Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

José Queirós

“Um título des­ta­cado anun­ci­ava, na edi­ção do PÚBLICO do pas­sado dia 8: ‘Um quinto da popu­la­ção por­tu­guesa não tem qual­quer nível de ensino’. É um exem­plo de infor­ma­ção de má qua­li­dade. A ideia sur­pre­en­den­te­mente nega­tiva trans­mi­tida na frase esco­lhida para este título era repe­tida, sem mais expli­ca­ções, no texto da notí­cia, que citava resul­ta­dos pro­vi­só­rios do último recen­se­a­mento da popu­la­ção, apre­sen­ta­dos na vés­pera pelo Ins­ti­tuto Naci­o­nal de Esta­tís­tica (INE).

A lei­tora Marta Aze­vedo pro­tes­tou, com razão: ‘Como intui­ria qual­quer pes­soa mini­ma­mente infor­mada e como se pode com­pro­var pelos núme­ros ins­cri­tos no grá­fico [junto à notí­cia], esse ‘quinto da popu­la­ção’, ou seja, os 19% dos resi­den­tes que não con­cluí­ram pelo menos o 4º ano de esco­la­ri­dade, inclui os bebés e as cri­an­ças que, em 21 de Março de 2011, momento cen­si­tá­rio, tinham dois dias de vida ou três meses ou oito anos e que ainda não tinham vivido o sufi­ci­ente para ‘ter qual­quer nível de ensino’. Serão bem mais de um milhão de resi­den­tes. É por esta razão que estas con­tas cos­tu­mam ser fei­tas para os mai­o­res de 10 ou de 15 ou de 18 anos e não para o total da população’.

De facto, incluir bebés e as cri­an­ças mais peque­nas na per­cen­ta­gem da popu­la­ção ile­trada não é cer­ta­mente o método mais ade­quado para ava­liar os níveis de esco­la­ri­dade num país. Fazê-lo, sem o expli­car, e apre­sen­tar o resul­tado em título leva qual­quer lei­tor menos atento a con­clu­sões erra­das, aliás con­tras­tan­tes com as ‘boas notí­cias’ que o mesmo texto refe­ria serem os dados esta­tís­ti­cos reve­la­dos pelo INEsobre o sig­ni­fi­ca­tivo cres­ci­mento, ao longo da última década, do número de por­tu­gue­ses com estu­dos de nível secun­dá­rio e superior.

A autora da notí­cia, Cata­rina Gomes, subli­nha que, ‘na apre­sen­ta­ção sobre os dados pro­vi­só­rios dos Cen­sos 2011 dis­tri­buída pelo INE’ no pas­sado dia 7, se lê que ‘a popu­la­ção sem qual­quer nível de ensino repre­senta ainda 19%’, e acres­centa ter enten­dido o termo ‘ainda’ como sendo ‘obvi­a­mente um juízo de valor pela nega­tiva’. Explica que se baseou nessa infor­ma­ção ofi­cial, ‘tendo par­tido do pres­su­posto de que essa per­cen­ta­gem [arre­don­dada no título para o tal ‘quinto da popu­la­ção’] res­pei­ta­ria à popu­la­ção por­tu­guesa com idade para poder ter com­ple­tado pelo menos o ensino básico’. ‘O INE responde-me agora’ — escla­rece a jor­na­lista após ter sido con­fron­tada com a crí­tica de Marta Aze­vedo — ‘que esse cru­za­mento com a idade ape­nas vai ser feito mais tarde, quando forem conhe­ci­dos os dados defi­ni­ti­vos’. E reco­nhece que a lei­tora tem razão, já que, ‘inde­pen­den­te­mente deste facto, a inclu­são de cri­an­ças abaixo da idade esco­lar na per­cen­ta­gem devia ter sido refe­rida’ no texto.

Sendo certo que o uni­verso a con­si­de­rar para quan­ti­fi­car o nível de esco­la­ri­za­ção de uma popu­la­ção deve ser, logi­ca­mente, o dos que têm idade para esta­rem esco­la­ri­za­dos, é estra­nho que o comu­ni­cado do INEtenha apre­sen­tado esse dado como o fez. Mas deve estranhar-se ainda mais que nin­guém na redac­ção do jor­nal se tenha ques­ti­o­nado sobre a vero­si­mi­lhança de um número que, se por hipó­tese absurda fosse ver­da­deiro, repre­sen­ta­ria uma forte regres­são da rea­li­dade esco­lar no país (e jus­ti­fi­ca­ria, nesse caso, ser des­ta­cado em título). E é igual­mente estra­nho que, tendo os resul­ta­dos do censo sido apre­sen­ta­dos em con­fe­rên­cia de imprensa, a oca­sião não tenha sido apro­vei­tada para escla­re­cer o equívoco.

 A lei­tora que cha­mou a aten­ção para o erro con­si­dera que este teria sido ‘menos grave’ se tivesse sido esco­lhido para o título outro dos ele­men­tos esta­tís­ti­cos então divul­ga­dos, que apon­tam, em geral, para avan­ços sig­ni­fi­ca­ti­vos nos níveis de esco­la­ri­za­ção da popu­la­ção naci­o­nal. ‘Mas isso’, comenta, ‘seria con­tra­riar a cul­tura naci­o­nal e uma certa cul­tura jor­na­lís­tica’ que pre­fe­ri­ria subli­nhar por norma os aspec­tos negativos.

