O tempo esquentou às vésperas do Natal na suprema corte brasileira. Na noite de segunda-feira, último dia antes do recesso, dois ministros concederam liminares que dificultam a investigação de juízes.
Marco Aurélio Mello limitou os poderes do Conselho Nacional de Justiça, ao definir que o órgão precisará aguardar apurações conduzidas pelas corregedorias estaduais, e Ricardo Lewandowski brecou investigações em curso.
A Folha foi além de noticiar as liminares: afirmou, em manchete, que Lewandowski agiu em benefício próprio. Sua decisão suspendeu, entre outras, inspeções no tribunal de São Paulo que focam o pagamento de somas consideráveis de pendências salariais referentes à década de 90. Como ex-desembargador em São Paulo, Lewandowski, assim como o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, receberam esse dinheiro.
Os pagamentos são legais, mas há suspeitas de que alguns beneficiários foram privilegiados: ganharam antes dos demais e de uma só vez -em 17 casos, foram pagos até R$ 1 milhão para cada um.
Em nota, o ministro negou que tenha agido em causa própria já que o CNJ não tem poder de investigá-lo. Afirmou também que recebeu os passivos atrasados em parcelas.
Peluso subiu o tom e falou em ‘covardes e anônimos vazamentos veiculados pela mídia’, uma clara referência à Folha, que revelou também que ele recebeu R$ 700 mil.
Tudo indica que houve um exagero interpretativo na formulação da manchete de quarta-feira (‘Ministro do STF deu liminar que o beneficia’). No dia seguinte, a corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, explicou que estavam sendo analisadas apenas as folhas de pagamento de 2009 e 2010, o que exclui os dois ministros do Supremo, que nessa época não atuavam mais em São Paulo.
Além da ânsia acusatória, a Folha foi pouco transparente, ao não publicar essa parte da fala da corregedora. O único erro que o jornal admitiu foi em um pequeno título, dentro de um quadro, que se referia a Lewandowski como ‘alvo da investigação do CNJ’.
A Secretaria de Redação afirma que a manchete está correta. ‘O ministro Lewandowski suspendeu uma investigação cujo objetivo é apurar se houve irregularidade na maneira como o tribunal de São Paulo fez pagamentos a vários juízes nos últimos anos. Como ele recebeu parte desse dinheiro, é possível que os corregedores se deparassem em algum momento com problemas nos seus pagamentos. Com as investigações paralisadas pela liminar, esse risco desapareceu’, afirma.
A conclusão precipitada sobre as razões do ministro tirou o foco da discussão principal: por que, no apagar das luzes, o STF decide colocar freios no órgão de controle do Judiciário? Tanto que o ministro Marco Aurélio Mello, cuja liminar é mais danosa ao CNJ, sumiu temporariamente das páginas do jornal.
Outro problema dessa cobertura é o maniqueísmo. A história que se tem contado é a da brava corregedora disposta a enfrentar os ‘bandidos de toga’, sem levar em consideração os argumentos de quem vê no Conselho ímpetos policialescos.
A discussão sobre ‘quem fiscaliza aqueles que nos julgam’ é essencial numa democracia e não pode ser feita intramuros. Se o Judiciário é refratário a prestar contas à sociedade, resta à imprensa correr atrás de vazamentos. Mas é necessário redobrar os cuidados, porque, em guerras, como a que se trava na magistratura, não há informação desinteressada.
O dado de que o CNJ inspecionou 217 mil pessoas do Judiciário também foi contestado, desta vez por Eliana Calmon. Segundo a corregedora, esse número é um exagero, divulgado pelas associações de juízes, ‘maledicentes e mentirosas’, interessadas em fazer parecer que ela promove uma devassa indevida.
Denunciar falcatruas de ministros e integrantes do governo é fácil – a verba de propaganda oficial não é, como muitos pensam, fundamental na sobrevivência dos grandes órgãos de imprensa.
Já colocar a mão no vespeiro do Judiciário, principalmente nas vísceras da mais alta corte do país, requer muita coragem. Isso a Folha tem, mas não pode agir como franco-atiradora.