Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Extra scientia nulla salus

Um amigo meu, professor de geografia, informou-me pelo MSN Messenger sobre a reportagem de capa da revista Superinteressante do mês de dezembro de 2007 e ficou preocupado com a forma pela qual essa revista tratou um tema: ‘Sexo na Igreja’. Observei a capa, o título e a imagem, que lembra São Sebastião, mártir cristão que morreu por se negar a obedecer ao imperador romano. Após isso, fui observar as capas das últimas 24 edições da revista e descobrir temas que se relacionam principalmente a assuntos ligados especificamente à religião, Deus, fé em geral e ao cristianismo e catolicismo em particular:

EDIÇÃO

TEMA

CAPA

DATA

223

O Mistério dos Templários

Um monge medieval Templário

Fev.2006

226

O Novo Judas

Um homem de costas para o calvário

Mai.2006

227

Nos bastidores do Opus Dei

Uma coroa de espinhos

Jun.2006

232

Exorcismo

Uma pessoa possessa

Nov.2006

237

Espíritos

Uma figura humana (fantasma)

Mar.2007

239

A história secreta da Igreja

Uma cruz

Mai.2007

240

Darwin: o homem que matou Deus

Um primata

Jun.2007

246

Sexo na Igreja

São Sebastião

Dez.2007

Uma visão camuflada

Foram oito temas relacionados com questões afins, assuntos recorrentes e que emergem no discurso da revisa sob uma visão jornalística. Este jornalismo parece ser um álibi para que a revista possa falar de tudo em geral, mas sob uma análise da realidade peculiar da divulgação científica. Percebe-se uma característica interessante da revista, onde os discursos e símbolos assumem uma posição ideológica, filosófica, exposta através das linguagens usadas: palavras, figuras, símbolos e infográficos. Nos temas das capas religiosas há uma tensão entre os pensamentos científico e religioso. O discurso de Superinteressante torna-se palco de uma luta e assume um caráter de configuração ideológica anti-religiosa.

É perceptível nos assuntos das capas caracteres diversificados que às vezes são diferentes da proposta da divulgação científica (stricto sensu), dado que a revista se apresenta para um público eclético e bem plural, interessado por assuntos de cunho religioso, ou ao menos revoltado com a religião. Entende-se aqui por religião uma manifestação humana que se encaixa como expressão simbólica muito presente e necessária à vida e existência. Tanto quanto a ciência, em sua imediata utilidade na vida das pessoas, a religião tem um caráter essencial na humanidade.

A escolha de Superinteressante em colocar na capa um assunto religioso levanta a hipótese de que é uma tendência do periódico para agradar ao seu público e, ao mesmo tempo, transmitir sua ideologia. A revista usa formas sofisticadas de apresentação dos assuntos religiosos logo na capa, uma estética arrojada, com cores chamativas e imagens que apelam para o imaginário popular e para o sensacionalismo. Há um diálogo pertinente entre leitor e revista, determinado pelo contexto onde se expõem opinião e sentido do assunto expresso, sob uma visão camuflada de ciência.

Mistérios da humanidade

Ao analisar os enunciados dos assuntos sob a abordagem jornalística de Superinteressante, observa-se que o religioso é tratado como mítico, no sentido mais vulgar que o termo possa lembrar. Fé e religiosidade transformam-se numa ficção ideológica, numa falsidade filosófica. O discurso da ciência e de divulgação científica torna-se arma contra a religiosidade, a fé e Deus. Busca-se o consenso dos cientistas, e a ciência como verdade absoluta, capaz de responder às questões morais, sociais, filosóficas, existencialistas e religiosas: ‘Extra scientia nulla salus.

Ao questionar o proceder cristão e da Igreja, bem como a religião e Deus, a revista arroga à ciência um proceder neutro, objetivo, moral – e isso não existe. A prática científica se torna discurso científico e ideológico. O discurso de divulgação científica no discurso jornalístico de Superinteressante é ideológico e, além disso, tende para o reducionismo. A revista é palco de expressão das posições filosóficas latentes nos discursos de alguns cientistas que combatem a religião. Pois esses discursos são manifestos em práticas de profissionais da área de comunicação (porta-vozes dos discursos). Nas capas da revista percebe-se um criticismo carregado ideologicamente, pois abordam temas numa análise jornalística onde a ciência é usada na pretensão de esgotar o assunto, reduzindo-os. E Deus, religião e fé são tratados de forma profundamente superficial. O paradigma da ciência divulgado pela revista é visto como aquele que duvida de tudo até ser provado, dentro de uma metodologia de análise empírica, que pode responder às questões mais profundas e misteriosas da humanidade.

Problemas vitais não foram tocados

O método atual da ciência aplica e testa as proposições científicas rigidamente. Todavia, há realidades que escapam das enunciações e da metodologia científica atual. O professor de física teórica Marcelo Gleiser, do Dartmouth College, em Hanover (EUA), em seu artigo ‘Testando a relatividade’, na Folha de S. Paulo de domingo (16/12/2007), destaca o que é ciência e suas características, citando, por exemplo, a astronomia: ‘O que diferencia a ciência é justamente essa insistência em que as hipóteses sejam testadas e verificadas em laboratórios ou, no caso da astronomia, por meio de observações com telescópios e outros instrumentos capazes de colher informação do céu. Não adianta que uma idéia seja ‘bela’ ou extremamente elegante: sem ser verificada, não é aceita pela comunidade científica’. Ora, nem tudo se encaixa nessa metodologia.

Mino Carta, no seu blog (07/12/2007), ao comentar a capa de CartaCapital cujo tema era a existência de Deus, destaca que ‘O assunto é quente, no Brasil e no mundo. Três livros, dois de autoria de Richard Dawkins, um de Sam Harris, negam a existência do Criador e são best-sellers. O mais contundente é o mais recente de Dawkins, Deus, um Delírio. Confesso que a questão não me tira o sono.’ Continua Mino Carta: ‘Este gênero de pensamento, baseado na aposta em um mundo melhor porque livre de Deus é, no entanto, outra forma de fé. Você abandona uma, e adere a outra.’

O paradigma científico que é usado para questionar a fé, a religião e suas derivações não é consenso nem entre os cientistas. Atualmente, o modelo científico ignora muitas posições filosóficas e expressões humanas importantes que ajudariam a uma análise madura dos fenômenos. Em outras palavras, há uma luta feroz por pensamentos, por idéias, por determinações cotidianas, para convencer, dominar e, se possível, condenar por meio da comunicação. Por fim, o sábio Wittgenstein nos orienta bem e nos questiona mais ainda, nós, o povo, e os que acham que fora da ciência não há salvação: ‘Sentimos que, mesmo que todas as possíveis perguntas científicas tenham tido respostas, os nossos problemas vitais ainda não foram nem tocados’ [Tratactus Logico-Philosophicus – 6.52].

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Jornalista, escritor e pós-graduando em Meio Ambiente e Desenvolvimento no Centro de Ensino, Pesquisa e Extensão Socioambiental (Cepesa), na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Itapetinga (BA)