 A autora da peça, por seu lado, diz ter estado ‘inde­cisa’ entre des­ta­car a infor­ma­ção sobre o número de pes­soas que não com­ple­ta­ram qual­quer nível de ensino ou o facto de que ‘o número de licen­ci­a­dos quase dupli­cou numa década’. Até por con­cor­dar que ‘mui­tas vezes, se opta pelo nega­tivo, confundindo-se este ângulo como sendo sinó­nimo de jor­na­lismo vigi­lante’. Neste caso, porém, pre­va­le­ceu outro cri­té­rio: ‘Depois de aus­cul­tar alguns cole­gas na redac­ção, assim como o edi­tor, disseram-me que a rea­li­dade do aumento de licen­ci­a­dos era conhe­cida e que vinha sendo noti­ci­ada nos últi­mos anos. Optei por con­ju­gar as duas ideias no lead, arran­cando com o número de licen­ci­a­dos, e con­tra­pondo o dos que não têm qual­quer nível de ensino, um valor que me pare­ceu mais surpreendente’.

A natu­reza sur­pre­en­dente de uma notí­cia é, sem dúvida, um cri­té­rio edi­to­rial rele­vante e faz todo o sen­tido privilegiá-lo na esco­lha de um título. Mas o que jor­na­lis­tas e edi­to­res con­fron­ta­dos com uma infor­ma­ção que lhes causa sur­presa devem fazer em pri­meiro lugar é questioná-la, pro­cu­rar compreendê-la e, se for o caso, confirmá-la. E, em segundo lugar, contextualizá-la e divulgá-la com rigor e cla­reza. Se esses cui­da­dos tives­sem sido obser­va­dos neste caso, ter-se-ia cer­ta­mente des­co­berto que o número de por­tu­gue­ses sem qual­quer habi­li­ta­ção esco­lar (e que teriam idade para a poder ter) andará pro­va­vel­mente pela metade do que foi noti­ci­ado — o que é subs­tan­ci­al­mente dife­rente da ima­gem que foi dada sobre o pano­rama da esco­la­ri­za­ção no país. Ter-se-ia evi­tado um título enga­noso, que aliás não foi objecto de rec­ti­fi­ca­ção. Reco­nhe­cido o erro, é agora dever do PÚBLICO pro­cu­rar obter e divul­gar os núme­ros que per­mi­tam, com o grau de pre­ci­são pos­sí­vel, retra­tar a realidade.

Goa inde­pen­dente?

Trata-se de publi­ci­dade e não de uma peça noti­ci­osa. Mas nem por isso deve­ria con­ter uma infor­ma­ção fac­tu­al­mente errada, espe­ci­al­mente quando se trata, como é o caso, de um anún­cio a uma ini­ci­a­tiva do pró­prio jornal.

Os lei­to­res inte­res­sa­dos pode­rão adqui­rir ama­nhã, com o PÚBLICO, um livro cuja publi­ca­ção tem vindo a ser pro­mo­vida nas pági­nas do jor­nal como uma ‘come­mo­ra­ção das bodas de ouro da sepa­ra­ção entre Goa e Por­tu­gal’, mar­cando os ‘50 anos de inde­pen­dên­cia de Goa’. Con­tra estas fra­ses pro­tes­tou o lei­tor Joa­quim Rebelo.

Na sua opi­nião, ‘parece mani­fes­ta­mente, ina­de­quado falar-se em come­mo­ra­ção rela­ti­va­mente à acçãomanu mili­tare levada a efeito pela União Indi­ana con­tra os ter­ri­tó­rios sob admi­nis­tra­ção por­tu­guesa, face ao res­peito devido à memó­ria dos mor­tos em com­bate, à perda sofrida pelos seus fami­li­a­res, à angús­tia dos que pade­ce­ram o cati­veiro, ao trauma vivido pela gera­ção con­tem­po­râ­nea aos acon­te­ci­men­tos, bem como, ainda, aos milha­res de natu­rais que opta­ram por man­ter a naci­o­na­li­dade por­tu­guesa’. E cri­tica tam­bém o recurso ao cha­vão das ‘bodas de ouro’ para assi­na­lar a efeméride.

Pense-se o que se pen­sar sobre os acon­te­ci­men­tos de 1961— e entre os lei­to­res do PÚBLICO haverá cer­ta­mente dife­ren­ças a esse res­peito —, o certo é que é errado evo­car os ‘50 anos da inde­pen­dên­cia de Goa’, expres­são tam­bém con­tes­tada pelo lei­tor. Goa e os outros ter­ri­tó­rios do cha­mado Estado por­tu­guês da Índia que foram ane­xa­dos há meio século pela União Indi­ana não se tor­na­ram inde­pen­den­tes. Pas­sa­ram a fazer parte da sobe­ra­nia indi­ana, como o pró­prio governo por­tu­guês viria a reco­nhe­cer tar­di­a­mente, em 1974.

Con­so­ante as pers­pec­ti­vas, poder-se-á refe­rir que se tra­tou de uma ocu­pa­ção ou de uma liber­ta­ção. Chamar-lhe inde­pen­dên­cia é um erro crasso. O anún­cio, de página inteira, foi publi­cado várias vezes. Deve­ria ter sido corrigido.”