Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

 Não vi e não gostei

Como profissional brasileira do jornalismo há mais de 40 anos, já devia ter me acostumado com a face industrial que move a mídia ávida por faturamentos altos e gastos menores. O modelo BBB, copiado de outras redes espalhadas no mundo inteiro, tem sido alvo naqueles lugares de problemas com a justiça, tendo inclusive causado um suicídio nos EUA, de um dos seus participantes, o que resultou no estabelecimento de critérios mais rígidos e queda de audiência.

Em nossa pátria querida, ao se apresentar em sua 12ª edição, não me atraiu, nem tampouco as anteriores. Aliás, assisti, somente uma vez, à final da primeira versão, há muitos anos. Estava na casa de amigos em Campos do Jordão e me senti estranhamente bestializada pelo formato esdrúxulo daquela conquista milionária de um rapaz eleito pelas ligações pagas de um público que acompanhara a disputa do que eles chamam de “jogo”, cujas regras são baseadas em confinamento, pressão psicológica, sede de vencer e derrubar inimigos, muitas festinhas, intrigas, álcool liberado e camas para que casais “simulem” sexo, ou realizem Besteirol Bem Beatificado!

Entretanto, na semana passada, convidada a participar de um programa de uma rádio carioca de grande audiência, surpreendi-me com um dos temas daquela manhã: o tal do “suposto” estupro de vulnerável, que todos comentavam, e fui obrigada a dizer que me abstinha de opinar, pois nem vira nem acompanhara nada. Mas acrescentei que, no meu parco entendimento de ex-professora de teoria da Comunicação, considero este gênero de programação um “lixo” que nada acrescenta como exemplo de vida para uma população que, em média, tem baixo grau de escolaridade e que lhe é oferecido um conteúdo pobre – mas a indústria busca atingir seus propósitos e o faz com certa competência e enorme indignidade.

A oficialização do crime

A partir do dia dos debates, busquei ler a respeito, acompanhei então muitas opiniões e até programas específicos, um deles na TV Brasil, no domingo (22/01), todos, versando sobre a qualificação ou não da censura possível ou de algum controle consentido aos conteúdos de uma exposição de ideias, comportamentos e fatos que uma rede de televisão possa ter, considerando a tal “concessão” de serviços que lhe é facultada – e a legislação vigente, como sempre, sem regulamentação específica e com brechas mil para que se injete “lixo” na cabeça das massas, ou se dê a elas a remota chance de discernimento para escolhas educativas de qualidade.

Evidentemente que os chavões imperam nas análises, as providências legais são lentas, a emissora de TV tomou suas “medidas” paliativas e o BBB segue captando audiência do tipo “falem mal mas falem de mim”.

Lamentável ou não, o fato é que o assunto é a pauta do momento, pelo menos no que tange aos milhões arrecadados pela rede televisiva, não só com os anunciantes investidores no modelo de programa, um dos quais uma holding fabricante de bebidas, como também por convênio com operadoras de telefonia e a pontuação da audiência que cresceu a partir da repercussão do episódio, o chamado “babado forte” da sexualidade implícita na transmissão ao vivo e a cores, principalmente para aquele público pagante de pay per view, identificado em sua maioria como jovens que passam as madrugadas assistindo ao que “rola” na jaula dos BBBs.

Em torno de tanta celeuma, nem sequer tentei ver um programa. Não consigo mesmo, é uma repugnância pessoal e fisiológica; será, inclusive, objeto de questionamento ao meu terapeuta, logo que ele retorne das suas férias de verão. Pergunto-me se a mídia multifacetada, industrializada, manipulada ou manipuladora, ainda teria espaço para fatias ínfimas de um público alienado ao que se passa no seu conteúdo generalizado, do tipo que eu me considero agora… não vi e não gostei… e vou tentar não me abster da sintonia de viver num país onde a democracia da informação é conquista mas a oficialização do crime banalizado deve ainda ser investigada, apurada e punida, como li em manifesto assinado por um conjunto representativo de entidades femininas, direcionado ao Ministério Público.

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[Maria Aparecida Torneros é jornalista, Rio de Janeiro, RJ]