Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Proibição de biografias leva editoras ao Supremo

A guerra de autores e editoras contra a proibição judicial de biografias publicadas no país acaba de ganhar uma nova frente de batalha. Além de um projeto de lei que tramita na Câmara para modificar o artigo do Código Civil que embasou a maior parte das proibições judiciais, o Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros) está criando uma associação para levar a disputa ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Em breve, as editoras devem entrar com uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no tribunal contra o artigo 20 do código, em vigor desde 2003, argumentando que o texto é conflitante com a liberdade de expressão prevista na Constituição. O artigo diz que, sem autorização de herdeiros ou biografados, a publicação de informações ou imagens pode ser proibida se “atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade” de retratados. Por causa de brechas na lei, a Justiça já proibiu a venda de obras como as biografias do músico Roberto Carlos e do jogador Garrincha.

Para o vice-presidente do Snel e diretor-presidente da editora Objetiva, Roberto Feith, o artigo é um “acidente”. “Estavam preocupados em preservar a privacidade do cidadão comum, mas esqueceram que esse mesmo texto poderia ser aplicado a grandes figuras da vida nacional.” Segundo ele, o mercado editorial acompanha de perto o trâmite no Congresso e torce por uma mudança na lei. Mas, escaldadas pela experiência da legislatura anterior – quando uma manobra de última hora barrou proposta semelhante na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) –, editoras tomaram um “caminho alternativo”.

Filão rentável

Na Câmara, um projeto de lei do deputado Newton Lima (PT-SP) para modificar o Código Civil foi aprovado na Comissão de Educação e Cultura no último dia 7/12. Em seguida, o texto, que agrupou outros dois projetos semelhantes, foi encaminhado para a CCJ. A votação deve ocorrer no ano que vem. Como tramita em caráter terminativo, se for aprovado, o texto já segue para o Senado.

Autor da biografia não autorizada Roberto Carlos em Detalhes, proibida em 2007, Paulo Cesar de Araújo defende a mudança no código. “Se continuar do jeito que está, vai ser impossível contar a história do Brasil. Se todos alegarem que a 'minha história é patrimônio meu', você só vai poder escrever sobre si próprio”, afirmou. Em entrevistas à época da proibição, Roberto Carlos disse que não houve censura: “Há um limite entre o que é de interesse público e o que é invasão de privacidade.”

Para Thalita Alvarez, gerente de marketing da editora Planeta, que publicou o livro de Araújo, o caso foi emblemático para o setor. “Desde o episódio Roberto Carlos, nenhuma editora se arriscou a publicar biografias não autorizadas, já que ficou claro que o Judiciário prioriza o direito à intimidade em detrimento do direito de livre expressão”, afirmou.

As biografias formam um dos filões mais rentáveis do país. Algumas editoras, inclusive, estão lançando obras do tipo para se consolidar ou se reposicionar no mercado, como a Sextante, que publicou recentemente a biografia do empresário Eike Batista.

Livro sobre Raul tem ameaça antes de ser publicado

Há sete anos, o jornalista Edmundo Leite prepara uma biografia de Raul Seixas (1945-1989). Já realizou mais de cem entrevistas em várias cidades de muitos países: Argentina, EUA, Alemanha, Suíça, além do Brasil, é claro. Coordenador do arquivo do jornal O Estado de S. Paulo, Leite, 40, espera lançar o livro em 2012, mas ainda não definiu por qual editora – diz estar em contato com várias. Paira sobre o projeto uma ameaça de uma ex-mulher do músico baiano, Kika Seixas.

Segundo Leite, ela de início foi receptiva ao livro e deu a ele duas longas entrevistas. Mas, em 2009, enviou um telegrama ameaçando ir à Justiça caso o jornalista mantivesse o projeto. A reportagem não conseguiu falar com Kika. Deixou recado, mas não houve resposta. Raul foi casado cinco vezes. Kika foi a quarta mulher e é mãe da última das três filhas do cantor, Vivian. À época em que o caso veio à tona, Vivian alegou que, nas entrevistas, Leite insistiu muito no tema das drogas.

O jornalista vê o caso com perplexidade (“O mais absurdo é que é uma ação de coerção antes da publicação, com o trabalho sendo feito”), mas diz que não vai recuar. “Não preciso de autorização. O livro vai ser publicado. Os direitos dos herdeiros têm de ser respeitados, mas não vou usar os direitos. Não vou contar somente a história do Raul, vou contar também parte da história do Brasil.” (FV)

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[Matheus Magenta e Fabio Victor, da Folha de S.Paulo]