Não é novidade, nem exagero, que a informação na internet muitas vezes é um alimento impróprio para consumo. Nos blogues, quando não é o blogueiro, são os leitores que escrevem com a maior sem-cerimônia aquilo que acham que é verdade, ou, preferivelmente, que gostariam que fosse verdade.
É certo que os disseminadores de informações falsas não formam maioria. Mas o seu número e a freqüência com que se manifestam são suficientemente grandes para sustentar a hipótese de que, apesar de tudo, os fatos estão mais bem servidos na mídia convencional do que na web – mesmo desconsiderando o que circula em sites de relacionamento como o Orkut e de expressão pessoal, como MySpace e YouTube.
É certo também que nem todos os erros ficam para todo o sempre sem correção. Mas a regra geral parece ser a de que é mais fácil sair uma informação errada na rede do que a informação errada ser corrigida.
Autoria identificada
Outro dia, o leitor de um blog escreveu que a imprensa paulista escondeu o ato de prepotência do prefeito Gilberto Kassab contra um cidadão que se pôs a protestar contra ele num posto de saúde. Ninguém o corrigiu, nem mesmo o blogueiro – porque se ficasse apontando cada inverdade ou meia-verdade nos comentários aos seus artigos provavelmente sobraria pouco tempo para ele próprio escrever. E não se está falando de opiniões ou juízos de valor, mas de fatos objetivos, passíveis de verificação elementar.
O site talvez mais infestado de erros – e decerto o maior indutor mundial de erros, pelos zilhões de internautas que o procuram a cada dia, tomam por verdade e reproduzem o que ali encontram – é a Wikipédia.
A chamada enciclopédia das novas gerações mereceu matérias de interesse na CartaCapital (‘Referência fast-food‘, edição nº 431, 12/2/2007) desta semana e na Folha de S.Paulo (‘Enciclopédia virtual busca superar Wikipedia‘, para assinantes do jornal ou do provedor UOL) da segunda-feira (12/2).
A primeira, do editor Antonio Luiz M.C. Costa, é um giro deprimente pela enciclopédia criada em 2001 e que só na versão original, em inglês, tem 1,6 milhão de verbetes. (Ao todo são 4,8 milhões, dos quais 238 mil em português.) ‘Abaixo da crítica’ é como Costa classifica boa parte da informação contida no site.
A segunda matéria, do repórter Eduardo Simões, traz uma boa notícia: vem aí uma enciclopédia virtual – Citizendium – que pretende fazer direito o que a Wiki (‘rápido’, em havaiano) faz torto.
Nesta, qualquer pessoa pode criar e alterar artigos. E esses colaboradores – cerca de 75 mil – podem esconder a sua identidade em pseudônimos. Depois de divulgar uma montanha de barbaridades, Jimmy Wales, o responsável pelo site – que forçou a demissão do antecessor Larry Sanger – criou uma espécie de conselho editorial para separar o lixo do resto. Afirmações duvidosas passaram a vir acompanhadas de uma advertência entre parênteses: ‘carece de fontes’, em português. Há verbetes em que a expressão aparece repetidamente, numa frase depois da outra. ‘Paredón’, em ‘ditaduras_cubanas’ é um caso. Impresso, não serviria nem para embrulhar peixe, como se diz nas redações.
Já o Citizendium – contração de ‘compêndio dos cidadãos’, em inglês – aceita apenas colaborações de autores identificados, cujos textos verão a luz do dia só depois de passar pelo crivo de uma centena e meia (por enquanto) de editores especializados, escolhidos entre os que enviaram currículos por e-mail. O site está em fase de lançamento. O seu criador é o mesmo Larry Sanger, ex-Wikipédia.
Sem fins lucrativos
‘Estudar certos verbetes da Wikipedia é pôr em risco tudo o que se aprendeu, se não a sanidade mental’, escreve Costa.
Ele exemplifica com um punhado de verbetes, começando por ‘ditaduras’, do qual transcreve trechos breves, mas suficientes para provar que se trata de um bestialógico, onde não se sabia o que é pior: os conceitos ou o português.
O artigo toca no nervo do problema nessa passagem:
‘A comunidade da Wikipédia tem uma cultura antiintelectual. Falta respeito para com a perícia e experiência de especialistas e sobra tolerância para com quem os despreza e ridiculariza. Quem tem qualificação, mas pouca paciência, desiste: ao editar artigos sujeitos a qualquer controvérsia, terá de defender exaustivamente suas opiniões contra leigos ineptos, prontos para desfigurar seu trabalho e denunciar suas objeções como `censura´. Se reclamar, receberá um passa-moleque ou um pedido para `cooperar´ com colegas incultos e pouco razoáveis. Muitas pessoas capazes, dispostas a cooperar educadamente com parceiros que fossem racionais, bem informados e bem-intencionados, caíram fora.’
É o que a blogosfera tem de pior, destilada num único site.
Contra isso é que pretende se erguer o Citizendum. ‘Sem fins lucrativos’, informa a reportagem da Folha, a nova enciclopédia ‘tem feito pedidos de doações através do seu site e acaba de se associar a uma empresa incubadora de projetos que não visam lucro’.
O dinheiro recebido – cerca de 40 mil dólares, disse Sanger à Folha – é pouco para pôr o site no ar. ‘Impossível prever’ quando isso acontecerá, reconhece.