Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A luta contra a censura

No dia 19 de janeiro, foi assassinado o jornalista turco Hrant Dink, houve uma grande manifestação de protesto contra o fato, o governo se viu obrigado a tomar providências e, no dia seguinte, foi encontrado o autor do homicídio, Ogun Samast, de 17 anos. Este, como fez questão de declarar, não mostrou o mínimo arrependimento. ‘Não tenho remorsos, li na internet que Dink havia dito ‘Sou turco, mas o sangue turco é sujo’. Assim, decidi matá-lo, portanto não me arrependo.’

Essa foi uma forma para que se pensasse que o crime não fora a mando dos ultranacionalistas. Mas, segundo Ruben Safrastyan, diretor da cadeira de Estudos Orientais da academia armênia, o próximo alvo dos ultranacionalistas será Orhan Pamuk, atual prêmio Nobel de Literatura, que encabeça a lista de uma série de escritores, jornalistas e artistas há algum tempo empenhados na democratização do país. O governo, para acalmar as fortes críticas de setores da opinião pública, decidiu dar proteção com guarda-costas aos imputados de ‘ofensa à identidade turca’, isto é, aqueles acusados pelo famigerado artigo 301 do Código Penal (crime contra a identidade nacional), que as autoridades insistem em manter.

Risco de vida

O escritor Yashar Kemal, conhecido como o Homero turco, autor de romances épicos sobre a Anatólia e sobre o povo curdo, que fora condenado pelo governo a cinco anos sem escrever devido a um artigo de sua autoria para o Der Spiegel – e que agora, aos 83 anos, decidira calar-se, resolveu falar à imprensa. ‘Hrant era a Turquia. Entre as pessoas que estavam na praça no sábado (depois do assassinato), havia somente cinco armênios, enquanto os outros dez mil eram turcos. Pela primeira vez, depois de tão odioso homicídio, as pessoas desceram para a praça aos milhares, espontaneamente. É um momento de virada, a Turquia não merece essa classe de dirigentes que não protege seus intelectuais.’

A vida de Orhan Pamuk foi se tornando mais difícil. Por temor de um atentado, ele cancelou sua viagem à Alemanha, onde, no dia 2 de fevereiro, deveria receber o título de doutor honoris causa na Universidade Livre de Berlim. O fato foi noticiado pelo diário Koelner Stadt – Anzeiger e a viagem se estenderia também às cidades de Colônia, Hamburgo, Sttutgart e Munique. O perigo não estava na Alemanha, mas nos deslocamentos.

‘Podem cuspir’

Neste sábado, 3 de fevereiro, fica-se sabendo pelos jornais da Europa que Pamuk resolveu deixar às escondidas a Turquia e asilar-se nos Estados Unidos, segundo ele o país mais confiável para protegê-lo. O fato ocorreu na sexta-feira, quando tomou um avião às 11h20.

Sua condição de alvo preferencial dos ultranacionalistas ficou mais acentuada depois do dia 7 de janeiro. O escritor, formado em jornalismo, mesmo sem ter exercido a profissão, foi por 24 horas diretor do jornal Radikal, de Istambul, o mais apreciado pela classe dirigente turca, principalmente pela rubrica ‘exterior’.

Pamuk começou pelo caderno de cultura, com um artigo intitulado ‘Podem nos cuspir na cara quando querem’, onde conta a história do célebre poeta turco Nazim Hikmet, perseguido por suas idéias de esquerda. Hikmet teve seus livros proibidos e refugiou-se na União Soviética, onde morreu em 1963.

Pedrada na censura

O diretor do Radikal, Ismet Berkan – que também foi detido, no ano passado, para prestar depoimento em juízo –, deu completa liberdade ao escritor para decidir sobre a primeira página.

‘Ontem fui jornalista em o Radikal‘. Esse foi título do editorial escrito por Pamuk, cujo texto é o seguinte: ‘Quando o diretor Ismet Berkan me convidou para dirigir o jornal por um dia, o leão diplomado em jornalismo que estava dentro de mim começou a rugir. Podia realizar todos os meus sonhos de anos sobre o papel da imprensa em um dia. Mas, pela manhã, quando fui para o jornal no carro do diretor, os sonhos e a confiança que tinha em mim mesmo esvaíram-se. Era suficiente ter o poder daqueles meninos que sentam por cinco minutos na cadeira do primeiro-ministro. Graças à ajuda dos experientes amigos do Radikal, no final da tarde fechamos a edição com a certeza de ter feito um jornal como gostaríamos de ler. Os artigos e as páginas que não agradarem aos leitores foram escritos por mim; os bons foram dos jornalistas do Radikal. Desejo a todos um bom ano. Orhan Pamuk.’

‘Ficou’ jornalista somente um dia, mas foi o suficiente para lançar a primeira e significativa pedra contra a censura aos meios de comunicação que prevalece no país.

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Jornalista, de Belluno (Itália)