá como já ‘cap­tu­ra­dos’ os ‘cães sel­va­gens’ que pre­o­cu­pam os autar­cas de Mirandela.

No PÚBLICO, esta infor­ma­ção de carác­ter local não terá sus­ci­tado, na terça-feira, o inte­resse dos res­pon­sá­veis pela edi­ção online. Mas cha­mou a aten­ção de Marisa Soa­res, que nesse dia redi­gia para a edi­ção impressa do jor­nal uma peça de temá­tica seme­lhante, que viria a abrir as pági­nas de noti­ciá­rio local da edi­ção Lis­boa na quarta-feira, sob o título ‘Uten­tes da Arrá­bida movem acção popu­lar para tra­var aumento de cães sel­va­gens’. A seme­lhança dos dois casos, no norte e no sul do país, con­du­ziu à deci­são lógica de pagi­nar ao lado desta, como texto secun­dá­rio, a notí­cia da Lusa. A jor­na­lista do PÚBLICO assi­nou a pri­meira notí­cia, como lhe com­pe­tia, mas não a segunda, em que intro­du­ziu peque­nas alte­ra­ções de natu­reza formal.

Como acon­tece com alguma frequên­cia, ambas as peças foram mais tarde dis­po­ni­bi­li­za­das aos lei­to­res do Público Online, e cor­rec­ta­mente iden­ti­fi­ca­das como ‘arti­gos rela­ci­o­na­dos’ entre si, já que têm em comum abor­da­rem o mesmo tipo de situ­a­ção, que os repre­sen­tan­tes das popu­la­ções locais vêem como um pro­blema de saúde e segu­rança públi­cas, cuja solu­ção têm vindo a ser adi­ada pelas conhe­ci­das difi­cul­da­des de coo­pe­ra­ção ou con­fli­tos de com­pe­tên­cias entre autar­quias e depar­ta­men­tos da admi­nis­tra­ção cen­tral. A sua publi­ca­ção na pla­ta­forma da Inter­net ocor­reu perto das 20h00 de quarta-feira, devendo registar-se que a notí­cia sobre os cães sel­va­gens na área do Par­que Naci­o­nal da Arrá­bida foi ainda actu­a­li­zada uma hora mais tarde, dado que Marisa Soa­res con­se­guira entre­tanto com­ple­tar o seu tra­ba­lho com um escla­re­ci­mento pres­tado ao iní­cio da noite pela Direcção-Geral de Vete­ri­ná­ria, o que lhe fora negado na vés­pera com o habi­tual pre­texto buro­crá­tico de reme­ter a divul­ga­ção de infor­ma­ções para o minis­té­rio da tutela.

Pos­si­vel­mente devido ao facto de ter sido a mesma redac­tora quem pre­pa­rou para publi­ca­ção a notí­cia da Lusa sobre o caso de Miran­dela, foi-lhe tam­bém atri­buída — inde­vi­da­mente — a auto­ria da ver­são divul­gada no Público Online, aliás idên­tica à que saíra na edi­ção impressa.

Não tendo rece­bido res­posta da jor­na­lista a um pedido de escla­re­ci­mento que lhe dirigi, socorro-me, para a recons­ti­tui­ção do pro­cesso de pro­du­ção e publi­ca­ção desse texto, do relato feito pela direc­tora do jor­nal. ‘ O tra­ba­lho que Marisa Soa­res fez para a edi­ção em papel’ — explica Bár­bara Reis — ‘inclui dois tex­tos, um prin­ci­pal e um secun­dá­rio. O prin­ci­pal (que é sobre a situ­a­ção que se vive na serra da Arrá­bida em rela­ção aos cães sel­va­gens) foi publi­cado com a sua assi­na­tura por­que a infor­ma­ção foi reco­lhida e tra­ba­lhada uni­ca­mente por ela. [Marisa Soa­res] escre­veu o texto secun­dá­rio (que é o objecto da queixa) com base no take da Lusa e optou por não o assi­nar por­que enten­deu que não tinha quais­quer cré­di­tos sobre aquela infor­ma­ção. Para além disso, logo no segundo pará­grafo a jor­na­lista faz uma refe­rên­cia ao facto de as decla­ra­ções cita­das terem sido dadas à Lusa’.

Isto quanto à edi­ção impressa. Tendo os dois tex­tos sido mais tarde colo­ca­dos na edi­ção online, como se refe­riu, ‘só depois de rece­ber o email do Pro­ve­dor [envi­ado na noite de quinta-feira] a autora repa­rou que o texto que não tinha sido assi­nado no papel tinha o seu nome na edi­ção online’, informa a direc­tora, acres­cen­tando que, ‘uma vez detec­tado o erro, foi acres­cen­tado à assi­na­tura o cré­dito Lusa, e feita a refe­rên­cia à cor­rec­ção no fim do texto, como é regra’.

De facto, a notí­cia inti­tu­lada ‘Ani­mais vadios em Miran­dela / Mati­lha que ata­cou agri­cul­to­res vai ser cap­tu­rada’, que pode ser con­sul­tada no Público Online, apa­rece, desde a manhã de sexta-feira, assi­nada ‘Por Lusa, Marisa Soa­res’, tendo-lhe sido acres­cen­tada a seguinte men­ção: ‘Notí­cia cor­ri­gida às 10h12 de 2/12/11: alte­rada a assi­na­tura do autor, tendo sido acres­cen­tado o cré­dito da Lusa, que já estava citada no texto’.

