Em 2006, antes que o governo Obama tornasse rotina os procedimentos judiciários por vazamento de informações secretas, três juízes de tribunais de recursos federais de Nova York tentavam decidir se um promotor deveria poder ter acesso às gravações telefônicas de dois repórteres do New York Times, Judith Miller e Philip Shenon, a fim de determinar suas fontes em algumas reportagens sobre instituições beneficentes islâmicas. “Estou pensando na cena do filme Todos os Homens do Presidente”, disse o juiz Robert D. Sack, citando o importante precedente no cinema. Ele se referia à parte em que Bob Woodward, encarregado de desvendar o escândalo de Watergate para o jornal The Washington Post, encontra sua fonte em um estacionamento subterrâneo.
“Em primeiro lugar”, perguntou Sack, “será que as pessoas precisam se encontrar numa garagem para manter o sigilo? Em segundo lugar, o governo poderá usar a câmera do circuito de segurança?” Seis anos e seis ações penais depois, essas perguntas parecem tão ingênuas quanto óbvia é a resposta: sim a ambas. Antigamente, os jornalistas tinham uma possibilidade considerável de proteger suas fontes. A melhor e por vezes única maneira de identificar uma pessoa que vazasse informações era pressionar o jornalista ou o veículo ao qual ele pertencia que recebera a informação, mas era até possível resistir às ordens para depor em juízo.
Hoje, os avanços tecnológicos em matéria de vigilância eletrônica permitem ao governo ficar perpetuamente de olho nas pessoas que têm acesso a informações sigilosas. Isso dá aos promotores a possibilidade de punir os funcionários por revelarem assuntos sigilosos sem entrar em atrito com a imprensa. As mudanças subverteram o acordo existente há décadas entre a segurança nacional e a liberdade de imprensa, pelo qual o governo fazia o que podia para proteger seus segredos, mas exercia a discrição para recorrer a intimações e acusações criminais quando falhava.
Casualidade e disponibilidade de provas
A própria administração de George W. Bush, que não gostava de vazamentos, obedecia mais ou menos a essas regras. “O governo não persegue todo vazamento”, disse Mark Corallo, que foi porta-voz do Departamento da Justiça no governo Bush. “Em geral, é mais importante que a mídia tenha a possibilidade de informar. Isso é importante para a nossa democracia.”
Não parece ser esse o ponto de vista do governo Obama, que processou mais gente contra a corrente ou ex-funcionários do governo por fornecerem informações sigilosas à imprensa do que os governos anteriores juntos. “Isso aumenta o grau da paranoia”, disse Steven Aftergood, especialista em sigilo oficial da Federação de Cientistas Americanos, falando das recentes tendências. “À medida que a segurança foi intensificada, também se intensificou a ansiedade de muitos funcionários do governo que lidam com a imprensa e com o público.”
Corallo, que trabalhou para o secretário de Justiça de Bush, John D. Ashcroft, disse que estava “chocado” com o volume de processos por vazamentos de informações no governo Obama. “Nós seríamos punidos por isso”, afirmou. A atual administração atribui o volume de processos à casualidade e à disponibilidade de provas, rejeitando as acusações de que esses processos seletivos são motivados por interesse político. “O Departamento de Justiça sempre leva a sério os casos em que funcionários do governo e empreiteiras às quais eram confiadas informações sigilosas são suspeitos de revelar deliberadamente essas informações a pessoas que não têm o direito de estar a par delas”, explicou um funcionário do departamento. “Em geral, as ações penais contra pessoas que deixaram vazar informações sigilosas para repórteres têm sido raros, em parte por causa das dificuldades inerentes à identificação da pessoa responsável pela revelação ilegal e à compilação das evidências necessárias para prová-las.”
A captura e interrogatório
Ashcroft autorizou uma única intimação para ouvir o testemunho de repórteres ou gravações em seus quatro anos no cargo, disse Corallo. A intimação foi provavelmente aquela que incomodou Sack em 2006. Os repórteres perderam. Discordando, Sack disse que temia pelo futuro. Ele escreveu: “Os repórteres podem, por uma questão de necessidade prática, contatar fontes da maneira como imagino que os narcotraficantes contatam as suas – usando celulares clandestinos e reunindo-se em lugares sombrios. O uso comum do telefone pode tornar-se uma ameaça para o jornalista e para a fonte. É difícil perceber quais os interesses que esse regime beneficiará.”
O que ele imaginava agora pode ser uma realidade. Basta ver o mais recente processo, o de John C. Kiriakou, o ex-funcionário da CIA que teria revelado informações sigilosas a jornalistas em 2008 sobre a captura e interrogação de um agente da Al-Qaida. Daniel Ellsberg, que forneceu a história secreta da Guerra do Vietnã conhecida como os “Documentos do Pentágono” ao New York Times, disse que estava profundamente preocupado com as acusações. “A intimação de Kiriakou por causa dos vazamentos” das identidades de funcionários da CIA envolvidos em um programa que muitos definiram como tortura, ele disse “é particularmente revoltante pelo fato de não existirem intimações por tortura, ou por dirigir sessões de tortura, ou por redigir justificativas espúrias da tortura.”
“Não sejam bobos de usar o e-mail”
A ação penal no caso afirma que tem base em grande parte em “e-mails recuperados mediante mandados de busca em duas contas de e-mails relacionados a Kiriakou”. Aftergood disse que a ação forneceu importantes indícios de interações entre repórteres e fontes e demonstrou que uma nova era acabava de nascer na questão da segurança. “O processo Kiriakou é espantoso”, disse, “porque vemos o governo vasculhar o próprio processo de produção da notícia”. Somente um dos jornalistas envolvidos no caso Kiriakou foi identificado publicamente: Scott Shane do The Times. Uma porta-voz do jornal disse que nem o jornal nem Shane foram contactados pelos investigadores ou lhes forneceram informações. Aparentemente a pista digital foi suficiente.
A solução para os repórteres, disse a diretora executiva do Comitê dos Repórteres pela Liberdade de Imprensa, Lucy Dalglish, é adotar os métodos usados por Woodward nos anos 70. “Pelo amor de Deus, nada de e-mails”, ela disse. “Deixe o celular. Cuidado com seus cartões de crédito. Cuidado com as suas passagens de avião. Esses caras da Agência de Segurança Nacional sabem tudo.” Corallo, ex-porta-voz do Departamento de Justiça, fez a mesma advertência aos funcionários do governo. “Não sejam bobos de usar o e-mail”, disse. “Vocês devem falar com um repórter cara a cara, entregar-lhe um envelope e ir embora depressa.”
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[Adam Liptak é jornalista do New York Times]