É altura de recor­dar, em bene­fí­cio dos lei­to­res menos fami­li­a­ri­za­dos com estes pro­ce­di­men­tos, quais são as regras que devem ser obser­va­das no PÚBLICO para a assi­na­tura de tex­tos base­a­dos em des­pa­chos de agên­cias noti­ci­o­sas. Se nada é acres­cen­tado a um des­ses tex­tos, ele deverá ser cla­ra­mente atri­buído à agên­cia. Quando um redac­tor acres­centa a um des­pa­cho expli­ca­ções ou ele­men­tos de con­tex­tu­a­li­za­ção, man­dam as boas prá­ti­cas que o texto seja assi­nado com os nomes da agên­cia e do jor­nal, por esta ordem. Se, por outro lado, se baseia nos seus pró­prios conhe­ci­men­tos e fon­tes para rees­cre­ver o texto e o enri­que­cer com infor­ma­ções novas e dados com­ple­men­ta­res, servindo-se ape­nas resi­du­al­mente do con­teúdo do des­pa­cho, deve assi­nar a peça, refe­rindo no corpo da notí­cia o con­tri­buto da agência.

No caso em apreço, o que a jor­na­lista do PÚBLICO fez foi refor­mu­lar a notí­cia da Lusa, pro­va­vel­mente para a aco­mo­dar ao espaço dis­po­ní­vel e alte­rar a sua estru­tura, pro­cu­rando adap­tar ao estilo do jor­nal a forma tipi­ca­mente sin­co­pada dos des­pa­chos de agên­cia. Apro­vei­tou quase todos os dados infor­ma­ti­vos cons­tan­tes da notí­cia ori­gi­nal e res­pei­tou a sua subs­tân­cia (a única alte­ra­ção que pude detec­tar, e que aliás não deve­ria ter sido feita, foi a de reti­rar o artigo defi­nido ao topó­nimo Cachão, quando a jor­na­lista da Lusa se refe­rira cor­rec­ta­mente à zona e à aldeia ‘do Cachão’). E não acres­cen­tou qual­quer infor­ma­ção suplementar.

Em con­clusão:

1. Tem razão Helena Fidalgo, e são-lhe devi­das des­cul­pas, quando pro­testa con­tra o facto de a auto­ria de uma notí­cia por si ela­bo­rada ter sido atri­buída, no Público Online, a outra jor­na­lista. Se a natu­reza do tra­ba­lho das agên­cias noti­ci­o­sas e da sua uti­li­za­ção pelos jor­nais leva geral­mente a des­va­lo­ri­zar ou igno­rar a auto­ria indi­vi­dual dos des­pa­chos da Lusa, nada pode jus­ti­fi­car que uma notí­cia seja assi­nada por quem se limi­tou a dimi­nuir a exten­são ou a introduzir-lhe alte­ra­ções formais.

2. Face ao que pude apu­rar, a jor­na­lista do PÚBLICO não teve qual­quer res­pon­sa­bi­li­dade no erro come­tido, nem exis­tiu aqui qual­quer situ­a­ção de plá­gio ou ten­ta­tiva de usur­par a auto­ria de um tra­ba­lho alheio. Marisa Soa­res não assi­nou o texto ini­ci­al­mente publi­cado na edi­ção impressa, nem escon­deu que fora pres­tada à Lusa a decla­ra­ção, citada no texto, de um vere­a­dor de Miran­dela. A este res­peito, resta ques­ti­o­nar se uma peça de que não consta nada que não esti­vesse no des­pa­cho ori­gi­nal não deve­ria ser assi­nada — como creio que deve­ria — com o nome da agência.

3. O erro de atri­bui­ção de auto­ria na edi­ção online, entre­tanto reco­nhe­cido e cor­ri­gido, é assim de res­pon­sa­bi­li­dade incerta, devendo ser­vir para que se inten­si­fi­que, por parte dos res­pon­sá­veis edi­to­ri­ais, a vigi­lân­cia des­ti­nada a evi­tar situ­a­ções deste tipo. Não tenho notí­cia de quei­xas ante­ri­o­res con­tra o PÚBLICO neste domí­nio, mas é conhe­cido que exis­tem más prá­ti­cas de apro­pri­a­ção inde­vida de auto­ria em tex­tos de imprensa, e a velo­ci­dade de pro­ce­di­men­tos pró­pria das edi­ções online pode levar a des­cui­dos indesejáveis.

4. Neste caso dos cães sel­va­gens que inco­mo­dam cida­dãos de Miran­dela, o erro terá resul­tado de um equí­voco. Mas todos os erros devem ser cor­ri­gi­dos de forma com­pleta e trans­pa­rente. Não me parece que tenha sido pro­pri­a­mente o caso, quando a alte­ra­ção da peça do Público Online, na sexta-feira, con­sis­tiu em subs­ti­tuir a men­ção ‘por Marisa Soa­res’ pela assi­na­tura ‘Por Lusa, Marisa Soa­res’. As mes­mas razões que leva­ram (bem) a jor­na­lista do PÚBLICO a não assi­nar a peça na edi­ção impressa deve­riam ter con­du­zido à mesma solu­ção para a notí­cia repro­du­zida no Publico Online.”